O país da Copa está em greve
Um ano depois das
manifestações do passe livre, país chega à Copa do Mundo com pelo menos
40 ameaças de paralisação, concentradas principalmente no serviço
público. Sindicatos perderam a capacidade de controlar mobilizações
Mariana Zylberkan, Pâmela Oliveira e Daniel Haidar - VEJA
Passado um ano do início dos protestos de rua no Brasil, as grandes
passeatas perderam força. O nível de tensão nas ruas, no entanto,
mantém-se elevado, impulsionado por manifestações de categorias ou
segmentos de trabalhadores que ameaçam cruzar os braços. O Brasil chega à
Copa do Mundo com pelo menos 40 movimentos grevistas, concentrados no
serviço público e em setores essenciais, como transporte e educação.
Levantamento feito pelo site de VEJA mostra que catorze categorias estão
mobilizadas em 23 cidades. A visibilidade internacional do momento e a
coincidência com datas-bases de trabalhadores criaram um problema a mais
para prefeituras e governos estaduais e federal, e não há sinal de que,
encerrado o mundial, a situação vá se acalmar.
As reivindicações de agora têm um componente a mais de dificuldade para as negociações: nem sempre os sindicatos constituídos lideram as paralisações, o que torna praticamente impossível alcançar o consenso e respeitar acordos previamente estabelecidos. "O modelo sindical está em crise. O que vemos hoje é que a maioria dos sindicatos não consegue se comunicar com as categorias que representam. Fica claro que as campanhas salariais não são feitas com amplo conhecimento da base", afirma o pesquisador Walter Barelli, ex-ministro do Trabalho e ex-diretor-técnico do Dieese.
Com os sindicatos fora das greves e grupos dissidentes no comando das paralisações, o resultado é o que se viu, por exemplo, em São Paulo e no Rio, onde motoristas de ônibus e cobradores discordaram dos acordos firmados pelos sindicatos e deixaram a população a pé. Na capital fluminense, os ônibus pararam nos dias 8, 13 e 14 – a última convocação, esta semana, não conseguiu mobilizar a categoria. A capital paulista foi o centro de uma nova onda de paralisações, há duas semanas, quando uma ala da categoria decretou greve à revelia do sindicato, que havia estabelecido o acordo anual de reajuste salarial com as empresas no dia anterior. O resultado do racha sindical foi dois dias de absoluto caos no trânsito da maior cidade do país.
Motoristas e cobradores de ônibus de cidades da Grande São Paulo seguiram o mesmo roteiro: usaram da violência para reivindicar aumento salarial. Em Osasco, dois cobradores foram presos acusados de ameaçar motorista e passageiros que tentavam embarcar em um coletivo. Depois de São Paulo e Rio, o movimento se repetiu em outras três capitais: São Luís (MA), Salvador (BA) e Florianópolis (SC), que ficaram com 100% da frota nas garagens.
Rodoviários costumam ensaiar paralisações nesta época do ano, quando tradicionalmente patrões e empregados se reúnem para repactuar os termos dos contratos coletivos de trabalho. “Greve em negociação coletiva é fatal. O trabalho da categoria afeta o funcionamento das cidades, por isso os trabalhadores lançam mão dessa tática para conseguir aumentos”, avalia Otávio Cunha, presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos.
O que foge ao padrão nesses casos recentes é a deflagração da greve após acordo estabelecido entre patrões e trabalhadores. “É a primeira vez que presencio isso. Temos visto grupos dissidentes que fazem a mobilização e não assumem a responsabilidade”, diz Luiz Antônio Festino, diretor da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que detém a filiação de 188 dos 330 sindicatos de rodoviários ativos no país. De acordo com Festino, cerca de 200 paralisações da categoria, incluindo motoristas do transporte de cargas, foram registradas neste ano.
Na capital baiana, a greve durou dois dias e chegou ao fim quando o sindicato dos trabalhadores aceitou a proposta das empresas de aumento de 9% mais elevação do vale-refeição para 14 reais e redução da jornada para sete horas. Em Florianópolis, a paralisação durou apenas 24 horas, mas as negociações continuam. Está marcada assembleia para o dia 8 de junho quando será decidido se a categoria irá parar por tempo indeterminado. Os trabalhadores esperam que o movimento evite a demissão de 350 cobradores prevista devido à automação das catracas.
