domingo, 1 de junho de 2014

O rápido crescimento econômico dos Estados Unidos
Professor de economia da Universidade Harvard mostra quais são as forças capazes de empurrar o PIB americano para uma expansão saudável neste e nos próximos anos
Martin Eldstein - VEJA
Consumidores fazem fila para aproveitar ofertas em Naples, nos Estados Unidos
Consumidores fazem fila para aproveitar ofertas em Naples, EUA: gastos reais de consumo pessoal registraram taxas de crescimento de 3% entre o quarto trimestre de 2013 e o primeiro trimestre deste ano (Spencer Platt/Getty Images/AFP)
Em dezembro passado, especulei que em 2014 o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos Estados Unidos aumentaria da deficiente taxa média anual de 2% nos últimos quatro anos para cerca de 3%, aproximadamente, com o que duplicaria, na realidade, a taxa de crescimento per capita. Agora que a economia dos EUA superou o impacto de momentos terríveis durante os primeiros meses do ano, parece que a produção está a caminho de crescer em um ritmo saudável.
A principal força motriz por trás do crescimento do PIB ao longo deste ano é o aumento de 10 trilhões de dólares da riqueza das famílias, ocorrido em 2013. De acordo com o Fed (Federal Reserve, o banco central americano), tal crescimento refletiu em um aumento de 2 trilhões de dólares no valor dos imóveis e de 8 trilhões de dólares no valor das ações, das empresas e de outros ativos financeiros líquidos. Como explicou o ex-presidente do Fed, Ben Bernanke, quando lançou as compras de ativos no programa de flexibilização quantitativa, esse aumento da riqueza – e o consequente aumento no consumo – era o resultado que se esperava.
Experiências anteriores sugerem que a cada aumento de 100 dólares na riqueza familiar propicia um crescimento gradual do consumo até um nível de cerca de 4 dólares. Isso significa que os 10 trilhões de dólares de aumento da riqueza incrementarão o nível anual de consumo em cerca de 400 bilhões de dólares, ou seja, 2,5% do PIB, aproximadamente. Mesmo que menos de metade do aumento anunciado aconteça em 2014, será o suficiente para elevar a taxa total de crescimento do PIB em um ponto porcentual.
Os dados mostram que um aumento significativo do consumo já está ocorrendo. Os gastos reais de consumo pessoal registraram taxas de crescimento de 3% entre o quarto trimestre de 2013 e o primeiro trimestre deste ano.
Dentro do primeiro trimestre, o aumento mensal do gasto real de consumo acelerou de apenas 0,1% em janeiro para 0,4% em fevereiro e 0,7% em março. Foi mais rápido que o crescimento mensal de 0,3% na receita pessoal disponível durante esse período, destacando a importância da riqueza como um motor de gastos.
Outra indicação do papel da riqueza no impulso do consumo é a redução da taxa de poupança doméstica. A poupança doméstica total como porcentual do rendimento disponível caiu dos 6%, aproximadamente, em 2011 e 2012 para apenas 3,8% no trimestre mais recente.
A construção habitacional também está respondendo ao aumento da riqueza. O número de novas casas em construção e o custo do imóvel residencial caiu depois que o Fed anunciou que graças à retirada da flexibilização quantitativa, houve um aumento nas taxas de juros sobre empréstimos hipotecários. Mas essa ocorrência mudou completamente, pois entre o mês de abril do ano passado e este ano a construção de novas moradias aumentou 26%, e as vendas de casas novas e usadas disponíveis estão subindo rapidamente.
Com maiores gastos de consumo e aumento nos investimentos em moradias, a demanda de mão de obra foi impulsionada, com um aumento em número de empregos de 288.000 em abril, superior à média mensal de 200.000 nos meses anteriores deste ano. Se continuar assim, propiciará uma taxa mais rápida de aumento do rendimento familiar e consumo.
O efeito favorável do aumento da riqueza das famílias está sendo reforçado este ano com a melhora da situação fiscal. Em 2013, o crescimento da economia ficou travado devido aos aumentos de impostos, cortes nos gastos governamentais devido ao processo de embargo, “suspensão” temporal do governo, bem como a possibilidade de que o limite máximo da dívida exigisse uma redução nos gastos do governo. Quanto à perspectiva de déficit de crescimento e restos de dívida pública em longo prazo, o acordo de orçamento bienal adotado pelo Congresso dos Estados Unidos indica que a economia não estará sujeita a tais choques fiscais negativos em 2014 ou 2015.
O principal desafio que confrontará a economia nos próximos dois anos recairá sobre o Fed, que por sua vez deve controlar as pressões inflacionárias que possam surgir como reação dos bancos comerciais diante de uma economia mais sólida, ao aumentar a concessão de empréstimos a empresas e famílias. Os bancos comerciais têm uma alta liquidez, sob a forma de excesso de reservas no Fed, o que poderia fazer que a inflação representasse um risco significativo.
Atualmente, os bancos são rentáveis o suficiente para deixar esses fundos no Fed, onde ganham apenas 0,25% porque são livres de risco, gozam de total liquidez e estão livres de requisitos de capital mínimo. A alternativa é emprestar comercialmente a taxas de juros relativamente baixas, com menor liquidez, maior risco e sem exigências de provisão de capital.
Mas chegará um momento em que os bancos vão querer utilizar seu excesso de reservas para apoiar empréstimos mais rentáveis. Então, o Federal Reserve terá de aumentar as taxas de juros pagas sobre o excesso de reservas para limitar a extensão com que os bancos comerciais possam utiliza-las para criar empréstimos e depósitos adicionais.
Esse equilíbrio será difícil. Se a taxa de juros subir muito pouco, os bancos usarão mais reservas para apoiar empréstimos, levando a uma inflação mais alta. Se a taxa de juros subir muito, a atividade econômica será limitada e o crescimento poderá ficar deflacionado.
A situação atual diverge do cenário tradicional, em que o Fed controlava a quantidade de reservas utilizadas por parte dos bancos, ajustando a taxa dos fundos federais (a taxa com a qual os bancos emprestam suas reservas mutuamente). A principal diferença é que agora o Fed terá de pagar juros sobre quase 2,5 trilhões de dólares de excesso de reservas que acumulou.
A economia dos Estados Unidos está atualmente em uma via favorável de expansão, mas manter-se nela será um desafio importante para o Federal Reserve durante o restante do ano.

Tradução: Roseli Honório

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