Jens Glüsing - Der Spiegel
O cheiro de fumaça invade Caracas. Um grupo de moças construiu uma
barricada de estrados de madeira e sacos de lixo e fez uma fogueira na
rua principal que corta Bello Monte, um bairro de classe média na
capital venezuelana.
A pequena estudante universitária Elizabeth
Camacho brinca com uma lata de gás e segura um pau cheio de pregos. Ela
usa uma camiseta branca e um boné de beisebol com as cores nacionais da
Venezuela, uma espécie de uniforme vestido por muitos manifestantes.
Parece descontraída e ignora os xingamentos que vêm dos motoristas que
se esforçam para manobrar seus carros e dar meia volta. "Nós exigimos
segurança", diz ela. "O governo precisa finalmente conter a violência."
Os estudantes que se manifestam em Caracas há vários dias construíram barricadas nas ruas e ocuparam praças. O movimento começou há duas semanas em San Cristóbal, no estado de Táchira, perto da fronteira com a Colômbia. Em poucos dias se espalhou por todo o país.
Os estudantes protestam contra a inflação, o desabastecimento e a corrupção. Principalmente, porém, eles vão às ruas contra a violência das tropas de choque paramilitares do país. "Vamos protestar até que o governo desarme os coletivos", diz Camacho.
"Coletivos" é o nome dado às milícias brutais que até o falecido presidente Hugo Chávez apoiava. Hoje o governo de seu sucessor, Nicolás Maduro, está enviando os homens armados atrás dos ativistas de oposição, com mascarados em motocicletas percorrendo as ruas e disparando contra manifestantes, às vezes seguindo os estudantes até as universidades. Pelo menos 13 pessoas morreram nos tumultos e cerca de 150 ficaram feridas.
Na última terça-feira (25), esses milicianos aterrorizaram o bairro de Altamira, um reduto da oposição em Caracas. Durante horas, cerca de 150 motos passaram em velocidade pela praça central e armas foram disparadas para o ar. Um punhado de passantes tiveram ferimentos de balas.
De fato, Maduro se comporta muito como um Chávez de bigode, mas falta-lhe seu humor precursor e especialmente sua postura. Muitas vezes ele parece tenso, ajeita a camisa e tropeça nas palavras.
Chávez morreu há menos de um ano, mas começou a preparar Maduro como seu príncipe herdeiro alguns meses antes, principalmente devido à obediência do ex-motorista de ônibus que virou ministro. Ninguém era tão obediente quanto Maduro. Foi uma decisão terrível para o país: o que Maduro não tem em carisma compensa com radicalismo. Ele arruinou a economia do país e muitas vezes recorreu a Cuba, seu mais próximo aliado, para orientação. E tentou silenciar a oposição com uma campanha de puro terror. Recentemente, porém, começou a parecer que terá dificuldade para recuperar o controle dos protestos.
Quando começou o mandato de Maduro, havia grande esperança de que ele pudesse reconciliar o país dividido. Ele tentou o contato com os EUA e deu a impressão de que estava disposto a abrir um diálogo com políticos de oposição. Mas na semana passada expulsou três diplomatas americanos, afirmando que eles apoiavam "os fascistas da oposição".
Recentemente, ele transgrediu a liberdade de expressão em um grau maior do que o próprio Chávez. Ele arranjou a compra da última estação de televisão crítica da Venezuela e incitou seus apoiadores contra a "emissora fascista" "CNN" e outros jornalistas estrangeiros. Um "vice-ministro para redes sociais" foi encarregado de monitorar o que os venezuelanos publicam no Twitter e em outros lugares, enquanto os dois maiores jornais críticos ao governo têm dificuldades para publicar devido à falta de papel.
O presidente é um ideólogo teimoso escondido atrás de uma fachada jovial. Ele lançou uma nova onda de desapropriações e aumentou o controle do governo nas favelas, com organizações de moradores monitorando os residentes no modelo dos "comitês para defesa da revolução" de Cuba.
A deputada Mariá Corina Machado recebe visitantes no escritório de sua organização, La Salida (a saída). Machado é a aliada mais próxima do político de oposição Leopoldo López, 42. Ela mantém as coisas em movimento enquanto López aguarda em uma prisão militar que o regime Maduro o leve a julgamento.
