Para ministro alemão das Finanças, Conchita Wurst demonstra forças da UE
Nikolaus Blome e Ralf Neukirch - Der Spiegel
Olivia Harris/Reuters
Em
entrevista ao "Spiegel", o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang
Schäuble, disse que a Europa precisa de mais autoconfiança
O que a vencedora do Concurso de Canção Eurovision, Conchita Wurst, tem a ver com o conflito na Ucrânia? Mais do que você pode imaginar, explicou o ministro das Finanças da Alemanha Wolfgang Schäuble em entrevista à Spiegel. Ela demonstra as maiores forças da UE.
Spiegel: Sr. Schäuble, você já ouviu falar no nome Conchita Wurst?O que a vencedora do Concurso de Canção Eurovision, Conchita Wurst, tem a ver com o conflito na Ucrânia? Mais do que você pode imaginar, explicou o ministro das Finanças da Alemanha Wolfgang Schäuble em entrevista à Spiegel. Ela demonstra as maiores forças da UE.
Schäuble: Foi a vencedora do Concurso de Canção Eurovision. Mas não ouvi a música dela.
Spiegel: O que o fato de uma drag queen de barba vencer o concurso diz sobre a Europa?
Schäuble: Diz algo sobre a diversidade cultural na Europa. Mas você também não deveria atribuir tanta importância a isso.
Spiegel: Você não é fã do concurso musical?
Schäuble: Provavelmente é uma questão de geração. Mas, seriamente: acho que a vitória dela não é uma coisa ruim. Ela mostrou para muitas pessoas pela primeira vez que a atual disputa com a Rússia tem uma dimensão política que vai além do que está acontecendo na Ucrânia.
Spiegel: Você está falando sobre o conflito entre os valores ocidentais e os valores prezados pelo presidente russo Vladimir Putin?
Schäuble: O conflito na Ucrânia infelizmente mostra que a exploração das emoções e ressentimentos nacionalistas não pertencem ao passado. Putin parece disposto a desprezar a ordem democrática. É uma coisa boa quando o Ocidente reage a este esforço com seu modelo de sociedade e seus valores de abertura e tolerância. Isso também aumenta o nosso apelo.
Spiegel: Você está falando do que é chamado com frequência de "poder brando".
Schäuble: Em um mundo globalizado, o poder brando é imensamente importante. Nós, europeus, temos de perceber que somos muito mais atraentes e poderosos do que muitos de nos pensamos. Precisamos de mais autoconfiança. A Europa tem uma missão global. E de acordo com pesquisas internacionais, a Europa tem de longe o grau mais elevado de poder brando.
Spiegel: Conchita tem sido interpretada mais como um sinal de decadência da Europa na Rússia e outros países autoritários.
Schäuble: Não há como discutir gosto. Eu tento não transformar meu gosto pessoal em normas generalizadas para os outros, mas este não é o ponto. Em vez disso, o ponto é que nossa compreensão de liberdade e dignidade humana demanda tolerância e abertura por parte de todos.
Spiegel: Em uma questão, contudo, Putin tem uma vantagem sobre o ocidente. O poder brando europeu não foi capaz de prevenir a anexação da península da Crimeia pela Rússia.
Schäuble: Será que deveríamos ter entrado militarmente na situação? Ninguém quer isso. Eventualmente ficará claro que a Rússia fez o movimento errado na Crimeia.
Spiegel: O período de modernização russo e a parceria com Moscou foi apenas uma fase intermediária? Será que agora estamos caminhando para o tipo de confronto Leste-Oeste que conhecemos tão bem?
Schäuble: Espero que não. Putin esteve há pouco na China e assinou um acordo importante de gás natural – mas com preços que estão abaixo do que a Rússia recebe na Europa. Isso demonstra que não é do interesse da Rússia se tornar muito dependente da China. A Rússia é dependente da parceria com a Europa pelo menos da mesma forma que a Europa é. Isso na verdade é uma fundação sólida para uma parceria.
Spiegel: Qual é o motivo para a crise nas relações da Rússia com o Ocidente? Moscou não estava interessada em cooperar ou a oferta de parceria do Ocidente com a Rússia não teve credibilidade?
Schäuble: Acredito que a oferta ocidental era honesta. Mas talvez mais coisas devessem ter sido feitas para garantir que a Rússia também visse dessa forma. Até os antigos romanos entendiam que é preciso ser especialmente generoso com parceiros quando eles enfrentam dificuldades.
Spiegel: Em um ensaio para o jornal diário Frankfurter Allgemeine Zeitung na semana passada, você escreveu que o Ocidente precisa ser forte. Você estava se referindo a força militar?
Schäuble: Nosso poder brando é persuasivo, mas temos que ser fortes o bastante militarmente para não sermos atacados.
Spiegel: Na verdade, contudo, o Ocidente não poderia ter impedido a Rússia militarmente no Báltico, por exemplo, mesmo se quisesse. Nos últimos 20 anos, os exércitos ocidentais foram reduzidos em tamanho e reconfigurados para intervenções em crises. Eles não estão mais preparados para a defesa de fronteiras nacionais e aliadas.
Schäuble: No tratado da Otan, o Artigo 5 afirma que um ataque sobre um membro da aliança deveria ser visto como um ataque contra todos os demais.
Spiegel: O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, diz que a Otan precisa se preparar para uma situação completamente nova. Ele pediu que os membros da aliança gastem mais dinheiro com defesa. Além disso, ele disse que a Otan pode colocar tropas permanentemente no leste europeu.
