quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Com a chegada dos imigrantes, ascensão da direita austríaca aumenta sombra do nazismo
Alison Smales - NYT
Gordon Welters/The New York Times
Memorial Contra a Guerra e o Fascismo, de Alfred Hrdlicka, em VienaMemorial Contra a Guerra e o Fascismo, de Alfred Hrdlicka, em Viena
De forma adequada à cidade de Sigmund Freud, Viena tem duas faces –uma doce, outra sinistra. Por trás do bife empanado e do strudel, de Mozart e da ópera, há o legado dos nazistas que forçaram os judeus a limparem as calçadas com escovas de dente. Em 1988, causando grande controvérsia, Viena colocou o "Memorial Contra a Guerra e o Fascismo", de Alfred Hrdlicka, exibindo uma escultura de um homem judeu limpando a rua, bem atrás da Ópera Estatal, para que a Áustria não se esqueça.
Agora, para perplexidade de muitos e alarme de alguns, a principal pergunta nos elegantes cafés de Viena é: que face prevalecerá nas eleições municipais que servem de barômetro, em 11 de outubro?
Aproximadamente 1 entre 4 dos 8,7 milhões de habitantes da Áustria vive em Viena. Por quase todo o século passado –fora os anos nazistas, de 1938 a 1945– a esquerda governou a "Viena Vermelha", há muito prezada por ser pioneira em moradias públicas e bem-estar social, assim como por sua efervescência cultural.
Mas tendo como fundo o drama dos refugiados na Europa, o Partido da Liberdade de extrema direita está ameaçando o domínio dos social-democratas, no que pode pressagiar uma ascensão geral do sentimento populista, anti-imigrantes, por todo o continente.
Explorando a ansiedade em torno dos dezenas de milhares de refugiados que entraram na Áustria neste mês, o Partido da Liberdade terminou em segundo lugar, com pouco mais de 30% dos votos, nas eleições regionais no norte da Áustria no domingo.
A mensagem estridente anti-Islã do Partido da Liberdade parece ter encontrado receptividade em uma cidade cujos palácios lembram as glórias passadas de um império europeu multiétnico, mas cujos espaços públicos agora atestam uma crescente diversidade e uma população muçulmana de cerca de 12%.
"Não queremos a islamização da Europa", disse o líder do partido, Heinz-Christian Strache, a uma emissora pública da Áustria ao iniciar sua campanha para prefeito de Viena. "Não queremos que nossa cultura cristã ocidental pereça."
Na Alemanha, esses sentimentos existem nas margens da política. Na Áustria, que nunca passou por programas de desnazificação depois de 1945, o Partido da Liberdade transformou suas raízes em grupos de ex-nazistas para uma mensagem xenofóbica que se mistura com a preocupação com o cidadão comum. É uma mensagem que o carismático líder do partido, Joerg Haider, empregou brevemente para chegar ao governo nacional, e que prospera além de sua morte, em um acidente de carro em 2008.
Nas últimas eleições de Viena, em 2010, o Partido da Liberdade conseguiu mais de 25% dos votos, um ganho de mais de 10 pontos percentuais. Neste ano, as pesquisas de opinião sugerem que o partido de extrema direita está empatado com os social-democratas, que obtiveram 44% dos votos em 2010. Ambos agora pairam pouco acima de 30%.
As causas são muitas, incluindo o desemprego, que passa de 10%, e a insatisfação com o prefeito de longa data, Michael Haupl. Sua base de classe trabalhadora está ruindo; outros o culpam por não colocar fim aos sistemas de clientelismo que favorecem os poderosos em detrimento dos pobres.
O que todos estão se perguntando agora é que efeito os imigrantes terão.
Milhares de vienenses deram as boas-vindas a dezenas de milhares de refugiados que chegaram da Hungria neste mês. O governo nacional, que por muito tempo se debateu na questão, encontrou uma voz firme e criticou fortemente Budapeste por colocar os refugiados em trens que não os levavam rumo ao oeste, para a Áustria, mas sim para um campo na Hungria. Segundo o chanceler Werner Faymann, um social-democrata, isso "traz lembranças do período mais sombrio de nosso continente".
Os oponentes da extrema direita esperam que os eventos –a recepção aos imigrantes e a descoberta dos 71 cadáveres em um caminhão abandonado por contrabandistas– tenham virado a mesa contra Strache.
"Essas são experiências que não serão esquecidas tão rapidamente", disse Georg Hoffmann-Ostenhof, um colunista do semanário de centro-esquerda "Profil". De fato, os tabloides da Áustria passaram de manchetes sobre o caos trazido pelos refugiados para imagens de acolhidas calorosas, apesar da chegada de dezenas de milhares poder provocar tensão devido aos recursos limitados.
Nem todos estão otimistas. "A população está pronta para ajudar", disse Hans Rauscher, um colunista do jornal "Der Standard" de Viena. "Mas não se engane. Basta apenas ouvir as fofocas nos bares" para saber que o sentimento antimuçulmano é grande.
Os simpatizantes da extrema direita costumam ser reticentes perto de estrangeiros e os líderes do Partido da Liberdade geralmente evitam aqueles que consideram veículos de notícias críticos. Mas um ativista de Viena levou um repórter a um "Recanto do Orador", em um distrito onde a votação a favor do Partido da Liberdade tem crescido constantemente.
A julgar por esse encontro de cerca de 30 fiéis do partido, a esquerda tem pouco a temer. O microfone e o palanque dos oradores não apareceram; o evento foi um fiasco.
Mas ele forneceu uma rara oportunidade para conversar com pouco mais de meia dúzia de jovens na faixa dos 20 anos sobre o motivo para apoiarem a extrema direita. Eles se queixaram da corrupção, do transporte público ruim e do medo que os adultos mais velhos têm de sair à noite. Eles mantiveram um foco disciplinado em assuntos locais. "Essa é uma questão nacional", disse Stephan Promont, 20 anos, quando perguntado sobre os refugiados.
A única figura nacional presente, Harald Stefan, um representante do Partido da Liberdade no Parlamento, deixou claro seu apoio à posição dura da Hungria. "Os alemães são culpados por isto", ele disse sobre o aumento do número de refugiados que se seguiu a uma mensagem pelo Twitter, por uma autoridade alemã, amplamente entendida como dizendo que todos os sírios poderiam entrar. "Não se pode culpar a Hungria por isso."
A campanha do Partido da Liberdade, intitulada "Revolução de Outubro", preserva o jingoísmo que o partido transformou em sua marca. "Viena não deve se tornar Chicago" foi um slogan favorito nos anos 90. Neste ano, um slogan é "Respeito por nossa cultura em vez de falsa tolerância" por qualquer coisa não austríaca.
Alguns imigrantes são aceitáveis: para Strachem "os cristãos ortodoxos sérvios" –cerca de 100 mil pessoas aqui– "são seus aliados contra os turcos", disse Rauscher.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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