quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Cansaço em Caracas
O Estado de S.Paulo
A oposição venezuelana se divide em duas facções. Uma quer que mude o governo. Outra, que o governo mude. Encarna a primeira o líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, recolhido a uma prisão militar desde a semana passada. Nas recentes manifestações que convulsionaram Caracas, provocadas pela violenta repressão a um protesto estudantil em San Cristóbal, capital do Estado de Táchira, ele conclamou abertamente à derrubada do presidente Nicolás Maduro. Isso forneceu ao sucessor de Hugo Chávez o pretexto para declarar-se alvo de uma conspiração fascista orquestrada pelos Estados Unidos e atacar impiedosamente as concentrações adversárias. López, político e economista formado na Universidade Harvard, apoiou a malograda tentativa de golpe de Estado contra o caudilho em 2002.
Já os reformistas, capitaneados pelo governador do Estado de Miranda e que nas eleições de abril de 2013 perdeu a presidência para Maduro por mero 1,5 ponto porcentual, tendem a acreditar que o prosseguimento das passeatas apenas servirá para dar ao chavismo carne para canhão. Afinal, depois de 14 mortes, dezenas de detenções e 18 casos denunciados de tortura, a relação de forças no país não parece a caminho de uma reviravolta, apesar dos rumores de inquietação nas Forças Armadas. Por mais que o poder dos fatos muitas vezes esteja no seu inesperado, e mesmo levando em conta a volatilidade política inerente a esse país partido ao meio, a Venezuela não é a Ucrânia, como disse a presidente Dilma Rousseff - ou não é ainda. Os observadores são unânimes em apontar o enfraquecimento dos protestos. "As pessoas estão cansadas e politicamente desorientadas", diz um cientista social de Caracas.
Um dado importante da equação venezuelana é a capacidade do chavismo de mobilizar, além dos seus adeptos, o exército de reserva que habita os estratos mais baixos da sociedade, onde não raros têm um pé na criminalidade e outro no emprego eventual. Faz parte das estratégias de sustentação do populismo autoritário a forma perversa de inclusão social que consiste em remunerar e dar um senso de autoridade, costurado aos seus novos uniformes, aos sem-dinheiro e sem-estima. É assim que tais sistemas arregimentam milícias, ativistas em organizações e eventos públicos, para não falar dos inspetores da pureza ideológica alheia. Pode-se supor com segurança que, antes de sua promoção social, muitos deles nem se davam ao trabalho de ir às urnas. Nas futuras eleições, se lhes for pedido e se for permitido, votarão duas vezes no candidato da vez do chavismo.
Tudo medido e pesado, os moderados de Capriles esperam que a incontida deterioração da economia venezuelana acabará obrigando o regime a admitir um começo de diálogo nacional, sustado o "convite à violência", como disse ele num comício. A ironia, notada por um jornalista venezuelano, é que poucos tomaram conhecimento do seu apelo implícito à prudência porque a mídia controlada pelo governo não cobriu o comício. Nem por isso ele perde oportunidade de denunciar os descalabros de seu país, que torra os minguantes dólares do petróleo para importar 80% do que nele se consome - quando há o que consumir, dada a crônica crise de desabastecimento. A isso se soma a violência livre e solta, responsável pelos 25 mil homicídios registrados ano passado.
A criminalidade que 22 planos oficiais não conseguiram controlar poderia ser, imagina Capriles, o ponto de partida de um "diálogo sincero e transparente" com Maduro, libertados os presos políticos e desarmados os grupos paramilitares, como ressaltou em entrevista ao site G1. Embora considere legítimo o movimento pela queda de Maduro, acredita que "se há uma coisa que esses protestos violentos fizeram foi unir o chavismo". Capriles não acha que a saída salvaria o país. "Os muitos problemas que temos não vão ser solucionados só com a sua renúncia", argumenta. "Trata-se de exigir do governo que corrija as políticas que assumiu e estabeleça as medidas necessárias para sair da crise em que nos colocou."

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