Cansaço em Caracas
O Estado de S.Paulo
A oposição venezuelana se divide em duas facções. Uma
quer que mude o governo. Outra, que o governo mude. Encarna a primeira o
líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, recolhido a uma
prisão militar desde a semana passada. Nas recentes manifestações que
convulsionaram Caracas, provocadas pela violenta repressão a um protesto
estudantil em San Cristóbal, capital do Estado de Táchira, ele
conclamou abertamente à derrubada do presidente Nicolás Maduro. Isso
forneceu ao sucessor de Hugo Chávez o pretexto para declarar-se alvo de
uma conspiração fascista orquestrada pelos Estados Unidos e atacar
impiedosamente as concentrações adversárias. López, político e
economista formado na Universidade Harvard, apoiou a malograda tentativa
de golpe de Estado contra o caudilho em 2002.
Já os reformistas, capitaneados pelo governador do Estado de Miranda e
que nas eleições de abril de 2013 perdeu a presidência para Maduro por
mero 1,5 ponto porcentual, tendem a acreditar que o prosseguimento das
passeatas apenas servirá para dar ao chavismo carne para canhão. Afinal,
depois de 14 mortes, dezenas de detenções e 18 casos denunciados de
tortura, a relação de forças no país não parece a caminho de uma
reviravolta, apesar dos rumores de inquietação nas Forças Armadas. Por
mais que o poder dos fatos muitas vezes esteja no seu inesperado, e
mesmo levando em conta a volatilidade política inerente a esse país
partido ao meio, a Venezuela não é a Ucrânia, como disse a presidente
Dilma Rousseff - ou não é ainda. Os observadores são unânimes em apontar
o enfraquecimento dos protestos. "As pessoas estão cansadas e
politicamente desorientadas", diz um cientista social de Caracas.
Um dado importante da equação venezuelana é a capacidade do chavismo
de mobilizar, além dos seus adeptos, o exército de reserva que habita os
estratos mais baixos da sociedade, onde não raros têm um pé na
criminalidade e outro no emprego eventual. Faz parte das estratégias de
sustentação do populismo autoritário a forma perversa de inclusão social
que consiste em remunerar e dar um senso de autoridade, costurado aos
seus novos uniformes, aos sem-dinheiro e sem-estima. É assim que tais
sistemas arregimentam milícias, ativistas em organizações e eventos
públicos, para não falar dos inspetores da pureza ideológica alheia.
Pode-se supor com segurança que, antes de sua promoção social, muitos
deles nem se davam ao trabalho de ir às urnas. Nas futuras eleições, se
lhes for pedido e se for permitido, votarão duas vezes no candidato da
vez do chavismo.
Tudo medido e pesado, os moderados de Capriles esperam que a
incontida deterioração da economia venezuelana acabará obrigando o
regime a admitir um começo de diálogo nacional, sustado o "convite à
violência", como disse ele num comício. A ironia, notada por um
jornalista venezuelano, é que poucos tomaram conhecimento do seu apelo
implícito à prudência porque a mídia controlada pelo governo não cobriu o
comício. Nem por isso ele perde oportunidade de denunciar os
descalabros de seu país, que torra os minguantes dólares do petróleo
para importar 80% do que nele se consome - quando há o que consumir,
dada a crônica crise de desabastecimento. A isso se soma a violência
livre e solta, responsável pelos 25 mil homicídios registrados ano
passado.
A criminalidade que 22 planos oficiais não conseguiram controlar
poderia ser, imagina Capriles, o ponto de partida de um "diálogo sincero
e transparente" com Maduro, libertados os presos políticos e desarmados
os grupos paramilitares, como ressaltou em entrevista ao site G1.
Embora considere legítimo o movimento pela queda de Maduro, acredita que
"se há uma coisa que esses protestos violentos fizeram foi unir o
chavismo". Capriles não acha que a saída salvaria o país. "Os muitos
problemas que temos não vão ser solucionados só com a sua renúncia",
argumenta. "Trata-se de exigir do governo que corrija as políticas que
assumiu e estabeleça as medidas necessárias para sair da crise em que
nos colocou."
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