Formado em Harvard e ex-prefeito do próspero município de Chacao, López é a voz da oposição. Ele é educado, carismático e impaciente. Apenas a contragosto aceitou que Enrique Capriles, o governador moderado de Miranda, fosse o candidato de oposição na eleição presidencial em abril passado. Ele queria disputar.
Maduro ganhou por uma maioria mínima e López nunca aceitou o resultado da eleição. Ele rompeu com Capriles e deu seu apoio ao movimento de protesto estudantil. Depois que três manifestantes foram mortos durante choques violentos em Caracas em 12 de fevereiro, López foi responsabilizado, com a promotoria acusando-o de incitamento ao homicídio. Com o processo já iniciado, o judiciário reduziu as acusações para destruição de propriedade pública.
López escondeu-se durante cinco dias mas se entregou em uma manobra digna de Hollywood: acenando uma bandeira venezuelana durante uma manifestação em massa, ele subiu em um veículo militar e foi dirigido em comboio até cadeia, escoltado por seus seguidores. Tornou-se um mártir da noite para o dia e hoje é a figura mais conhecida da oposição no país.
Os riscos que López está assumindo são significativos. Ele está polarizando o país e desafia abertamente o regime. "Não queremos esperar seis anos até a próxima eleição. Então o país estará em ruínas", disse sua aliada, Corina Machado. "Maduro deve renunciar assim que possível."
Isso não pode ser dito de Maduro, porém. Sua vitória na eleição do ano passado foi tudo menos uma avalanche, e mesmo nas favelas - que já foram a fonte de poder de Chávez - suas políticas econômicas não são bem recebidas. Para combater a inflação maciça do país, de mais de 50%, Maduro adotou o controle de preços. As lojas que pedem preços que ele considera altos demais simplesmente são ocupadas. "Vamos garantir que todos tenham uma televisão a plasma", disse o presidente e obrigou as lojas a vendê-las barato.
"Isso é saque sob a égide do Estado", diz Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU. "Maduro está destruindo o setor privado."
A produção de petróleo é responsável por aproximadamente um terço do PIB do país e mais de 70% dos produtos de consumo são importados. Mas o rendimento dos poços de petróleo da Venezuela vem caindo há anos e a gasolina e os alimentos são fortemente subsidiados. Hoje o governo está ficando sem caixa. A taxa de câmbio oficial é de cerca de 6,3 bolívares por dólar, mas no mercado negro pode chegar a 84 bolívares por dólar.
Muitas lojas estão vazias, e até farinha de milho, e papel higiênico estão sujeitos a escassez. Filas como as vistas em Cuba tornaram-se comuns e as pessoas tentam desesperadamente conseguir dólares. "Uma tempestade perfeita está se formando na Venezuela", diz Arria.
O governo tem dificuldade até para fornecer o básico às favelas de Caracas. No vasto bairro de 23 de Enero, as pessoas fazem longas filas na frente do supermercado estatal; senhas são feitas em tiras de papelão. Chavistas controlam a entrada da loja e glorificam Maduro e a revolução para os compradores. A maioria dos que esperam permanecem em silêncio. A cada três dias, eles murmuram silenciosamente quando os guardas não estão prestando atenção, seus cupons alimentares vão lhes conseguir frango do Brasil, dois quilos de farinha e nada mais.
Mas mesmo entre os militares a insatisfação está se espalhando. "Os soldados só não tiveram coragem de abrir a boca ainda", diz um funcionário administrativo que trabalha em Fuerte Tiuna, uma base militar nos arredores de Caracas.
Até Chávez tinha começado a perceber que o inimigo estava do lado de dentro. Ele mandou prender oficiais e um ex-ministro da Defesa que o criticaram, sob a acusação de corrupção. Alguns deles permanecem trancados na prisão militar de Ramo Verde, próxima a Caracas --a apenas algumas celas de distância de Leopoldo López.
Na frente da prisão, um grupo de mulheres se reúne - as mães de dezenas de estudantes universitários que foram detidos durante os protestos. Alguns prisioneiros são menores, outros estão feridos. "Eles bateram na cabeça do meu filho", diz Beatriz Munga, uma mãe desesperadamente preocupada. "Só quero saber como ele está."
Ela tira seu celular e mostra um vídeo feito pelos companheiros de protesto de seu filho. Podem-se ouvir tiros e golpes, motores de motocicleta e alguns gritos. E então a tela fica preta.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Os estudantes que se manifestam em Caracas há vários dias construíram barricadas nas ruas e ocuparam praças. O movimento começou há duas semanas em San Cristóbal, no estado de Táchira, perto da fronteira com a Colômbia. Em poucos dias se espalhou por todo o país.
