O livre comércio não destrói empregos; quem destrói empregos são os consumidores
Ao mudarem suas preferências, consumidores determinam quem se mantém no mercado e quem tem de sair
Donald Boudreaux - IMB
"Se abrirmos o país para o comércio exterior, nossas
indústrias irão sumir!", grita o protecionista inveterado.
O mesmo protecionista, ao ver que determinadas
indústrias estão demitindo, grita: "Os chineses são os culpados!"
O que é realmente interessante é que nenhum protecionista
tem a coragem de falar as coisas como elas realmente são: quem determina que
uma indústria específica se tornou obsoleta não são os estrangeiros; são os consumidores.
São os consumidores que, ao mudarem suas preferências
de consumo e suas exigências de qualidade, determinaram que aquela indústria
que não mais os satisfaz tem de ser ou fechada ou inteiramente remodelada e
reestruturada.
Quando empresários reclamam da concorrência dos
produtos estrangeiros, eles na verdade estão reclamando de um fenômeno bastante
específico: a mudança nas preferências dos consumidores. Os consumidores não mais
estão comprando seus produtos, e isso os incomoda.
Mas como eles não podem dizer isso abertamente — eles
sabem que seria um tanto ridículo virem a público reclamar que os consumidores
voluntariamente pararam de comprar seus produtos —, eles simplesmente recorrem
a um bode expiatório de fácil apelo: os estrangeiros.
A guerra contra o livre comércio é, na realidade,
apenas uma distração para ocultar a verdadeira guerra: a guerra contra a
soberania do consumidor.
O livre comércio e "os estrangeiros" são apenas um
bode expiatório escolhido para que os verdadeiros "culpados" — os consumidores
— não tenham de ser apontados. Isso não seria politicamente aceitável.
Quando você visita uma determinada região da sua
cidade que outrora era repleta de indústrias e que hoje está deserta, você tem
de entender o que realmente aconteceu: os consumidores alteraram suas preferências,
de modo que eles simplesmente deixaram de querer consumir os produtos
fabricados por aquelas indústrias.
Sim, é verdade que, em vários casos, as indústrias
foram sufocadas por regulações governamentais, por sindicatos poderosos e por
uma alta carga tributária, o que tornou suas operações extremamente caras,
ineficientes e incapazes de concorrer com os produtos estrangeiros. Mas, ainda
assim, a realidade não se altera: ao se tornarem ineficientes — ainda que por
fatores exógenos e fora de seu controle —, essas indústrias perderam seu
apelo perante os consumidores, os quais prontamente alteraram suas preferências
e passaram a consumir de outras indústrias (estrangeiras ou não).
Em última "instância", os culpados por toda e qualquer
dificuldade vivenciada por um setor industrial ou por qualquer área da economia
sempre são os mesmos: os consumidores e suas preferências.
Por isso, quando economistas ou empresários defendem
tarifas de importação ou qualquer tipo de restrição às importações, eles não estão
protegendo as indústrias nacionais contra a "invasão" dos produtos
estrangeiros. Eles estão protegendo as indústrias nacionais contra as preferências
dos consumidores.
Produtos estrangeiros não "invadem" um país do nada
e ficam ali à espera de serem consumidos; produtos estrangeiros chegam a um
país porque foram voluntariamente adquiridos
por consumidores nacionais, que voluntariamente demonstraram sua preferência
por esses produtos.
O protecionismo, quando despido de todas as suas justificativas
teóricas, é apenas isso: uma guerra violenta contra as preferências dos
consumidores, e uma tentativa de suprimir essa preferência voluntariamente
demonstrada.
Difícil haver totalitarismo maior do que esse. E é
por isso que o protecionismo — ou seja, o governo regular e restringir as preferências
dos consumidores — nada mais é do que uma forma de planejamento central.
Levando
a lógica ao extremo
Não aceitar o definhamento de determinadas
indústrias ou determinados setores da economia é não aceitar que as pessoas
mudam suas preferências de consumo.
Não aceitar essa realidade econômica é querer que alterações
nas preferências dos consumidores sejam violentamente reprimidas pelo governo,
o qual deve então obrigar as pessoas a, contra a sua vontade, manter suas preferências
de consumo eternamente inalteradas apenas para garantir a rentabilidade de
determinados setores já obsoletos da economia.
Com efeito, quais seriam as consequências dessa
mentalidade? Dado que as preferências dos consumidores devem ser mantidas
inalteradas para que determinadas indústrias e setores da economia durem para
sempre, como estaria o mundo hoje caso tal ideia fosse realmente levada a
sério?
Dado que os protecionistas consideram "injusto" os
consumidores alterarem suas preferências de consumo, eis algumas perguntas a
serem respondidas por eles, começando pela mais básica:
1) Você quer que o governo gerencie cada alteração na
maneira como os consumidores gastam seu dinheiro, ou você acredita que os
consumidores devem ser livres para gastar seu dinheiro de qualquer maneira
pacífica que eles venham a escolher, sem ter de solicitar a aprovação do governo
ou pagar uma penalidade caso gastem seu dinheiro de uma maneira que desagrade
aos burocratas e a determinados setores da economia?
Agora, passemos às mais específicas:
2) Caso um empreendedor desenvolva um motor mais
eficiente e que consome menos combustível, poderia ele livremente colocar este
motor à venda no mercado? Poderiam as pessoas livremente adquiri-lo? Isso irá
causar desemprego em vários outros setores da indústria automotiva,
principalmente naqueles ligados à fabricação de motores tradicionais.
