Serra é um ser político. Preocupa-se com sua saúde, mas se preocupa muito mais com seu futuro político
Brasília - O ministro das Relações
Exteriores, José Serra durante coletiva sobre ações de segurança nas
fronteiras (Valter Campanato/Agência Brasil)
Que José Serra operou a coluna no fim do ano é fato
conhecido; que os médicos lhe recomendaram que por alguns meses, até a
recuperação total do organismo, evitasse viagens prolongadas, é
inegável. Que Serra desde então, para cumprir a agenda de chanceler, só
viajou na companhia de um médico, com ampla variedade de fortes remédios
contra a dor, Brasília inteira sabia. O presidente Temer estava pronto a
dar ao chanceler uma licença do cargo, pelo tempo que fosse
necessário. Não queria perder um dos mais eficientes de seus ministros, o
primeiro a tomar medidas de impacto positivo, como recolocar Venezuela e
bolivarianos em geral no lugar que lhes cabe – e olhe lá!
A idade não o preocupa. Adenauer assumiu a chefia do Governo alemão aos 75 anos, mudou a cara do país e da Europa. Deixou ao poder por vontade própria 19 anos depois, aos 94 anos, após firmar aquilo que se julgava até então impossível: um tratado de paz e amizade entre Alemanha e França.
Mas há uma maldição política que Serra está desafiando: quem muito quer a Presidência não chega lá. Maluf, Quércia, Ulysses, Carlos Lacerda, o brigadeiro Eduardo Gomes se prepararam, lutaram, e ficaram pelo caminho.
A vez dos sem voz
Em compensação, Itamar Franco, José Sarney, o marechal
Eurico Gaspar Dutra, o ministro do Supremo José Linhares jamais pensaram
em chegar à Presidência. Todos chegaram. Jânio Quadros queria ser
presidente, e foi – mas queria mais do que isso e em sete meses acabou
largando o mandato.
Aliança sem limites
Serra tem outro problema: seu partido, o PSDB, é
integralmente formado por amigos, dos quais todos se detestam. Serra foi
candidato e Aécio Neves, então governador de Minas, à época com muito
prestígio, abandonou-o (como abandonaria também Geraldo Alckmin,
recebendo a devida retribuição quando saiu candidato contra Dilma e foi
surrado até em Minas. O PSDB, como ocorre desde 2002, está dividido
entre Aécio, Alckmin e Serra. João Doria, que vem conquistando a
população de São Paulo, diz que quer apenas ser prefeito. Claro que
aceitaria ser candidato à Presidência, mas não liderando um partido
rachado. E emendá-lo é mais difícil do que lembrar aos líderes das
várias facções que podem voltar a ser amigos, ao menos na época da
eleição.
Fogo amigo
O advogado José Yunes, amigo de fé e irmão camarada de
Michel Temer, abriu fogo na direção do ex-amigo de fé e ex-irmão
camarada. Disse ter recebido e encaminhado uma caprichada propina da
Odebrecht a Eliseu Padilha, ligadíssimo a Temer (em seu Governo chegou a
ministro) – e ainda por cima o pacote teria sido levado a seu
escritório pelo doleiro Lúcio Funaro, frequente personagem das
investigações da Lava Jato. Padilha é amigo de Temer, o mais próximo a
ele; mexeu com um, mexeu com outro. Mas Yunes foi mais longe: disse que
Temer tinha conhecimento do repasse do dinheiro.Não podia ser pior? Podia: nesta quarta-feira de Cinzas, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral, relator do processo que pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer, vai a Curitiba ouvir Marcelo Odebrecht e dois outros delatores da empresa sobre o financiamento à campanha de ambos.
Temer na mira
A acusação examinada pelo TSE é de que Temer, como vice na
chapa de Dilma, é igualmente culpado de todas as violações à lei
ocorridas na campanha. Caso isso tenha ocorrido, a chapa inteira é
cassada e Temer perde o cargo. A defesa de Temer é que, embora
companheiros de chapa, cada um conduziu sua própria campanha, e o vice
não participou de eventuais ilegalidades patrocinadas pela líder da
chapa. Pelo sim, pelo não, Temer gostaria de ver o processo andar
devagarzinho, sem ameaçar sua posição de presidente da República. Já o
ministro Herman Benjamin quer concluir logo o processo. Ele já disse que
o processo não pode durar indefinidamente.O atirador
O ministro Herman Benjamin poderia retirar, dos abundantes depoimentos já prestados pelo pessoal da Odebrecht, os trechos que interessarem ao processo. Mas preferiu interrogar pessoalmente os principais delatores, para apurar todos os detalhes possíveis. Poderia também ouvir os depoentes por videoconferência, mas preferiu ir a Curitiba para ouvi-los pessoalmente. Temer não está gostando da rapidez com que o caso anda nem com a busca do ministro por detalhes das propinas, E, cá entre nós, faz bem em preocupar-se.
Pressa?
Temer só não pode reclamar da pressa. Daqui a pouco, termina
seu mandato sem que o caso seja examinado. Benjamin tem de acelerar,
sim.
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