sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Com o aumento de acidentes em montanhas, cidades espanholas passam a cobrar por resgate
J. A. Aunión - El País
Jesús Diges/EFE
Um grupo de pessoas sobe a montanha de Ibañeta, em Navarra, na Espanha, em meio à paisagem coberta de neve Um grupo de pessoas sobe a montanha de Ibañeta, em Navarra, na Espanha, em meio à paisagem coberta de neve
A conhecida rota de Cares, de 11 quilômetros atravessando os picos da Europa entre as regiões espanholas Caín (Leão) e Poncebos (Astúrias), é de dificuldade média, segundo o site do Ministério do Meio Ambiente. A página também adverte que "transcorre junto a um precipício sem proteção lateral" e que há "risco de queda de pedras". No ano passado, um homem decidiu fazê-la à noite e de bicicleta; acidentou-se e o serviço de resgate do Principado de Astúrias lhe cobrou pelo serviço de helicóptero (valor de 2.104 euros por hora). Foi a única vez nos últimos dois anos que o governo asturiano cobrou a taxa por esse tipo de resgate, que só aplica quando há imprudência ou negligência.
O apogeu das atividades de montanha na Espanha trouxe consigo um aumento dos acidentes nas últimas décadas (as intervenções da Guarda Civil se multiplicaram quase por três desde 1990). A maioria deles é protagonizada por excursionistas desavisados e inexperientes, explica o tenente Fernando Rivero, do Serviço de Montanha da Guarda Civil. Por isso, cada vez que ocorre um fato trágico em torno de um desses resgates - no domingo passado morreram três agentes do corpo a que pertence Rivero durante o socorro a um esportista em Leão -, volta ao primeiro plano o debate sobre a segurança na montanha e a responsabilidade de turistas e esportistas - embora estes últimos, como foi o caso em Leão, costumem estar assegurados e bem equipados.
Essas taxas pelo resgate são uma das respostas que deram nos últimos anos algumas comunidades: Astúrias, País Basco, Castela e Leão, Catalunha, Navarra, Canárias e Cantábria. As tarifas são estabelecidas por hora, em função dos meios mobilizados: desde 30 euros por hora por um veículo terrestre até cerca de 2.000 euros por um helicóptero, além do trabalho por agente e hora: entre 30 e 40 euros.
Mas poucos são aplicados, já que têm, sobretudo, "um caráter de dissuasão, e não de arrecadação", diz José Luis Villaverde, diretor geral de Justiça e Interior de Astúrias. Além disso, é muito complicado demonstrar a imprudência ou negligência. Por exemplo, Castela e Leão nunca a aplicaram, e as que mais o fizeram são Navarra e País Basco: dez cada uma.
Um porta-voz do governo navarro explica que em seu caso foi aprovado porque havia muitas intervenções que não deveriam ter ocorrido em "situações normais e de maior responsabilidade". "Além disso, observou-se que quando os resgatados eram entrevistados pela mídia não estavam conscientes do que haviam feito e do que havia representado seu resgate, dando a sensação de que tiveram uma aventura divertida", acrescenta.
"Tem sua parte positiva e negativa", explica o tenente Rivero sobre essas taxas: "Por um lado, não se abalam de chamar os serviços de resgate quando não é necessário, mas por outro é muito fácil que alguém retarde a ligação até que seja tarde demais". Em nenhum caso passam faturas por suas intervenções aos Grupos de Resgate da Guarda Civil (Greim), que contam com 254 especialistas em 26 bases e que em muitas regiões compartilham o trabalho e se coordenam com os corpos autonômicos de socorro (são estes que cobram, se for o caso).
As federações de esportes de montanha são contra os gravames por resgate, porque os consideram uma injustiça comparativa e um 'copagamento' que, além disso, não funciona. "As políticas sancionadoras não servem para nada; só oferecem (duvidosos) resultados em curto prazo", escreve um porta-voz da Fedme (Federação Espanhola de Esportes de Montanha e Escalada). Lluís Simó, da Federação de Associações de Excursionistas da Catalunha (autonomia que iniciou a política de taxas em 2009), mesmo sendo radicalmente contra, admite que "tem um efeito de conscientização". "Nós notamos isso", acrescenta.
As estatísticas, entretanto, dizem que os resgates de montanha na Catalunha passaram de 416, em 2009, a 697, em 2013. Embora também tenham aumentado nesse tempo, mas menos, as atuações (estas gratuitas) do Greim: de 779 a 892. Tanto Rivero como o diretor-geral de Prevenção da Generalitat, Ramón Parés, dizem que se deve simplesmente ao aumento das atividades de montanhismo. "Antes só ia à montanha gente dos povoados e os montanhistas federados; hoje todo mundo vai", diz Parés.
Os montanhistas lembram, em todo caso, que o maior gasto nesse tipo de acidente está na hospitalização e nas baixas laborais, e não no resgate. Assim o confirma Rivero, que reclama de estatísticas que unifiquem os dados dispersos das comunidades - para poder tomar decisões de melhora – e de campanhas de conscientização de âmbito nacional, já que a maioria dos percalços acontece com visitantes de fora de cada autonomia.
"As mesmas administrações que atraem os visitantes com publicações que não tratam dos riscos cobram o resgate dos que se acidentam por imprudência, muitas vezes justificando-se na eficácia preventiva do temor ao pagamento. Mas a solução não está na intimidação, e sim na formação e na informação", concluiu a Fedme, em um comunicado de 2012.

Os números da montanha

Apogeu. A Espanha é um dos países mais montanhosos da Europa: 76% de sua superfície estão a mais de 500 metros acima do nível do mar e 24% a mais de 1.000 metros. Diversos estudos do Instituto de Turismo da Espanha falam no enorme potencial de explorá-lo. As licenças das federações de montanhismo passaram de 88.323, em 2003, a 169.188, em 2013.
Resgates. Em 2013, a Guarda Civil realizou 892 resgates, com 94 mortos, 475 feridos e 1.010 ilesos; 362 foram em atividades de trilhas; 123 em passeios por terreno abrupto fora das trilhas sinalizadas; 95 em canoismo e 38 em esqui.
As causas. Em 39,8% dos resgates, o acidente ocorreu por "superestimativa das possibilidades próprias", isto é, porque as pessoas enfrentam atividades para as quais não estão preparadas, segundo as estatísticas da Guarda Civil. Seguem-se a "falta de nível técnico ou inexperiência" (31,95%) e, com 29%, a "falta de planejamento da atividade", quer dizer, não calcular horários, material a levar, água, bateria do celular. Causas fortuitas ou inevitáveis (por exemplo, a queda de uma rocha), foram pouco mais de 3% e por perda de atenção de montanhistas experientes, entre 2 e e 3%.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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