Schäuble: Eu não considero esse debate construtivo. 90% das pessoas – não só na Alemanha ou na União Europeia, mas muito além – veria esses passos como uma intensificação da situação.
Spiegel: Se você quer a paz, então se prepare para a guerra: parece que a Otan está aplicando este princípio.
Schäuble: Na situação atual, acho que o foco deveria ser evitar mal entendidos. Quando você observa a situação no leste da Ucrânia, posso compreender aqueles que veem Vladimir Putin como o aprendiz de feiticeiro: ele não consegue mais controlar as forças que desencadeou.
Spiegel: Você acredita que a lição que a Otan deveria tirar da crise na Ucrânia é meramente continuar fazendo tudo como sempre?
Schäuble: Eu aconselharia aqueles em posições de responsabilidade na Otan a considerar o velho ditado: a palavra é de prata, mas em questões como esta o silêncio provavelmente tem maior valor.
Spiegel: Você compreende a ansiedade nos países bálticos e na Polônia?
Schäuble: Eu falo frequentemente com meus colegas desses países e não tenho a mínima sensação de que eles estão ansiosos.Eles sabem que estão protegidos por serem membros da Otan. Os EUA também pertencem à aliança. As relações transnacionais são mais importantes do que alguns de nós podem ter acreditado.
Spiegel: A Alemanha dedica uma porcentagem bem menor de seu orçamento para a defesa do que outros grandes estados-membros da Otan como a Turquia, Inglaterra, França e Estados Unidos. Será que temos sido muito parcimoniosos?
Schäuble: Todos precisam entender que, devido à nossa história, a Alemanha é mais reservada no que diz respeito ao poder militar. Você lê as pesquisas que mostram como os alemães pensam?
Spiegel: Nunca pensamos em você como um político que é guiado por pesquisas de opinião pública.
Schäuble: Este não é o ponto. Mas temos de encarar nossa responsabilidade com sensibilidade e inteligência.
Spiegel: Em outras palavras: por causa de Adolf Hitler, não podemos aumentar nosso orçamento de defesa.
Schäuble: Essas declarações têm pouco a ver com uma análise séria. Todo mundo deveria aceitar que nossas alternativas militares são um pouco mais limitadas.
Spiegel: Para muitos parceiros, isso soa como uma desculpa.
Schäuble: Aumentar o orçamento de defesa na situação atual realmente não seria uma política inteligente. Isso é o oposto do que precisamos.
Spiegel: Como políticos russos ou chineses que observam o Ocidente, seríamos obrigados a tirar a conclusão de que podemos pressionar bastante antes de provocar uma resposta séria do Ocidente. Ele não parece particularmente capaz de agir.
Schäuble: Você nunca chegaria ao Comitê Central do Partido Comunista porque sua visão de mundo é limitada demais. Moscou e Pequim sabem que não queremos um confronto militar. Moscou e Pequim são dependentes de uma economia global funcional. Elas também sabem que estamos representando nossos interesses.
Spiegel: Com o poder brando?
Schäuble: E com nossa força econômica. A forte posição da Europa no mundo depende de sua capacidade de resolver seus problemas econômicos e financeiros.
Spiegel: Você não está supervalorizando o apelo da Europa? O fato de que partidos populistas e céticos em relação à UE estão em ascensão mostra que a UE perdeu seu poder de persuasão também internamente.
Schäuble: Normalmente, é como Hölderlin disse uma vez: "onde o perigo ameaça, a salvação também cresce". Talvez esses acontecimentos façam crescer a determinação da grande maioria dos poderes democráticos para empurrar a Europa adiante.
Spiegel: Isso soa muito abstrato. O que você quer dizer especificamente?
Schäuble: Temos que tornar a Europa mais eficiente. Eu sei que mudar os tratados da UE parece difícil na perspectiva de hoje. Mas a maioria dos especialistas também não acreditava que chegaríamos a um acordo em estabelecer uma união bancária. E então, no fim, encontramos uma solução que foi aceitável para todos.
Spiegel: Você propôs a introdução de um comissário de orçamento com o poder de rejeitar orçamentos nacionais. Isso não alimenta exatamente o tipo de ceticismo em relação à UE que você está interessado em combater?
Schäuble: Temos as normas europeias, mas não temos os instrumentos efetivos para garantir seu cumprimento. Percebemos isso quando o então chanceler alemão Gerhard Schroeder e seu colega francês presidente Jacques Chirac concordaram em fechar os olhos para o critério do déficit. É assim que se destrói a confiança – também entre o eleitorado.
Spiegel: Você de fato acredita que os eleitores acharão aceitável se Bruxelas dissesse aos governos nacionais que seus orçamentos são inadmissíveis?
Schäuble: Este já é o caso no que diz respeito às regras de competição. Concordamos quanto a normas porque temos um mercado comum. Todos as ratificaram juntos e agora estamos aderindo a elas. Para que servem regras se não temos que aderir a elas?
Spiegel: Você quer combater o ceticismo em relação à UE dando mais poder à Europa. Isso soa como um paradoxo.
Schäuble: As pessoas não são contra a Europa. Elas simplesmente não entendem suficientemente o que a Europa de fato faz. Isso precisa ser explicado. Talvez as crises internacionais ajudem a aumentar o entusiasmo pela Europa novamente. A aceitação do euro na Alemanha cresceu continuamente durante a crise do euro.
Spiegel: Sr. Schäuble, agradecemos por esta entrevista.
Tradutor: Eloise De Vylder
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