O angorá tem foro que o blinda do Moro e o sapo barbudo fica sob o martelo do juiz
José Nêumanne - Blog do Augusto Nunes
Em 12 de maio de 2016, deposta a presidente
reeleita em outubro e novembro de 2014 por processo regular de
impeachment, o vice que lhe fez companhia na chapa registrada na Justiça
Eleitoral assumiu o posto máximo da República. Ao compor o primeiro
escalão do governo, Michel Temer, constitucionalista por formação,
prometeu reduzir o total de ministérios. E para cumprir a promessa
contou com um companheiro de velhas batalhas que, como muitos outros
nomeados para sua equipe, também tinha servido no desgoverno da petista
Dilma Rousseff: Moreira Franco. Deu-lhe caneta cheia, mas não o livrou
do martelo de Moro.
Ao ex-governador do Rio e ministro de
Aviação nas gestões de madama coube dirigir a tal secretaria do Programa
de Parcerias de Investimentos (PPI), cujo carro-chefe seria a
“relicitação” de privatizações malsucedidas de aeroportos e rodovias.
Acontece que Dilma tinha concedido a gestão de rodovias e aeroportos a
empresas privadas e lhes prometeu bancar a privatização dissimulada com
grana viva cedida a leite de pato pelo BNDES. Como a fajutice dava muito
na vista, a criativa patota da contabilidade imaginosa bolou um
truquezinho rastaquera: o empréstimo-ponte, que consistia em conceder ao
felizardo compadre um dinheirinho, a ser coberto depois pelo BNDES. No
meio do caminho, aquela que ao telefone em casa diz ser Janete foi
apeada do poder, o BNDES mudou de direção e os concessionários ficaram
ao deus-dará.
Moreira, que tinha negociado a ideia
original, da ponte de comando do PPI (não confunda com pipi) em pleno
Planalto, socorreu com a salvação a empreita camarada: o consórcio
inadimplente entregaria a concessão a outro. E este seria favorecido
pela generosidade do novo BNDES, de vez que se trata de um programa
governamental, e ainda indenizaria o novo premiado. Detalhe: quem não
pagou poderia habilitar-se para a relicitação. É o caso, por exemplo, da
Odebrecht, que faz parte do consórcio que administra o Aeroporto
Internacional Tom Jobim, vulgo Galeão, no Rio. Ou seja o comprador
indeniza o inadimplente, exercendo ao mesmo tempo os dois papéis. Nâo é
engenhoso? Pode ser, mas até agora não saiu da prancheta. Muito embora
já tenha sido anunciado e tudo o mais.
Foi então que eis senão que de repente
apareceu um óbice para preocupar o amigo dileto. O genro de Amaral
Peixoto, por sua vez genro de Getúlio, e, de resto, também sogro do
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, despertou de um sono
já conturbado por um pesadelo, quando a plantonista Cármen Lúcia
homologou as temidas delações premiadas dos 77 da Odebrecht. Delações
homologadas na véspera, o bom padrinho socorreu o parceiro com aquela
blindagem que nem sogro concede a genro: o foro privilegiado de
ministro, o que lhe garante o privilégio de não ser submetido à primeira
instância, indo direto para a última, o Supremo Tribunal Federal (STF).
Para tanto nomeou-o ministro da Secretaria-Geral da Presidência. E
blindado seja o amigo.
A Rede Sustentabilidade e o PSOL,
sobreviventes da esquerda carnavalesca nacional, viram similitude entre a
nomeação do amigo de fé, irmão e camarada do poderoso chefão e outra,
proibida pelo STF, em que a afilhada tentou livrar o padrinho Lula das
garras do mesmo juiz do Paraná.
Logo veio em socorro daquele apelidado de
Angorá na delação dos 77 da Odebrecht a Advocacia-Geral da União (AGU),
segundo a qual “dizer que o objetivo da nomeação é conferir foro
privilegiado, como alegavam os autores, é ilação”. Mais lembrou a AGU
(nada que ver com angu): que o pleito “violaria frontalmente” a
separação dos Poderes, invadindo drasticamente a esfera de competência
do Poder Executivo. “Tampouco isso poderia conferir qualquer privilégio,
pois o ministro está atualmente sujeito a julgamento pela mais alta
corte do país” completou a advogada-geral. E escreveu ainda que a
manutenção da liminar provocaria grave lesão à ordem pública e
administrativa e “danos irreparáveis ao país”.
