sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

NÃO ÀS MENTIRAS

‘Não às mentiras’: o artigo que levou jornalista do Equador a ser condenado
Emilio Palacio, do 'El Universo', provocou a ira do presidente equatoriano, Rafael Correa
O Globo
RIO — No dia 6 de fevereiro de 2011, o ex-editorialista do jornal equatoriano “El Universo” Emilio Palacio publicou este artigo. O presidente Rafael Correa julgou o conteúdo impróprio e entrou na Justiça por injúria. Por causa do texto, Palacio foi condenado a três anos de prisão.
“Esta semana, pela segunda vez, a Ditadura informou através de um de seus porta-vozes que o Ditador está considerando a possibilidade de perdoar os criminosos que promoveram um levante em 30 de setembro de 2010, e por isso estuda um indulto.
Não sei se a proposta me incluía (segundo os meios ditatoriais, fui um dos instigadores do golpe); mas se for assim, eu a rechaço.
Compreendo que o Ditador (cristão devoto, homem de paz) não perca oportunidade de perdoar os criminosos. Ele deu indulto a pessoas que transportavam drogas, compadeceu-se dos assassinos presos na Penitenciária do Litoral, pediu aos cidadãos que se deixem roubar para que não haja vítimas, até que o traíram. Mas o Equador é um Estado laico onde não se permite usar a fé como fundamento jurídico para eximir os criminosos de pagarem suas dívidas. Se cometi algum delito, exijo que me provem; caso contrário, não espero nenhum perdão judicial sem as devidas desculpas.
O que ocorre na realidade é que o Ditador, por fim, compreendeu (ou seus advogados fizeram compreender) que não tem como provar o suposto crime de 30 de setembro, já que tudo foi produto de um roteiro improvisado, em meio ao corre-corre, para ocultar a irresponsabilidade do Ditador ao entrar num quartel sublevado, abrir a camisa e gritar que o matem, como um lutador de luta livre que se esforça em seu show num vilarejo esquecido.
A esta altura, todas as “provas” para acusar os “golpistas” ficaram desconexas:
O Ditador reconhece que a péssima ideia de ir ao Regimento de Quito e entrar à força foi sua. Mas então ninguém pôde se preparar para assassiná-lo, já que ninguém o esperava.
O Ditador jura que o ex-diretor do Hospital da Polícia fechou as portas para impedir sua entrada. Mas então ali também não houve nenhum complô porque nem sequer queriam ver a cara dele.
As balas que mataram os policiais desapareceram, mas não no escritório de Fidel Araujo (ex-militar do Exército do Equador, acusado de ser o principal organizador do levante, mas inocentado no ano passado por um tribunal do país), e sim num recinto resguardado pelas forças leais à Ditadura.
Para mostrar que em 30 de setembro não usava colete blindado, Araujo vestiu diante dos juízes a mesma camiseta que usava no dia do levante. Seus acusadores tiveram que admitir diante da demonstração palpável que um colete blindado simplesmente não poderia ter sido escondido sob aquele traje.
Eu poderia continuar, mas o espaço não me permite. No entanto, já que o Ditador entendeu que deve voltar atrás em sua história, eu ofereço uma saída: não é o indulto que deve ser concedido, mas a anistia na Assembleia Nacional.
A anistia não é perdão, é o esquecimento jurídico. Isso implicaria, se ele resolver aplicá-la, que a sociedade chegou à conclusão de que em 30 de setembro de 2010 foram cometidas besteiras demais, de todos os lados, e seria injusto condenar uns e premiar outros.
O Ditador deve lembrar, por último, e isso é muito importante, que com o indulto, no futuro, um novo presidente, quem sabe um inimigo seu, poderia levá-lo diante de uma corte penal por ter ordenado que se abrisse fogo sem aviso prévio contra um hospital cheio de civis e de gente inocente.
Os crimes de lesa-humanidade, que ele não se esqueça, não prescrevem.”

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