Sistema político e econômico não funciona sem a propina, sem o acerto com o governo, com algum governo
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo
Por R$ 60 você compra uma espécie de licença para distribuir panfletos de propaganda nos sinais de São Paulo. Você paga ao fiscal e a outras autoridades para se livrar do cumprimento da Lei Cidade Limpa, em vigor há dez anos. Com a prática desses anos todos — a prática de descumprir, claro — consolidou-se uma tabela.
Deu na CBN, em reportagem
exclusiva: para distribuir panfleto, por um dia, preço de R$ 60 a R$
100, variando conforme o bairro e, pois, o valor do prédio a ser
oferecido, por exemplo. Colocar um cavalete: de R$ 110 a R$ 160. Uma
faixa grande é mais cara. Pode sair por R$ 200 por dia. Como se vê, o
mercado funciona.
A propina tabelada existe desde que a lei foi aprovada, atravessou esses anos todos e seguiu firme mesmo durante esse amplo e profundo processo de combate à corrupção.
Todo mundo sabia da tabela e do funcionamento: funcionários da prefeitura, pessoal de agências de publicidade, empresas. Atenção: não quer dizer que todas as ações publicitárias desse tipo (em geral, oferecer apartamentos, escritórios e veículos) sejam ilegais. Mas, falando francamente, o repórter Pedro Duran, da CBN, conseguiu “negociar” ações em diversos locais. Em algumas gravações, é impressionante a franqueza dos agentes em definir preço e condições.
Ou seja, o pessoal não tinha medo de ser apanhado.
E não deveria ter?
Olhando assim de fora, a gente imagina que sim. “Caramba”, se estão pegando os grandes lá na Lava-Jato, vão pegar os pequenos aqui” — é razoável supor que um “vendedor” de panfletos pensasse assim e resolvesse se recolher.
Mas não, a “máfia da cidade limpa”, como está sendo chamada, continuou na ativa.
Logo, devem ter pensado o contrário. Algo assim: “Estão atrás dos grandes, dos milhões, não vão se incomodar com os nossos trocados”.
Em qualquer caso, ficamos sabendo, de novo, que a corrupção organizada, tabelada e praticada diariamente no setor público, do federal ao municipal, vai do bilhão ao sessentinha.
Cobra-se a propina conforme o tamanho do negócio. O sistema é o mesmo.
A psicologia também. Políticos e empresários dos grandes continuaram operando mesmo quando colegas seus já estavam processados e presos. Assim como a máfia paulistana.
A conclusão é clara: esse sistema político e econômico não funciona sem a propina, sem o acerto com o governo, com algum governo.
E daí a conclusão que muita gente tira: não tem como eliminar toda essa corrupção, o melhor é tentar limitá-la e tolerar alguma coisa para que a vida, a economia, a política e os negócios continuem funcionando.
Errado, claro.
Só funciona para a turma que está dentro do sistema, na ponta corruptora ou corrupta. E gera uma economia ineficiente, cara, que afasta aqueles que querem ganhar a vida honestamente.
Daí a importância de intensificar o combate à corrupção. Muitos dizem: já está na hora de a Lava-Jato encerrar seus trabalhos, pois não é possível que a sociedade e o sistema político vivam sob permanente sobressalto.
Falso de novo. É o contrário.
Começa que não é a sociedade que treme diante da possibilidade de amanhecer diante de uma Lava-Jato. Não é também todo o sistema político.
É só a turma envolvida. “Só” não é bem o caso. Quando se lembra da sequencia de casos que a gente vai conhecendo todos os dias, fica claro que se teceu uma teia enorme.
Essa turma não demonstra ou não demonstrava medo até aqui porque imaginava que estávamos diante de apenas mais um surto de anticorrupção, desses que surgem quando se apanha alguma roubalheira grande. Formam-se CPIs, anunciam-se investigações rigorosas, saem algumas punições — até que o assunto vai morrendo e não se fala mais nisso. Foi assim durante esses anos todos.
A Lava-Jato começou a mudar a história ao aprofundar investigações de uma maneira persistente, tecnicamente sustentada, com zelo extremo. Muitos dizem: maneiras exageradas.
