A diplomacia melindrada
Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ainda pode
sobreviver à convulsão que engole seu país desde o início de fevereiro,
quando universitários foram às ruas e incendiaram uma revolta nacional.
Afinal, Maduro ainda detém o monopólio da força, as chaves do tesouro e a
procuração do padrinho beato, o falecido presidente Hugo Chávez.
Se Maduro vai cair ou não é um detalhe. A revolução bolivariana, tal
como Chávez a desenhou e a conduziu durante quase uma década e meia, um
socialismo militarizado, com um pé no século 19 e outro no século 21, já
não existe mais. Foi-se na pior inflação do mundo, que imolou o soldo
do trabalhador. No câmbio irreal, que elevou o dólar a 12 vezes o seu
valor oficial. No colapso da rede elétrica, que deixou o país no breu e
as ruas para os bandidos.
Virá a sonhada guinada para a democracia ou um golpe de Estado?
Ninguém arrisca dizer o que emergirá da fuligem, mas dificilmente a
Venezuela será a mesma depois da revolta popular que começou na
Universidade de San Cristóbal e se espalhou pelas praças públicas país
afora.
Já para o resto da América Latina, tudo segue serenamente igual.
Enquanto os manifestantes apanhavam nas ruas, ora da polícia, ora dos
bandoleiros chavistas, a reação na região foi discreta. Ou pior. Os
familiares enterravam os primeiros três mortos dos protestos quando os
países membros do Mercosul soltaram uma nota sobre os tumultos. Em papel
timbrado do bloco, declararam seu apoio total ao governo Maduro.
Nenhuma palavra sobre Leopoldo López, líder da oposição que o governo
prenderia sob a acusação fantasiosa de sedição e assassinato. Ou sobre a
mordaça contra a imprensa independente e o bloqueio à internet na
região rebelde. Silêncio total.
Após o ataque dos motoqueiros armados contra estudantes, os países
vizinhos ofereceram apenas o fraternal deixa-disso, convocando "as
partes a continuar aprofundando o diálogo sobre as questões nacionais",
como se fosse uma rusga esportiva.
Assim foi o refrão pelas Américas, alguns companheiros em tons mais
trêmulos que outros. Bolívia, Equador e Nicarágua, países sócios da
aliança bolivariana, seguiram o libreto chavista, condenando a oposição e
sua "tentativa de golpe de Estado".
Já Chile e México, do flanco "conservador" do continente, falaram,
mas suavemente. Da "direita", apenas a Colômbia elevou o tom - e, então,
só para condenar o governo Maduro pelo ato de retirar do ar uma
emissora de TV colombiana.
Não foi diferente na OEA, a Babel da região, onde todos comentaram a
conflagração venezuelana e, em deferência à soberania acima dos direitos
humanos, nada se resolveu. "Parem de fazer vista grossa!", gritaram os
manifestantes na porta da organização, em Washington, enquanto ardiam as
ruas de Caracas e San Cristóbal. "Façam seu trabalho!" Sobrou para os
Estados Unidos o figurino do ogro, na pele do secretário de Estado, John
Kerry. O chanceler americano condenou a violência e cobrou explicações
do governo Maduro pela prisão de Leopoldo López. Depois, engrossou.
"As liberdades de expressão e de reunião pacífica são direitos
humanos universais. São essenciais para que uma democracia funcione e o
governo venezuelano tem a obrigação de proteger essas liberdades
fundamentais, assim como a segurança de seus cidadãos", afirmou.
Foi a senha para a expulsão de três diplomatas americanos em Caracas e
para um novo refrão de anti-imperialismo. Essa, sim, é a cantilena
conhecida nas Américas. Uma região tão unida e sonora em sua rechaça à
ingerência de Washington e tão melindrada frente à toada bolivariana.
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