quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O que fazer em relação aos refugiados em Calais?
Meias medidas tomadas pela França e pelo Reino Unido não vão ajudar as milhares de pessoas que estão vivendo no limbo
Anders Fjellberg - TINYT
Imagine-se em uma cidade francesa sonolenta próxima ao Canal da Mancha. Há uma bela praia onde você pode comprar um sorvete e tirar um selfie, com os penhascos brancos de Dover no horizonte, e alguns restaurantes e cafés no calçadão para você tomar um café com um croissant.
Agora entre em um carro e vá para leste, passando pelo terminal de barcas cercado de arame farpado e agentes da polícia, em direção à fábrica de produtos químicos. A primeira coisa que você nota é outra cerca, de cinco metros de altura, de aço e arame farpado. Ela percorre três quilômetros, dos dois lados da estrada, na direção da barca para Dover, Inglaterra. Atrás dela, há outro país, conhecido como a Selva.
Há algo entre 3.000 e 5.000 refugiados (as estimativas variam, e a população fluida é difícil de contar) vivendo nesta favela pestilenta sem lei. O que é pior, graças à aparente indiferença e indecisão dos líderes europeus, este acampamento improvisado está assumindo aspectos permanentes, se transformando em uma nação insular pobre diante dos olhos dos tomadores de decisão em ambos os lados do Canal da Mancha.
Embora o governo francês tenha fornecido fundos para aliviar a situação, as medidas para tapar buracos não vão ajudar as pessoas na Selva, e as águas do Canal não isentam os líderes britânicos de sua parte de responsabilidade na crise dos imigrantes. Calais teria sido um lugar natural para eles assumirem um papel mais forte.
A promessa de Londres de aceitar 20 mil refugiados sírios de acampamentos em países vizinhos à Síria ao longo dos próximos cinco anos é um passo na direção certa, mas os líderes britânicos resolveram não participar de um acordo firmado na semana passada em que os ministros do Interior da União Europeia concordaram em reassentar 120 mil migrantes que já estão no continente. Embora alguns países da UE, como a Hungria, oponham-se ao acordo, o Reino Unido atualmente é o único membro da União que não vai ajudar a instalar qualquer imigrante que já tenha alcançado a Europa.
A maioria dos refugiados na Selva, que são principalmente do Afeganistão, Eritréia e Sudão, juntamente com um número crescente de sírios e pessoas da Etiópia e Somália, acreditam que reiniciar a vida a partir do zero no Reino Unido seria muito mais fácil do que na França, em grande parte por causa de ligações familiares e da língua. Muitos tentam chegar lá se escondendo em caminhões que se dirigem às barcas ou pelo Eurotunnel, ou invadindo o terminal durante a noite, tentando desesperadamente pular em um trem.
Não há números precisos de quantos conseguem. As estimativas de trabalhadores humanitários e funcionários do governo no ano passado sugerem que entre 20 e 50 pessoas estão entrando na Inglaterra por dia. A população da Selva muda constantemente, renovando-se em cerca de 70% a cada quatro meses, de acordo com a polícia francesa. Não há nenhuma maneira de saber aonde eles vão quando saem. Ainda assim, a população total do acampamento saltou dramaticamente de cerca de 2.000 no final de abril.
O acampamento está assumindo formas mais permanentes, enquanto os refugiados abrem lojas improvisadas, com cabeleireiros, restaurantes, um par de mesquitas, uma igreja e até mesmo uma oficina de bicicletas. Os franceses forneceram cerca de 30 banheiros portáteis e mais pontos de coleta de água, mas as condições de vida continuam execráveis. Doenças e infecções --a sarna é uma das mais comuns-- são generalizadas.
Londres escolheu ver a situação principalmente como uma questão de segurança de fronteira. O primeiro-ministro, David Cameron, advertiu sobre o "enxame de pessoas" que querem chegar ao Reino Unido. Seu ministro das Relações Exteriores, Philip Hammond, afirmou que o Reino Unido precisa proteger suas fronteiras de migrantes "saqueadores", advertindo que o nível de vida da Europa não pode ser preservado se o continente tiver que absorver milhões de refugiados.
