terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Realidade supera teoria
Merval Pereira - O Globo
A escolha do ministro da Justiça Alexandre de Moraes obedece a critérios técnicos requeridos de um ministro do Supremo Tribunal Federal – é um constitucionalista reconhecidamente de valor, não é por acaso que tem o apoio de muitos de seus futuros colegas no STF.
Foi o primeiro nome cogitado, e sempre esteve na lista pessoal de Temer. Como houve um impasse, tantos eram os nomes apresentados, e tamanhas as pressões, o presidente escolheu um nome seu. As críticas que Alexandre de Moraes vem recebendo são da área política, onde sua atuação como Secretário de Justiça em São Paulo e ministro da Justiça é atacada como conservadora e excessivamente rigorosa.
Suas ambições políticas – era potencial candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB – teoricamente neutralizam a isenção que se exige de um ministro do Supremo, mas não é o primeiro nem será o último ministro a ser nomeado para o STF pelo presidente a que serve.
Temos exemplos para todos os gostos: Nelson Jobim e Gilmar Mendes, ministros nomeados por Fernando Henrique; Dias Toffolli, nomeado por Lula; Francisco Rezek por Collor e Mauricio Correia por Itamar. Desses, Correia era senador, e Nelson Jobim foi deputado federal e membro da Constituinte, e acabou se destacando justamente por sua experiência nesse campo. Ficou muito ligado também ao ex-presidente Lula, e sua atuação no Supremo, até aposentar-se, não foi afetada por ligações políticas.
Mesmo o ministro Dias Toffoli, ainda visto como ligado ao PT, tem recebido críticas de seus antigos aliados, tanto por sua aproximação com o ministro Gilmar Mendes, quanto por vários votos contrários ao Planalto no governo Dilma.
O novo ministro do STF assumirá a função de revisor das decisões da Lava Jato em plenário, isto é, dos processos que envolvam eventualmente os presidentes da Câmara, do Senado e o presidente Michel Temer. De acordo com o regimento interno do Supremo, o revisor deve ser o ministro que entrou no tribunal logo em seguida do relator, no caso Facchin.
O revisor tem três funções: sugerir ao Relator medidas da fase inicial do processo que tenham sido omitidas; confirmar, completar ou retificar o relatório; pedir dia para julgamento. Quando aprovado pelo Senado, Alexandre de Moraes vai substituir Luís Roberto Barroso, que era o revisor de Teori Zavascki no plenário.
Pela ordem prevista no Regimento Interno do STF, o revisor é sempre o primeiro a votar depois do relator, o que já causou muita tensão nas sessões do mensalão, por exemplo, quando o revisor de Joaquim Barbosa era o ministro Ricardo Lewandowski. O relator acusou por diversas vezes o revisor de tentar prolongar o julgamento se utilizando de suas prerrogativas.
Esse é talvez o maior obstáculo político à indicação do ministro da Justiça, já que o presidente Temer pode ser um dos citados pelas delações da Operação Lava Jato.  Ele, no entanto, provavelmente não terá que revisar nenhum processo contra Temer, pois pela tese que vigora, o presidente da República não pode nem mesmo ser investigado por fatos anteriores ao seu mandato, muito menos processado.
O Procurador-Geral da República já se pronunciou a esse respeito em relação à ex-presidente Dilma Rousseff, e mesmo que ministros do atual Supremo, como o decano Celso de Mello, considerem que a lei não impede a investigação sobre o presidente, mas sim que ele seja processado, Rodrigo Janot não deve mudar de posição, e é ele quem pode pedir uma investigação do presidente.
A realidade mais uma vez se impôs à teoria, deixando para Alexandre de Moraes a necessidade de uma explicação. Na sua tese de doutorado, em 2000, escreveu que um ministro não deveria ser nomeado pelo governo a que servia para que não houvesse dúvida sobre sua independência.
Aceitando a indicação, Alexandre de Moraes desmente parcialmente a própria tese. No exercício da função no Supremo, terá tempo para provar que uma vez investido no cargo, a toga traz consigo a independência.

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