Para especialistas, população não foi para as ruas porque está descrente
Oposição também não teria interesse real em afastar Temer
Fernanda Krakovics - O Globo
No dia 17 de abril do ano passado, quando a Câmara autorizou a abertura
do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, 79 mil pessoas,
de acordo com a Polícia Militar (PM), ocuparam a Esplanada dos
Ministérios, em Brasília. Manifestantes pró e contra o afastamento da
petista foram separados por um muro, como forma de prevenir atos
violentos. Ontem, cerca de 350 pessoas se reuniram no gramado em frente
ao Congresso, no final da tarde, para pedir que os deputados
autorizassem a investigação por corrupção passiva contra o presidente
Michel Temer. Durante o dia, o gramado da Esplanada dos Ministérios
tinha três manifestantes — dois desistiram e foram embora, sobrou um.
Estudiosos ouvidos pelo GLOBO atribuem a ausência de grandes
manifestações pelo afastamento ou permanência de Temer à descrença da
população com a política, à falta de interesse real da oposição em
afastar o peemedebista e à impopularidade recorde do governo.
— Há uma ausência de mobilizadores que convoquem
manifestações nos dois lados da polarização (política). O MBL (Movimento
Brasil Livre) e o Vem pra Rua (que convocaram manifestações pelo
impeachment de Dilma) saíram de cena. Pelo lado petista também não há
interesse em convocar grandes manifestações. A nenhum dos dois lados
interessa a saída do Temer. Do lado governista, por razões óbvias, e, do
lado do PT, porque interessa um desgaste (do presidente) para chegar a
2018 com uma oportunidade maior (de vitória) — disse Esther Solano,
doutora em Ciências Sociais pela Universidad Complutense de Madrid e uma
das autoras do livro “Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da
tática black bloc".
Para Esther, a população está “saturada” e por isso não foi espontaneamente para as ruas:
— Já se viu que o sistema todo é corrupto. A população não
sente mais a raiva que sentia, que a levou a ir para a rua achando que
algo ia mudar.
VÁCUO POLÍTICO
Um dos
motivos para a atual desmobilização apontado pelo cientista político
Fernando Sá, professor do Departamento de Comunicação Social da Puc-Rio,
seria a falta de alternativas que empolguem a população no caso de
afastamento de Temer.
— Estamos em um momento de vácuo político e há a própria
inconsistência do “Fora Temer". É “Fora Temer" e entra quem? Você não
tem hoje muito por que lutar. Acho até que ele fica por causa disso, por
falta de opção política — disse Fernando Sá, que tem pós-doutorado em
História Política Contemporânea.
Outro fator apontado por ele é o desgaste do PT, que teria
afetado a capacidade de mobilização do partido. Por outro lado, os
setores que foram para as ruas pedir o impeachment de Dilma estariam
agora “envergonhados” com os escândalos do governo Temer.
POPULAÇÃO ENTORPECIDA
Para o cientista político e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa, a população está “entorpecida”:
— Aqui em Brasília a classe média estava totalmente
contrária à Dilma, e o governo (Dilma) pagou para as centras sindicais
trazerem muitas pessoas (para as ruas). Em São Paulo, a própria Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ajudou bastante na
oposição ao governo Dilma. Agora, as centrais sindicais estão sem
dinheiro e, se têm dinheiro, não estão querendo gastar para mobilizar.
Já a população está em total descrédito com o governo Temer e entendeu
que ele vai continuar. A esperança é que em 2018 venha alguma mudança.
Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo (USP), Oscar Vilhena, que é diretor da Escola de Direito da
FGV-SP, considera que os escândalos de corrupção que atingiram
diferentes partidos, em especial PT e PSDB, afetaram a credibilidade das
lideranças políticas. O quadro teria se agravado com a falta de
autocrítica.
— Isso gerou, a meu ver, uma inércia, uma dificuldade enorme
de mobilização. Muito embora a sociedade civil tenha capacidade de
mobilização, é evidente que os sindicatos associados a partidos
políticos e os próprios partidos é que alavancam e dão magnitude às
manifestações. Acho que isso (ruas vazias) é sinal de que o país carece
hoje de lideranças confiáveis — afirmou Vilhena.
Para o cientista político Felipe Borba, professor adjunto da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), a esquerda
perdeu a capacidade de mobilização:
— A falta de mobilização popular expressa a incapacidade da
esquerda tradicional em mobilizar a sociedade, principalmente o eleitor
de centro, mais moderado. A esquerda parece não ter recursos necessários
para essa mobilização em larga escala, principalmente por ter deixado
de ser, ao menos neste momento, alternativa ao projeto que Temer
representa.
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