Serra ajudou a encerrar declínio do Itamaraty, diz pesquisador australiano
Ao renunciar ao cargo de ministro das Relações Exteriores,
José Serra deixa o Itamaraty com mais confiança do que encontrou a
diplomacia brasileira, menos de um ano antes. A avaliação foi feita pelo
pesquisador australiano Sean Burges, especialista em diplomacia brasileira.
Segundo
Burges, apesar de ter ficado pouco tempo no cargo, Serra conseguiu
''acabar com o declínio do Itamaraty que começou sob Dilma, e
restabelecer o Ministério das Relações Exteriores como uma parte
importante do processo de política nacional'', disse ao blog Brasilianismo.
Vice-diretor
do Centro de Estudos Latino-Americanos da universidade Australian
National, Burges é pesquisador sênior do Council on Hemispheric Affairs e
autor do livro recém-lançado ''Brazil in the World: The International Relations of a South American Giant''
(''Brasil no Mundo: As Relações Internacionais de um Gigante
Sul-Americano), editado em inglês pela Manchester University Press.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista sobre a saída de Serra.
Brasilianismo – Você acha que Serra deixa alguma marca na diplomacia brasileira depois de se demitir?
Sean Burges –
Para ser justo com Serra, tudo o que era esperado que ele realmente
fizesse era acabar com o declínio do Itamaraty que começou sob Dilma, e
restabelecer o Ministério das Relações Exteriores como uma parte
importante do processo de política nacional. Acho que ele teve algum
sucesso nisso, embora obviamente não tenha havido muitos resultados
concretos devido à combinação de restrições orçamentárias e a falta de
atenção política de Temer devido às investigações Lava Jato.
Imagino
que tudo o que Temer queria do Itamaraty era alguém que pudesse manter o
Brasil em um trajeto global constante e que evitasse que esta área da
política pública se transformasse em um problema. O fato de o secretário
de Estado dos EUA, Rex Tillerson, ter pedido a Serra que o Brasil
servisse como uma espécie de árbitro na questão da Venezuela sugere que
houve algum sucesso nessa frente.
Brasilianismo – Qual acha que é o impacto de seu curto período como ministro das Relações Exteriores?
Sean Burges –
Serra restaurou uma certa confiança no Ministério das Relações
Exteriores. Houve muita reação negativa na academia e nos círculos de
análise de políticas sobre algumas decisões de Serra, como rever o
status de algumas das missões que foram abertas por Lula, mas acho que
essas críticas podem estar equivocadas. As conversas que tive com
diplomatas sugerem que isso é uma coisa boa, porque retoma o processo de
pensar como a política externa pode ser usada para fazer avançar as
prioridades de políticas públicas do Brasil, particularmente na frente
do desenvolvimento.
A maior conquista de Serra é, portanto, de
lembrar ao resto da Esplanada que o trabalho do Itamaraty é importante e
pode contribuir de maneira séria para as agendas externas e às vezes
internas de outros ministérios e agências governamentais. Trata-se de
uma conquista silenciosa, um pouco subestimada, mas também muito
importante para garantir a inserção do Itamaraty no processo mais amplo
de políticas públicas.
Brasilianismo – Quando foi nomeado,
Serra argumentou contra o uso da ideologia na diplomacia. Já falamos
sobre isso, e você disse que era uma questão de retórica, e que o
Itamaraty retomaria sua diplomacia profissional. Sua renúncia afetará a
diplomacia brasileira?
Sean Burges – Temer
e a maneira pela qual ele foi elevado ao Palácio Planalto são os
fatores que causaram a tensão com o eixo bolivariano e significou que
qualquer pretensão de continuar uma relação próxima com governantes como
Maduro estava fora da mesa de discussão. Ideologia é provavelmente a
palavra errada para descrever a abordagem de Serra. Eu, em vez disso,
argumentaria que ele tomou uma abordagem de tomada de decisão muito mais
aberta e baseada em interesses do que vimos com Lula e Dilma.
Se a
ideologia é ou não um fator importante dependerá de quem Temer nomeia
como substituto de Serra. Provavelmente, Temer não vai querer o alvoroço
público que seria criado por um ideólogo de direita no Itamaraty e eu
acho que vamos ver algum tipo de espelhamento da nomeação de Sergio
Amaral para Washington.
Brasilianismo – Em entrevista
anterior, você mencionou que a nomeação de Serra melhorou o moral dos
diplomatas brasileiros. Acha que sua saída pode afetar a equipe do
Itamaraty?
Sean Burges – A incerteza nunca é
bem-vinda na burocracia e sempre traz turbulência. Além disso, é
realmente difícil dizer que impacto terá. Depende de quem vai
substitui-lo. Desde que Temer não deixe o cargo vago por um longo
período, tenho certeza que os profissionais de carreira vão se adaptar.
Brasilianismo – Quem você acha que Temer deve nomear como novo ministro das Relações Exteriores?
Sean Burges –
Em vez de sugerir um nome, prefiro apresentar uma lógica para escolher o
indivíduo. O alinhamento político não deve ser um fator importante
nessa decisão, e historicamente nunca foi um. O uso acertado da política
externa pode agregar uma enorme quantidade de assistência a outros
ministérios que perseguem as prioridades políticas da presidência.
Em
certo sentido, o que eu sugiro que Temer procure é alguém que pode
chegar e trabalhar construtivamente em toda a Esplanada para ajudar
outros ministérios a aproveitar as oportunidades internacionais e se
proteger de ameaças externas.
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