A cidade de Fortaleza (CE) corre o risco de ser afetada pela paralisação de motoristas e cobradores na próxima semana. O sindicato da categoria se reúne neste sábado. Nesta quinta-feira, um ato interrompeu a circulação de ônibus nos sete terminais de Fortaleza para protestar contra a morte de um motorista morto a facadas em uma tentativa de assalto nesta terça-feira enquanto trabalhava. A categoria pede mais segurança. Na última quinta-feira, São Luís (MA) completou uma semana de paralisação dos motoristas, que exigem aumento salarial de 16%. A greve afeta 750.000 passageiros na capital maranhense.
Uma decisão do Senado, a ser referendada em plenária prevista para a próxima terça-feira, pode acirrar ainda mais os ânimos dos motoristas de ônibus e expandir os movimentos de greve para outras capitais. Trata-se da votação de alterações da lei 12.619/02, conhecida como a lei dos motoristas. Segundo central sindical que representa a categoria, as mudanças, já aprovadas pela Câmara dos Deputados, aumentam a jornada de trabalho de oito para doze horas e anulam as conquistas obtidas com a promulgação da lei em 2012, criada justamente para regulamentar a salubridade do trabalho dos motoristas de carga e rodoviários. “Essa votação coincidiu com a campanha salarial e planejamos uma mobilização maior para a próxima semana”, diz Festino.
Greves federais
IBGE decretou paralisação em doze Estados: Rio de Janeiro, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia.
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) está parado desde 21 de abril por tempo indeterminado.
Servidores do Ministério da Cultura cruzaram os braços em 12 de maio
Servidores – O funcionalismo público é a categoria
que tem puxado a onda pelo país, principalmente os servidores
municipais, cuja paralisação afeta mais cidades. Só em Santa Catarina,
os funcionários das prefeituras de três cidades cruzaram os braços nos
últimos dias, em Balneário Camboriú, Joinville e Blumenau.
A categoria abarca uma série de serviços essenciais à população, como assistência médica e escolas e sua paralisação pode colocar em risco a saúde da população. Em São Paulo, a greve, deflagrada na última terça-feira, tem comprometido o combate ao mosquito da dengue. A cidade tem vivido sua pior epidemia da doença, que registrou, nos últimos cinco meses, quase 7.000 casos, número que corresponde a mais do que o triplo de pessoas infectadas durante todo o ano passado. Segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindesp), as condições de trabalho para os funcionários do Centro de Zoonoses são insalubres, falta material de proteção, maquinário e o estoque do veneno para matar o mosquito está zerado. “Tanto faz pararmos ou não, se não há material para combater a doença”, diz José Teixeira, diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep).
Procurada, a secretaria municipal de saúde de São Paulo afirmou que apenas 45% do Centro de Zoonoses aderiu à greve e que, em 2013, concedeu reajuste salarial de 71,44% à categoria.
Redes sociais – Há outro componente que favorece os movimentos dissidentes – e contra os sindicatos tradicionais. Os panfletos e jornais distribuídos por sindicalistas são obsoletos como o velho discurso comunista, e entraram em cena as redes sociais. No Rio, na greve dos garis, em março, iniciada em pleno Carnaval, os organizadores do movimento – brigados com o sindicato – convocaram protestos pelo Facebook. Conseguiram manter oito dias de paralisação contra um acordo coletivo fechado pelos sindicalistas com a Comlurb. O lixo da cidade ficou amontoado num momento em que blocos de rua aumentavam a sujeira, com turistas horrorizados. Os grevistas conseguiram dobrar a prefeitura. Conseguiram 37% de aumento do salário-base e aumento do vale-refeição.
As greves em curso atormentam em especial os candidatos à reeleição. Mas a lição vale para todos os governantes e patrões: sindicatos sem representatividade oferecem o risco de que negociações aparentemente favoráveis para o gestor venham a desaguar em uma situação explosiva. Pedidos de reajustes salariais bem acima da inflação, sob a justificativa de que servem para corrigir defasagens históricas, alimentaram as últimas grandes greves organizadas por dissidentes. No caso do Rio de Janeiro, os rodoviários rejeitam o acordo fechado entre o sindicato da categoria que dava aumento salarial de 10% — mesmo patamar obtido pelo sindicato dos garis e descartado pelas bases. Motoristas e cobradores exigem, agora, reajuste de 40% e o fim da dupla função de cobrador e motorista. Para o pesquisador Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da USP, reajustes nessa magnitude só passam a ser pleiteados quando dissidentes percebem que conseguem mobilizar greves. "Reajuste de 40% é algo difícil de ser concedido. Por outro lado, opositores de dirigentes sindicais não têm a mesma responsabilidade de direções estabelecidas. Se a oposição tem força para controlar a base, o patronato fica acuado, e é obrigado a negociar", afirma Rodrigues.
