O FMI e as fraquezas do Brasil
O Estado de S.Paulo
O Brasil precisa ajustar sua política econômica para
enfrentar as turbulências externas a curto prazo e para retomar o
crescimento com segurança, segundo estudo sobre perspectivas globais
preparado por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Elaborado
para subsidiar a próxima reunião de ministros de Finanças do Grupo dos
20 (G-20), o documento apresenta projeções de crescimento mundial neste
ano e no próximo, faz um balanço de riscos e aponta linhas de ação para
as principais economias. O cenário geral é de atividade mais intensa,
principalmente por causa da retomada nos Estados Unidos e em outros
países do mundo rico, mas a recuperação continua frágil. Os mercados
ainda estarão sujeitos a bruscas mudanças nos fluxos de capitais,
aumento dos juros e fortes depreciações cambiais nos emergentes. Os
problemas poderão ser especialmente sérios para os países com políticas
fiscais de baixa credibilidade.
A economia global deve crescer 3,7% neste ano e 3,9% em 2015, pouco
mais que o previsto em outubro, na última reunião anual do FMI e do
Banco Mundial. O cenário é essencialmente igual àquele apresentado em
janeiro, na primeira revisão dos números de outubro.
O Brasil deve repetir em 2014 a expansão estimada para o ano passado,
de 2,3%, e atingir o ritmo de 2,8% no próximo ano. As duas projeções
são menores que as de quatro meses atrás. Revisões para menos tanto em
2014 quanto em 2015 só foram feitas para quatro membros do G-20:
Austrália, Brasil, Indonésia e Rússia, mas apenas os três últimos são
citados quando se tratou de vulnerabilidades.
A mudança da política monetária nos Estados Unidos, com a redução dos
estímulos ao crescimento, é mais uma vez apontada, nesse relatório,
como causa de perturbação nos mercados financeiros. Com menor expansão
do dinheiro disponível, os juros tendem a subir, as avaliações se tornam
mais severas e os financiamentos mudam de rumo, migrando para destinos
considerados mais seguros. Os primeiros impactos foram mais fortes em
países com inflação mais alta e maiores déficits na conta corrente do
balanço de pagamentos. Brasil, Indonésia, Turquia e África do Sul são os
exemplos apontados.
O Brasil é citado também entre os países com baixo crescimento
associado à baixa demanda interna, ao lado de Indonésia, Rússia e África
do Sul. A avaliação, nesse caso, parece um tanto estranha, porque a
demanda interna, no Brasil, tem sido vigorosamente sustentada pelo
consumo privado e pelos gastos do governo. Pode ter havido um
enfraquecimento em 2013, quando o consumo perdeu impulso. Mas a inflação
elevada e a sensível piora do saldo comercial indicam a persistência de
um amplo desequilíbrio no mercado interno.
Os problemas brasileiros são facilmente reconhecíveis, no entanto,
quando o relatório menciona os países com problemas nas contas públicas e
aponta a atividade "quase fiscal" do Brasil e da China. No caso
brasileiro, isso é uma referência aos enormes aportes do Tesouro aos
bancos federais, especialmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Esse tipo de política, segundo o documento,
aumentou os riscos para as finanças públicas. Os governos precisam
reduzi-las e também tornar essas operações mais transparentes. Embora
sempre tenha rejeitado as críticas à promiscuidade entre o Tesouro e os
bancos estatais, o governo já anunciou a intenção de reduzir as
transferências e de rever o estilo de operação do BNDES.
O Brasil é ainda citado entre os países com gargalos de
infraestrutura e problemas de regulação. Reformas, investimentos,
ajustes e revisões de estratégias são necessários também no mundo rico e
enumerados no relatório. Mas as piores vulnerabilidades estão nos
países emergentes, especialmente naqueles com problemas fiscais,
inflação alta e deterioração das contas externas. O Brasil obviamente se
qualifica em todos esses quesitos. Os mercados sabem disso. Pode-se
discutir esta ou aquela avaliação, mas é um despropósito acusar o banco
central americano ou o FMI de preconceito, distorção, ou, como diria um
ministro brasileiro, de fazer beicinho.
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