Venezuela mergulha em uma ditadura
Enrique Krauze - NYTMuitos dos jovens estudantes que protestam nas ruas da Venezuela não têm memória de nenhum governo fora o do presidente Hugo Chávez. Mas agora que faz quase um ano de sua morte, eles sabem que não querem envelhecer sob o mesmo tipo de regime.
Em 2007, estudantes
marcharam nas ruas depois que o governo Chávez fechou a "RCTV", a
emissora independente de televisão mais antiga da Venezuela. Perto do
fim daquele mesmo ano, eles foram a principal força por trás da
posterior rejeição do plano de Chávez de formar uma federação entre a
Venezuela e Cuba.
Agora, um grande número dos irmãos e irmãs mais jovens deles voltaram às ruas para protestar contra o governo do presidente Nicolás Maduro. Eles não estão pedindo para que o governo deixe de ajudar os pobres; eles estão protestando contra a incompetência econômica do governo e contra os limites cada vez mais rígidos à liberdade de expressão na mídia nacional.
Estudantes politicamente ativos chegam a dezenas de milhares na Venezuela. A vasta maioria deles simpatiza com a oposição ao chavismo, o movimento social populista inspirado por Chávez, e eles acusam acertadamente o governo Maduro de ser altamente corrupto.
Os estudantes estão cientes de como Chávez assumiu o controle dos processos legislativo, fiscal, judicial e eleitoral do país. Durante seus mais de 14 anos no poder, sob a fachada da retórica ornamentada, Chávez fez uso desregulado e perdulário dos dezenas de bilhões de dólares ganhos anualmente pela empresa estatal de petróleo PDVSA.
Eles também sabem que a inflação na Venezuela é a mais alta na América Latina e que a dívida pública se tornou inadministrável. Há uma escassez de alimentos básicos, eletricidade, cimento e medicamentos --em grande parte devido à má gestão do governo, expropriações de empresas privadas e a falta de investimento privado. E eles sabem que o país deles tem a pior taxa de criminalidade na América Latina.
Os manifestantes de hoje se ressentem especialmente da supressão quase total de informação sobre a verdadeira condição do país. Enquanto Chávez trombeteava suas realizações (algumas reais, a maioria imaginária) por horas em programas de televisão e rádio, Maduro optou por reprimir as vozes dissidentes, deixando apenas a versão oficial da verdade. Para consolidar seu controle da mídia, o governo tomou a "Globovisión", a última emissora independente de televisão do país. Igualmente, o rádio independente também está quase morto, e o governo restringiu a venda de papel de jornal, a ponto da liberdade de imprensa poder em breve estar condenada.
Claramente, a Venezuela está mergulhando na ditadura. A repressão aos dissidentes está se espalhando pelo país. Mais de uma dúzia de pessoas já morreu nos protestos, muitas delas estudantes, enquanto o governo emprega a polícia e o exército na repressão; muitas outras pessoas foram feridas ou presas nesses confrontos brutais.
Os estudantes contam com o apoio de muitos de seus pais e professores, e pela menos de metade da população que votou contra Maduro na eleição de 2013. Mas vários meios de comunicação em outras partes da América Latina se voltaram contra eles, com vários jornais, assim como um número surpreendente de jovens usuários do Twitter, expressando apoio à repressão pelo governo Maduro e condenando os estudantes como "reacionários" e "fascistas".
Às imagens no YouTube de estudantes sendo espancados e mortos nas ruas, Maduro respondeu com alegações de que seu país está no meio de uma "guerra cibernética". (Muitas pessoas concordam com ele.)
E quando o presidente decidiu que a cobertura das manifestações por alguns repórteres da "CNN" era favorável demais aos manifestantes, ele ameaçou suspender suas transmissões e expulsar o principal âncora da rede.
Na Venezuela, o poder da ideologia é facilmente compreendido: o vasto encanto lançado por Chávez persiste e milhões de pessoas permanecem convencidas de que o chavismo de fato fez coisas boas. Também há um lado prático nessa lealdade, já que muitas pessoas dependem diretamente de ajuda financeira e material do governo, enquanto o empreendimento privado e o investimento continuam definhando.
Fora da Venezuela, o apoio latino-americano ao chavismo vem de duas fontes: o prestígio duradouro da Revolução Cubana e os cálculos econômicos frios de vários países, que estão se posicionando cuidadosamente para os futuros anos pós-Castro.
O atraso político na América Latina é explicado principalmente pela lealdade ao que é, em grande parte, um mito: o de que a revolução social, e não a democracia, é a rota preferida. Nossos ídolos políticos não foram democratas, mas sim redentores, como Fidel Castro. De fato, Cuba continua a ser o centro nervoso da ideologia na América Latina. Como testamento de seu peso, quase todos os presidentes latino-americanos estiveram presentes na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada no final do mês passado em Havana, na qual Fidel Castro foi saudado como "guia político e moral".
Mas os interesses materiais dos irmãos latino-americanos da Venezuela também são importantes. O Brasil, por exemplo, vê a abertura de oportunidades econômicas em Cuba depois que os irmãos Castro saírem de cena e não quer que nada fique no caminho. Daí o apoio do Brasil à estabilidade em Cuba, assim como aos laços de salvaguarda entre Havana e Caracas (a Venezuela fornece petróleo para Cuba). Assim temos a situação estranha da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi torturada quando era estudante pelos militares brasileiros, defendendo, ou pelo menos tolerando, a repressão armada aos estudantes na Venezuela.
Mas os jovens que colocam em risco suas vidas protestando contra o governo não estão interessados em geopolítica. O que eles sabem é que o progresso democrático precisa de mais do que apenas eleições para avançar; ele exige plena liberdade de expressão na mídia. Não se sabe por quanto tempo essa disputa em particular durará entre o poder bruto do governo e aqueles que defendem a democracia. De qualquer forma, ela ocorrerá nas ruas da Venezuela.