Procurado para comentar a onda de greves pelo país, o ministério do Trabalho não respondeu à demanda da reportagem, assim como a secretaria-geral da Presidência, também consultada sobre o tema. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério da Justiça afirmou que não cabe à pasta fazer qualquer consideração de juízo de valor a respeito da greves. "A atuação do Ministério da Justiça, junto aos Estados, é garantir a liberdade de manifestação, rechaçando, dessa forma, qualquer abuso que venha a ser cometido por quem quer seja", afirmou a nota.
As reivindicações de agora têm um componente a mais de dificuldade para as negociações: nem sempre os sindicatos constituídos lideram as paralisações, o que torna praticamente impossível alcançar o consenso e respeitar acordos previamente estabelecidos. "O modelo sindical está em crise. O que vemos hoje é que a maioria dos sindicatos não consegue se comunicar com as categorias que representam. Fica claro que as campanhas salariais não são feitas com amplo conhecimento da base", afirma o pesquisador Walter Barelli, ex-ministro do Trabalho e ex-diretor-técnico do Dieese.
Com os sindicatos fora das greves e grupos dissidentes no comando das paralisações, o resultado é o que se viu, por exemplo, em São Paulo e no Rio, onde motoristas de ônibus e cobradores discordaram dos acordos firmados pelos sindicatos e deixaram a população a pé. Na capital fluminense, os ônibus pararam nos dias 8, 13 e 14 – a última convocação, esta semana, não conseguiu mobilizar a categoria. A capital paulista foi o centro de uma nova onda de paralisações, há duas semanas, quando uma ala da categoria decretou greve à revelia do sindicato, que havia estabelecido o acordo anual de reajuste salarial com as empresas no dia anterior. O resultado do racha sindical foi dois dias de absoluto caos no trânsito da maior cidade do país.
Motoristas e cobradores de ônibus de cidades da Grande São Paulo seguiram o mesmo roteiro: usaram da violência para reivindicar aumento salarial. Em Osasco, dois cobradores foram presos acusados de ameaçar motorista e passageiros que tentavam embarcar em um coletivo. Depois de São Paulo e Rio, o movimento se repetiu em outras três capitais: São Luís (MA), Salvador (BA) e Florianópolis (SC), que ficaram com 100% da frota nas garagens.
Rodoviários costumam ensaiar paralisações nesta época do ano, quando tradicionalmente patrões e empregados se reúnem para repactuar os termos dos contratos coletivos de trabalho. “Greve em negociação coletiva é fatal. O trabalho da categoria afeta o funcionamento das cidades, por isso os trabalhadores lançam mão dessa tática para conseguir aumentos”, avalia Otávio Cunha, presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos.
O que foge ao padrão nesses casos recentes é a deflagração da greve após acordo estabelecido entre patrões e trabalhadores. “É a primeira vez que presencio isso. Temos visto grupos dissidentes que fazem a mobilização e não assumem a responsabilidade”, diz Luiz Antônio Festino, diretor da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que detém a filiação de 188 dos 330 sindicatos de rodoviários ativos no país. De acordo com Festino, cerca de 200 paralisações da categoria, incluindo motoristas do transporte de cargas, foram registradas neste ano.
Na capital baiana, a greve durou dois dias e chegou ao fim quando o sindicato dos trabalhadores aceitou a proposta das empresas de aumento de 9% mais elevação do vale-refeição para 14 reais e redução da jornada para sete horas. Em Florianópolis, a paralisação durou apenas 24 horas, mas as negociações continuam. Está marcada assembleia para o dia 8 de junho quando será decidido se a categoria irá parar por tempo indeterminado. Os trabalhadores esperam que o movimento evite a demissão de 350 cobradores prevista devido à automação das catracas.
A cidade de Fortaleza (CE) corre o risco de ser afetada pela paralisação de motoristas e cobradores na próxima semana. O sindicato da categoria se reúne neste sábado. Nesta quinta-feira, um ato interrompeu a circulação de ônibus nos sete terminais de Fortaleza para protestar contra a morte de um motorista morto a facadas em uma tentativa de assalto nesta terça-feira enquanto trabalhava. A categoria pede mais segurança. Na última quinta-feira, São Luís (MA) completou uma semana de paralisação dos motoristas, que exigem aumento salarial de 16%. A greve afeta 750.000 passageiros na capital maranhense.