Nessa queima de velas de cera frágil
ocorreu ao autor destas linhas intolerantes que a única vez em que o
piauiense que governou o Rio protagonizou algo similar a um “dano
irreparável” a este país foi em 1982, quando seria beneficiado pela
maior fraude eleitoral da História: o escândalo Proconsult. Para
refrescar a memória do judicioso cacique, o último governo militar, sob a
égide do tríplice coroado Baptista de Figueiredo, tentou derrotar o
anistiado socialista moreno Leonel Brizola na eleição para o governo do
Estado do Rio, roubando-lhe votos na contagem eletrônica num engenhoso
sistema denominado “diferencial delta”. Na contagem final, um programa
mandraque computava como do adversário do gaúcho, o referido dito cujo
indigitado neto de seu Franco, alfaiate, de Picos (PI), os votos em
branco e nulos para darem a vitória, urna a urna, ao candidato do
governo, dos militares e dos bicheiros, ele mesmo, o próprio.
O STF não se fez de rogado e resolveu, pela
pena de seu decano, Celso de Mello, dar ao amigo de Temer aquilo que
outro ministro da mesma turma, Gilmar Mendes, havia negado ao padrinho
de Janete. E o fez com base na ficção mais escrachada da pós-verdade
judicial: a presunção da imparcialidade. Segundo o relator, “a mera
outorga da condição político-jurídica de Ministro de Estado não
estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado
agente auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em
mencionado cargo, o Ministro de Estado, ainda que dispondo da
prerrogativa de foro ratione muneris, nas infrações penais
comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer
espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a
prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a
quem dela seja titular”. Contra a afirmação pesa o fato de que, nestes
quase três anos de Operação Lava Jato, o juiz Moro condenou 120 réus e o
STF, zero. Nem um prélio entre Alemanha e Íbis teria esse placar.
PSOL e Rede Sustentabilidade apelam para o
plenário. Talvez tenha faltado aos partidos da oposição caquética uma
lembrança de que os nobilíssimos membros da Corte são capazes de vilezas
individuais e coletivas. A Suprema Tolerância Federal, depois de ter
encantado a Nação levando os magnatas do PT para o convívio no inferno
prisional do País, convalidou um por um os compassivos decretos de
perdão concedidos pela disciplinada Dilma Janete a companheiros como
José Genoíno, deixando de lado apenas Zé Dirceu e Pedro Corrêa, que
delinquiram cumprindo penas do mensalão na Papuda. Enquanto os sem
mandatos e sem foro, entre estes o mero instrumento de sua volúpia,
Marcos Valério, o “operador”, apodrecem nas masmorras sabe-se lá até que
século.
Ainda faz parte do altíssimo colegiado o alinhado ex-presidente da “Corte” Ricardo Lewandowski, que usou o substantivo com o O
aberto para determinar o corte de parte da pena da protegida de seu
amigo de São Bernardo, Lula da Silva. Ao fatiar o artigo da Constituição
e, assim, permitir que a ré pudesse assumir o emprego de “merendeira”
de escola, o dadivoso jurisconsulto do ABC abriu caminho para a deposta
candidatar-se a senadora ou a deputada federal, o que melhor lhe
convier, conforme acaba de declarar com aquele seu estilo que torna a
última flor do Lácio o primeiro espinho do latim vulgar. E ao fatiar a
Carta Magna o ilustre togado ganhou a justa alcunha de Juvenal federal,
em homenagem ao personagem da publicidade do presunto, alçado a
jurisprudência.
Assim sendo, dia virá em que, parodiando o
Evangelho, os brasileiros de boa-fé ainda dirão, para justificar os
fatos acima relatados: “Ao sapo o que é do sapo, só se ele for imberbe,
ou seja, a lei”. Mas “ao gato o que é do gato, desde que seja angorá, ou
seja, um pires cheinho de leite de pato”. Mas isso tudo, é claro, “só
se for a pau, Juvenal”.
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