3) Deveria ser permitido que um novo restaurante
fosse aberto na esquina da sua rua? Esse novo restaurante certamente vai afetar
as receitas dos restaurantes já estabelecidos, podendo até mesmo gerar
desemprego.
4) Deveriam as pessoas ser livres para escolher suas
próprias profissões? Caso o façam, pode haver uma enxurrada de novos entrantes
em determinadas profissões, como engenharia mecânica ou enfermagem. E essa
maior oferta de mão-de-obra derrubaria os salários dessas profissões.
5) Deveriam os consumidores ser livres para mudar
sua dieta? Tal mudança irá gerar queda de receitas em várias empresas
tradicionais do setor alimentício, podendo gerar demissões.
6) Deveriam os consumidores de um estado ser livres
para comprar produtos fabricados em outro estado? Tamanha liberdade poderá gerar desemprego no primeiro
estado.
7) Você é a favor de as mulheres terem liberdade
para trabalhar? Isso não apenas eliminou alguns empregos para homens e adolescentes,
como também pressionou os salários para baixo em decorrência da maior oferta de
mão-de-obra.
8) O livre trânsito de pessoas dentro das fronteiras
de um país deve ser permitido? Quando pessoas migram em massa de uma região para
outra, ou mesmo do campo para a cidade, isso gera grandes distorções econômicas
em ambas as regiões.
9) Deveriam os consumidores ser livres para comprar
carros usados? Deveriam eles ser livres para permanecer com um mesmo carro pelo
tempo que quiserem? Ao fazerem isso, eles estão reduzindo a demanda por carros
novos domesticamente produzidos. Isso pode gerar queda nas receitas e
desemprego na indústria automotiva.
10) Deveriam os consumidores ser livres para comprar
roupas de varejistas especializados em vender vestuário de segunda mão? Tamanha
liberdade significará menor demanda tanto para a indústria de vestuários novos
quanto para todo o setor varejista que vende apenas roupas novas.
11) Deveriam as pessoas ser livres para comprar
máquinas de lavar roupa, ferros elétricos, aspiradores de pó e lava-louças? Esses
produtos acabaram com os empregos de várias empregadas domésticas.
12) Deveriam as pessoas ser livres para comprar
e-books? Isso afeta o mercado de impressoras e de editoras, além de reduzir o número
de balconistas de livrarias.
13) Deveriam as pessoas ser livres para consultar
aplicativos (gratuitos!) de meteorologia em seus smartphones? Esses aplicativos
estão reduzindo enormemente a demanda por meteorologistas humanos no rádio e na
televisão.
Por fim, por que deveríamos permitir qualquer uma
dessas liberdades de consumo e tolerar tamanha concorrência econômica sem antes
mensurar empiricamente os ganhos e perdas gerados por essa liberdade e por essa
concorrência?
Deveríamos permitir tamanha liberdade e concorrência
apenas caso seja comprovado empiricamente que seus efeitos "distributivos" serão
do nosso agrado?
Conclusão
Pense em qualquer mudança ocorrida em qualquer
atividade econômica e eu lhe apontarei várias pessoas que ficaram desempregadas
em decorrência dessa mudança.
Mas quem, em última instância, fez essas mudanças? Os
consumidores e suas preferências.
A pergunta então é: o fato de que mudanças nas preferências
dos consumidores geram desemprego seria um argumento contra a soberania do
consumidor e a livre concorrência?
Se você acredita que sim, então a única solução é colocar o governo
para, antecipadamente, aprovar ou proibir toda e qualquer alteração
na maneira como os consumidores gastam o seu dinheiro.
O que nos leva a outra pergunta: você honestamente
acredita que tal política irá — ou mesmo poderá — gerar um maior padrão de
vida para a população?
A defesa do livre comércio é simplesmente uma parte
de um argumento maior: a defesa da soberania do consumidor e da livre concorrência.
Alterações nos padrões do comércio internacional não possuem nada,
absolutamente nada, de diferente ou de especial em relação a quaisquer outras alterações
nos padrões de qualquer outra atividade econômica.
Portanto, se você realmente defende o protecionismo
e a restrição do livre comércio, você tem de fazer uma dessas duas coisas:
(a) identificar corretamente alguma diferença essencial
e economicamente relevante que mostre que o desejo dos consumidores de comprar
bens e serviços vendidos por pessoas que estão em outra jurisdição representa
uma categoria a parte, algo completamente diferente de qualquer outra das
várias maneiras como esses mesmos consumidores alteram suas preferências e padrões
de consumo; ou
(b) admitir que você não possui nenhum argumento econômico
contra a soberania do consumidor e a livre concorrência, querendo apenas preservar
um mercado artificial que seja do seu gosto pessoal (seja porque você está
empregado nele, seja porque você é um empresário que aufere seus rendimentos nele).
Quem determina todo o arranjo de uma economia são as
preferências dos consumidores. Você pode autoritariamente tentar impedir
que
haja mudanças nessas preferências, mas não conseguirá fazer isso para
sempre. Impedir
à força mudanças nas preferências dos consumidores é algo que não apenas
trará
desarranjos e ineficiências econômicas, como também servirá apenas para
manter artificialmente os ganhos de alguns setores da economia à custa
de todo o resto.
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