Uma decisão do Senado, a ser referendada em plenária prevista para a próxima terça-feira, pode acirrar ainda mais os ânimos dos motoristas de ônibus e expandir os movimentos de greve para outras capitais. Trata-se da votação de alterações da lei 12.619/02, conhecida como a lei dos motoristas. Segundo central sindical que representa a categoria, as mudanças, já aprovadas pela Câmara dos Deputados, aumentam a jornada de trabalho de oito para doze horas e anulam as conquistas obtidas com a promulgação da lei em 2012, criada justamente para regulamentar a salubridade do trabalho dos motoristas de carga e rodoviários. “Essa votação coincidiu com a campanha salarial e planejamos uma mobilização maior para a próxima semana”, diz Festino.
Greves federais
IBGE decretou paralisação em doze Estados: Rio de Janeiro, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia.
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) está parado desde 21 de abril por tempo indeterminado.
Servidores do Ministério da Cultura cruzaram os braços em 12 de maio
A categoria abarca uma série de serviços essenciais à população, como assistência médica e escolas e sua paralisação pode colocar em risco a saúde da população. Em São Paulo, a greve, deflagrada na última terça-feira, tem comprometido o combate ao mosquito da dengue. A cidade tem vivido sua pior epidemia da doença, que registrou, nos últimos cinco meses, quase 7.000 casos, número que corresponde a mais do que o triplo de pessoas infectadas durante todo o ano passado. Segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindesp), as condições de trabalho para os funcionários do Centro de Zoonoses são insalubres, falta material de proteção, maquinário e o estoque do veneno para matar o mosquito está zerado. “Tanto faz pararmos ou não, se não há material para combater a doença”, diz José Teixeira, diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep).
Procurada, a secretaria municipal de saúde de São Paulo afirmou que apenas 45% do Centro de Zoonoses aderiu à greve e que, em 2013, concedeu reajuste salarial de 71,44% à categoria.
Redes sociais – Há outro componente que favorece os movimentos dissidentes – e contra os sindicatos tradicionais. Os panfletos e jornais distribuídos por sindicalistas são obsoletos como o velho discurso comunista, e entraram em cena as redes sociais. No Rio, na greve dos garis, em março, iniciada em pleno Carnaval, os organizadores do movimento – brigados com o sindicato – convocaram protestos pelo Facebook. Conseguiram manter oito dias de paralisação contra um acordo coletivo fechado pelos sindicalistas com a Comlurb. O lixo da cidade ficou amontoado num momento em que blocos de rua aumentavam a sujeira, com turistas horrorizados. Os grevistas conseguiram dobrar a prefeitura. Conseguiram 37% de aumento do salário-base e aumento do vale-refeição.
As greves em curso atormentam em especial os candidatos à reeleição. Mas a lição vale para todos os governantes e patrões: sindicatos sem representatividade oferecem o risco de que negociações aparentemente favoráveis para o gestor venham a desaguar em uma situação explosiva. Pedidos de reajustes salariais bem acima da inflação, sob a justificativa de que servem para corrigir defasagens históricas, alimentaram as últimas grandes greves organizadas por dissidentes. No caso do Rio de Janeiro, os rodoviários rejeitam o acordo fechado entre o sindicato da categoria que dava aumento salarial de 10% — mesmo patamar obtido pelo sindicato dos garis e descartado pelas bases. Motoristas e cobradores exigem, agora, reajuste de 40% e o fim da dupla função de cobrador e motorista. Para o pesquisador Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da USP, reajustes nessa magnitude só passam a ser pleiteados quando dissidentes percebem que conseguem mobilizar greves. "Reajuste de 40% é algo difícil de ser concedido. Por outro lado, opositores de dirigentes sindicais não têm a mesma responsabilidade de direções estabelecidas. Se a oposição tem força para controlar a base, o patronato fica acuado, e é obrigado a negociar", afirma Rodrigues.
Procurado para comentar a onda de greves pelo país, o ministério do Trabalho não respondeu à demanda da reportagem, assim como a secretaria-geral da Presidência, também consultada sobre o tema. Por meio da assessoria de imprensa, o ministério da Justiça afirmou que não cabe à pasta fazer qualquer consideração de juízo de valor a respeito da greves. "A atuação do Ministério da Justiça, junto aos Estados, é garantir a liberdade de manifestação, rechaçando, dessa forma, qualquer abuso que venha a ser cometido por quem quer seja", afirmou a nota.
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