sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Comunidade internacional não deve abandonar a Líbia, mas sim mediar conflito
Karim Mezran - NYT
Efe
Coluna de fumaça emana do local de ataque a um armazém de combustível em Trípoli Coluna de fumaça emana do local de ataque a um armazém de combustível em Trípoli
Em um momento em que a Líbia precisa urgentemente da ajuda de seus aliados, a maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, está evacuando suas embaixadas ou reduzindo drasticamente o número de funcionários. Semanas de combates entre milícias mataram centenas em Trípoli e Benghazi, além de provocar disrupção no fornecimento de comida, água e combustível aos civis.
Apesar da segurança diplomática ser compreensivelmente uma prioridade, os representantes da comunidade internacional não devem deixar o país. Em vez disso, eles devem manter contato com os principais atores políticos na Líbia –a Irmandade Muçulmana e a Aliança das Forças Nacionais, e os líderes das milícias em guerra de Misurata e Zintan– caso desejem mediar uma solução para o conflito.
A violência que toma conta da Líbia se deve à luta política entre grupos que poderiam ser amplamente caracterizados como islamitas e anti-islamitas. Desde a colaboração entre eles para derrubada do coronel Muammar Gaddafi em 2011, essas facções estão brigando pelos espólios da vitória, deixando disfuncional a economia e a política da Líbia.
Para romper o impasse, um ex-general renegado, Khalifa Hifter, lançou uma campanha em maio prometendo erradicar os islamitas do leste da Líbia. Ele militarizou a divisão política ao colocar no mesmo saco todos os islamitas, desde os moderados aos radicais, e os declarando como sendo seus inimigos. A maioria dos não-islamitas ficou do lado do general Hifter, sinalizando assim aos islamitas que todos eles são considerados radicais e poderiam ter o mesmo destino que os islamitas no Egito –serem totalmente marginalizados da política ou exterminados. Diante dessa ameaça existencial, os islamitas empregaram sua vantagem militar para assegurar sua sobrevivência.
Uma batalha em escala plena estourou em meados de julho pelo controle do aeroporto de Trípoli. Do ponto de vista dos islamitas, ela tinha dois objetivos principais: obstruir o Parlamente recém-eleito de se reunir e exercer suas responsabilidades, e controlar as principais estradas para Trípoli e desviar o movimento de pessoas e bens para o aeroporto de Maitiga, controlado pelos islamitas.
Tanto o general Hifter quanto os islamitas acreditam que podem vencer militarmente. Com ambos os lados convencidos da vitória a longo prazo, nada os força a se sentarem à mesa de negociação. Isso torna o papel da comunidade internacional essencial na mediação do conflito ou ele irá se arrastar.
Enquanto fracassavam os esforços tradicionais de mediação tribal, o governo líbio –que é neutro, em grande parte impotente e não exerce nenhum controle real sobre o país– pede formalmente pelo envolvimento internacional. O ministro das Relações Exteriores, Mohamed Abdulaziz, pede em particular aos "treinadores" para que apoiem as fracas forças de segurança líbias. Isso poderia ser um primeiro passo, mas está longe de ser suficiente.
Uma combinação de ameaças se seguiu à intervenção internacional limitada e negociações mediadas apresentam maior probabilidade de serem bem-sucedidas. Essa abordagem de três pontas deveria começar com uma ameaça, feita pelos Estados Unidos e pelos países europeus, de intervenção militar limitada para forçar os lados em guerra a se retirarem das duas principais cidades e cessar fogo contra civis e instalações; as milícias que desobedecessem a ordem deveriam ser alvo de ataques aéreos.
Segundo, a comunidade internacional deveria empregar uma força de paz para proteção dos civis, das instituições do governo e de instalações vitais, como reservatórios de água, a rede elétrica e os campos de petróleo.
Terceiro, a ONU deveria mediar agressivamente negociações para se chegar a uma grande barganha política. Isso envolveria a formação de um governo de unidade e um roteiro aceito por todos para desarmamento das milícias, reinício da economia e permissão para que o processo de transição política continue, incluindo a convocação do Parlamento recém-eleito.
Esses três passos restaurariam a segurança física e ajudariam a criar um ambiente propício para um diálogo nacional abrangente. Assim que as partes em guerra começarem a negociar, um comitê eleito em fevereiro poderia finalmente começar a trabalhar na elaboração de uma Constituição.
Apesar da gravidade da situação, não há muito apetite nas capitais ocidentais por uma resposta militar à atual crise na Líbia. Essa relutância se deve em grande parte aos temores de sentimentos anti-Ocidente entre os líbios, particularmente acentuados pelo ataque de setembro de 2012 contra a missão dos Estados Unidos em Benghazi. Essa percepção é equivocada. Pelo contrário, o povo líbio respeita os Estados Unidos por exercerem um grande papel na independência da Líbia nos anos 40, pela oposição à ditadura do coronel Gaddafi durante grande parte de seu reinado, e pelo auxílio aos rebeldes durante a revolução de 2011.
Agora, como naquela ocasião, a comunidade internacional tem uma participação no futuro da Líbia. O desastre humanitário que se desdobra no país poderia facilmente se transformar em um grande problema para a Europa, que já vê um grande afluxo de imigrantes, que atravessam o vasto território não monitorado da Líbia. Além disso, uma Líbia fracassada dominada por milícias extremistas constituiria uma ameaça à segurança da região e ao Ocidente, se transformando em refúgio para organizações terroristas, de onde poderiam lançar facilmente operações contra alvos por todo o mundo.
Os líbios demonstraram pouca capacidade de impedir sua transição de descarrilar. Representantes dos governos ocidentais e de organizações internacionais agora devem demonstrar que abandonar as embaixadas não significa que estejam de saída do país.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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