Em 20 de agosto, a secretária do Interior, Theresa May, assinou um acordo em Calais com seu colega francês, Bernard Cazeneuve. O objetivo é quebrar as gangues de traficantes de seres humanos que operam dentro e ao redor de Calais, e tornar o terminal do Eurotunnel uma fortaleza impenetrável de cercas, policiais, cães farejadores e sistemas de detecção de alta tecnologia.
Independentemente de como você enxerga a situação --de refugiados vulneráveis com uma necessidade válida de proteção ou de migrantes ilegais que devem ser devolvidos aos seus países de origem--, a resposta das autoridades britânicas e francesas deixou o povo da Selva no limbo.
Na medida em que suas vidas se tornam mais difíceis, as tentativas de encontrar uma maneira de chegar à Inglaterra estão ficando mais desesperadas e fatais. No ano passado, os corpos de dois jovens sírios com roupas de borracha, Mouaz Al-Balkhi, 22, e Shadi Omar Kataf, 28, apareceram no litoral, um na Noruega, o outro na costa holandesa. Ambos se afogaram em uma aparente tentativa de nadar os 35 quilômetros de largura do Canal.
No ano passado inteiro, 17 mortes foram registradas entre os refugiados que deixaram Calais em direção à Inglaterra. Neste verão, 11 mortes foram registradas em apenas dois meses. A maioria dos mortos perdeu a vida em acidentes na estrada ou no Eurotunnel. Em julho, um bebê chamado Samir, da Eritreia, nasceu prematuramente quando sua mãe, uma mulher de 20 anos, caiu de um caminhão. Ele viveu menos de uma hora, de acordo com o grupo Médecines du Monde. Em 18 de setembro, um homem sírio de 30 e poucos anos foi encontrado morto, aparentemente eletrocutado, no teto de um trem de carga. Na quinta-feira, um jovem do leste africano foi atropelado e morto por um trem.
As pessoas na Selva não parecem se importar que sua busca seja perigosa. A maioria delas já apostou a vida ao atravessar o Mediterrâneo em pequenos barcos. Seu sonho de encontrar a segurança e uma vida melhor não é facilmente despedaçado.
No final de agosto, conheci Shewa, de cinco anos, da parte curda do Iraque. Ela estava vivendo no acampamento com seu pai sob uma lona de plástico e uma bandeira comercial esticada entre duas árvores. Seu pai disse que tentou entrar no Eurotunnel e carregá-la pelos 50 quilômetros até a Inglaterra. Mas eles foram interceptados e enviados de volta.
O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, prometeu alocar cinco milhões de euros, parcialmente financiados com auxílio da UE, para ajudar a transformar a Selva em um "campo humanitário" que acomode cerca de 1.500 pessoas em 2016. Este é o primeiro esforço substancial para melhorar as condições de vida no local desde janeiro, quando o governo abriu o centro Jules Ferry ao lado do acampamento, um lugar onde os refugiados podem obter uma refeição quente e um chuveiro. Atualmente, o centro abriga cerca de cem mulheres e crianças.
Mas os planos para acomodar 1.500 refugiados não dão conta da metade da população atual da Selva, e as melhorias do próximo ano estão a vários meses frios de distância. Melhorar as condições de vida terríveis de até 5.000 seres humanos, uma situação em que recém-nascidos morrem e crianças vivem sob lonas plásticas, precisa ser uma prioridade imediata.
Em vez de gastar milhões em novas cercas e vigilância, o Reino Unido deveria reconhecer que a busca de muitos dos refugiados em Calais é válida nos termos da Convenção das Nações Unidas para Refugiados. Isto não é para defender a aceitação cega de todos os que ingressam com pedido de asilo; a Selva de Calais é sem dúvida o produto trágico de múltiplas crises regionais e globais. Mas permitir que pessoas que fugiram da guerra e de ditaduras brutais definhem sem esperança é uma mancha nas tradições britânica e francesa e nos ideais humanitários da Europa.
Tradutor: Deborah Weinberg 

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