Mas, caramba, gente, se cobram até para estender uma faixa, é sinal de que exagerada se tornou a corrupção.
Nesse quadro, livrar um presidente da República, do jeito que Temer está se livrando, é dar novo fôlego a um regime baseado na corrupção. Como diria o funcionário corrupto da prefeitura: se os caras lá podem pegar malas de R$ 500 mil, vão encrencar logo com o meu sessentinha?
A propina tabelada existe desde que a lei foi aprovada, atravessou esses anos todos e seguiu firme mesmo durante esse amplo e profundo processo de combate à corrupção.
Todo mundo sabia da tabela e do funcionamento: funcionários da prefeitura, pessoal de agências de publicidade, empresas. Atenção: não quer dizer que todas as ações publicitárias desse tipo (em geral, oferecer apartamentos, escritórios e veículos) sejam ilegais. Mas, falando francamente, o repórter Pedro Duran, da CBN, conseguiu “negociar” ações em diversos locais. Em algumas gravações, é impressionante a franqueza dos agentes em definir preço e condições.
Ou seja, o pessoal não tinha medo de ser apanhado.
E não deveria ter?
Olhando assim de fora, a gente imagina que sim. “Caramba”, se estão pegando os grandes lá na Lava-Jato, vão pegar os pequenos aqui” — é razoável supor que um “vendedor” de panfletos pensasse assim e resolvesse se recolher.
Mas não, a “máfia da cidade limpa”, como está sendo chamada, continuou na ativa.
Logo, devem ter pensado o contrário. Algo assim: “Estão atrás dos grandes, dos milhões, não vão se incomodar com os nossos trocados”.
Em qualquer caso, ficamos sabendo, de novo, que a corrupção organizada, tabelada e praticada diariamente no setor público, do federal ao municipal, vai do bilhão ao sessentinha.
Cobra-se a propina conforme o tamanho do negócio. O sistema é o mesmo.
A psicologia também. Políticos e empresários dos grandes continuaram operando mesmo quando colegas seus já estavam processados e presos. Assim como a máfia paulistana.
A conclusão é clara: esse sistema político e econômico não funciona sem a propina, sem o acerto com o governo, com algum governo.
E daí a conclusão que muita gente tira: não tem como eliminar toda essa corrupção, o melhor é tentar limitá-la e tolerar alguma coisa para que a vida, a economia, a política e os negócios continuem funcionando.
Errado, claro.
Só funciona para a turma que está dentro do sistema, na ponta corruptora ou corrupta. E gera uma economia ineficiente, cara, que afasta aqueles que querem ganhar a vida honestamente.
Daí a importância de intensificar o combate à corrupção. Muitos dizem: já está na hora de a Lava-Jato encerrar seus trabalhos, pois não é possível que a sociedade e o sistema político vivam sob permanente sobressalto.
Falso de novo. É o contrário.
Começa que não é a sociedade que treme diante da possibilidade de amanhecer diante de uma Lava-Jato. Não é também todo o sistema político.
É só a turma envolvida. “Só” não é bem o caso. Quando se lembra da sequencia de casos que a gente vai conhecendo todos os dias, fica claro que se teceu uma teia enorme.
Essa turma não demonstra ou não demonstrava medo até aqui porque imaginava que estávamos diante de apenas mais um surto de anticorrupção, desses que surgem quando se apanha alguma roubalheira grande. Formam-se CPIs, anunciam-se investigações rigorosas, saem algumas punições — até que o assunto vai morrendo e não se fala mais nisso. Foi assim durante esses anos todos.
A Lava-Jato começou a mudar a história ao aprofundar investigações de uma maneira persistente, tecnicamente sustentada, com zelo extremo. Muitos dizem: maneiras exageradas.
Mas, caramba, gente, se cobram até para estender uma faixa, é sinal de que exagerada se tornou a corrupção.
Nesse quadro, livrar um presidente da República, do jeito que Temer está se livrando, é dar novo fôlego a um regime baseado na corrupção. Como diria o funcionário corrupto da prefeitura: se os caras lá podem pegar malas de R$ 500 mil, vão encrencar logo com o meu sessentinha?
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