(Enrique Krauze é um historiador, editor da revista literária "Letras Libres" e autor de "Os Redentores: Ideia e Poder na América Latina".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Agora, um grande número dos irmãos e irmãs mais jovens deles voltaram às ruas para protestar contra o governo do presidente Nicolás Maduro. Eles não estão pedindo para que o governo deixe de ajudar os pobres; eles estão protestando contra a incompetência econômica do governo e contra os limites cada vez mais rígidos à liberdade de expressão na mídia nacional.
Estudantes politicamente ativos chegam a dezenas de milhares na Venezuela. A vasta maioria deles simpatiza com a oposição ao chavismo, o movimento social populista inspirado por Chávez, e eles acusam acertadamente o governo Maduro de ser altamente corrupto.
Os estudantes estão cientes de como Chávez assumiu o controle dos processos legislativo, fiscal, judicial e eleitoral do país. Durante seus mais de 14 anos no poder, sob a fachada da retórica ornamentada, Chávez fez uso desregulado e perdulário dos dezenas de bilhões de dólares ganhos anualmente pela empresa estatal de petróleo PDVSA.
Eles também sabem que a inflação na Venezuela é a mais alta na América Latina e que a dívida pública se tornou inadministrável. Há uma escassez de alimentos básicos, eletricidade, cimento e medicamentos --em grande parte devido à má gestão do governo, expropriações de empresas privadas e a falta de investimento privado. E eles sabem que o país deles tem a pior taxa de criminalidade na América Latina.
Os manifestantes de hoje se ressentem especialmente da supressão quase total de informação sobre a verdadeira condição do país. Enquanto Chávez trombeteava suas realizações (algumas reais, a maioria imaginária) por horas em programas de televisão e rádio, Maduro optou por reprimir as vozes dissidentes, deixando apenas a versão oficial da verdade. Para consolidar seu controle da mídia, o governo tomou a "Globovisión", a última emissora independente de televisão do país. Igualmente, o rádio independente também está quase morto, e o governo restringiu a venda de papel de jornal, a ponto da liberdade de imprensa poder em breve estar condenada.
Claramente, a Venezuela está mergulhando na ditadura. A repressão aos dissidentes está se espalhando pelo país. Mais de uma dúzia de pessoas já morreu nos protestos, muitas delas estudantes, enquanto o governo emprega a polícia e o exército na repressão; muitas outras pessoas foram feridas ou presas nesses confrontos brutais.
Os estudantes contam com o apoio de muitos de seus pais e professores, e pela menos de metade da população que votou contra Maduro na eleição de 2013. Mas vários meios de comunicação em outras partes da América Latina se voltaram contra eles, com vários jornais, assim como um número surpreendente de jovens usuários do Twitter, expressando apoio à repressão pelo governo Maduro e condenando os estudantes como "reacionários" e "fascistas".
Às imagens no YouTube de estudantes sendo espancados e mortos nas ruas, Maduro respondeu com alegações de que seu país está no meio de uma "guerra cibernética". (Muitas pessoas concordam com ele.)
E quando o presidente decidiu que a cobertura das manifestações por alguns repórteres da "CNN" era favorável demais aos manifestantes, ele ameaçou suspender suas transmissões e expulsar o principal âncora da rede.
Na Venezuela, o poder da ideologia é facilmente compreendido: o vasto encanto lançado por Chávez persiste e milhões de pessoas permanecem convencidas de que o chavismo de fato fez coisas boas. Também há um lado prático nessa lealdade, já que muitas pessoas dependem diretamente de ajuda financeira e material do governo, enquanto o empreendimento privado e o investimento continuam definhando.
Fora da Venezuela, o apoio latino-americano ao chavismo vem de duas fontes: o prestígio duradouro da Revolução Cubana e os cálculos econômicos frios de vários países, que estão se posicionando cuidadosamente para os futuros anos pós-Castro.
O atraso político na América Latina é explicado principalmente pela lealdade ao que é, em grande parte, um mito: o de que a revolução social, e não a democracia, é a rota preferida. Nossos ídolos políticos não foram democratas, mas sim redentores, como Fidel Castro. De fato, Cuba continua a ser o centro nervoso da ideologia na América Latina. Como testamento de seu peso, quase todos os presidentes latino-americanos estiveram presentes na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada no final do mês passado em Havana, na qual Fidel Castro foi saudado como "guia político e moral".
Mas os interesses materiais dos irmãos latino-americanos da Venezuela também são importantes. O Brasil, por exemplo, vê a abertura de oportunidades econômicas em Cuba depois que os irmãos Castro saírem de cena e não quer que nada fique no caminho. Daí o apoio do Brasil à estabilidade em Cuba, assim como aos laços de salvaguarda entre Havana e Caracas (a Venezuela fornece petróleo para Cuba). Assim temos a situação estranha da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi torturada quando era estudante pelos militares brasileiros, defendendo, ou pelo menos tolerando, a repressão armada aos estudantes na Venezuela.
Mas os jovens que colocam em risco suas vidas protestando contra o governo não estão interessados em geopolítica. O que eles sabem é que o progresso democrático precisa de mais do que apenas eleições para avançar; ele exige plena liberdade de expressão na mídia. Não se sabe por quanto tempo essa disputa em particular durará entre o poder bruto do governo e aqueles que defendem a democracia. De qualquer forma, ela ocorrerá nas ruas da Venezuela.
(Enrique Krauze é um historiador, editor da revista literária "Letras Libres" e autor de "Os Redentores: Ideia e Poder na América Latina".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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