Os estudantes protestam contra a inflação, o desabastecimento e a corrupção. Principalmente, porém, eles vão às ruas contra a violência das tropas de choque paramilitares do país. "Vamos protestar até que o governo desarme os coletivos", diz Camacho.
"Coletivos" é o nome dado às milícias brutais que até o falecido presidente Hugo Chávez apoiava. Hoje o governo de seu sucessor, Nicolás Maduro, está enviando os homens armados atrás dos ativistas de oposição, com mascarados em motocicletas percorrendo as ruas e disparando contra manifestantes, às vezes seguindo os estudantes até as universidades. Pelo menos 13 pessoas morreram nos tumultos e cerca de 150 ficaram feridas.
Na última terça-feira (25), esses milicianos aterrorizaram o bairro de Altamira, um reduto da oposição em Caracas. Durante horas, cerca de 150 motos passaram em velocidade pela praça central e armas foram disparadas para o ar. Um punhado de passantes tiveram ferimentos de balas.
Um Chávez de bigode
Um dia depois, Maduro ocupou os canais de televisão do país para ridicularizar em público seus adversários. Usando camisa vermelha, ele foi o anfitrião de um programa ao vivo como um MC, com um desempenho que lembrava seu antecessor. Chávez costumava chamar os defensores da oposição de "magricelas". Maduro prefere chamá-los de "fascistas".De fato, Maduro se comporta muito como um Chávez de bigode, mas falta-lhe seu humor precursor e especialmente sua postura. Muitas vezes ele parece tenso, ajeita a camisa e tropeça nas palavras.
Chávez morreu há menos de um ano, mas começou a preparar Maduro como seu príncipe herdeiro alguns meses antes, principalmente devido à obediência do ex-motorista de ônibus que virou ministro. Ninguém era tão obediente quanto Maduro. Foi uma decisão terrível para o país: o que Maduro não tem em carisma compensa com radicalismo. Ele arruinou a economia do país e muitas vezes recorreu a Cuba, seu mais próximo aliado, para orientação. E tentou silenciar a oposição com uma campanha de puro terror. Recentemente, porém, começou a parecer que terá dificuldade para recuperar o controle dos protestos.
Quando começou o mandato de Maduro, havia grande esperança de que ele pudesse reconciliar o país dividido. Ele tentou o contato com os EUA e deu a impressão de que estava disposto a abrir um diálogo com políticos de oposição. Mas na semana passada expulsou três diplomatas americanos, afirmando que eles apoiavam "os fascistas da oposição".
Recentemente, ele transgrediu a liberdade de expressão em um grau maior do que o próprio Chávez. Ele arranjou a compra da última estação de televisão crítica da Venezuela e incitou seus apoiadores contra a "emissora fascista" "CNN" e outros jornalistas estrangeiros. Um "vice-ministro para redes sociais" foi encarregado de monitorar o que os venezuelanos publicam no Twitter e em outros lugares, enquanto os dois maiores jornais críticos ao governo têm dificuldades para publicar devido à falta de papel.
O presidente é um ideólogo teimoso escondido atrás de uma fachada jovial. Ele lançou uma nova onda de desapropriações e aumentou o controle do governo nas favelas, com organizações de moradores monitorando os residentes no modelo dos "comitês para defesa da revolução" de Cuba.
A voz da oposição
Maduro viaja frequentemente a Havana para consultar-se com os irmãos Castro; ele também foi sua preferência para suceder a Chávez. Os cubanos também monitoram o aparelho de segurança da Venezuela, a ponto de que chegam a emitir carteiras de identidade. Mas nas últimas semanas surgiu um adversário potencialmente perigoso para Maduro.A deputada Mariá Corina Machado recebe visitantes no escritório de sua organização, La Salida (a saída). Machado é a aliada mais próxima do político de oposição Leopoldo López, 42. Ela mantém as coisas em movimento enquanto López aguarda em uma prisão militar que o regime Maduro o leve a julgamento.
Formado em Harvard e ex-prefeito do próspero município de Chacao, López é a voz da oposição. Ele é educado, carismático e impaciente. Apenas a contragosto aceitou que Enrique Capriles, o governador moderado de Miranda, fosse o candidato de oposição na eleição presidencial em abril passado. Ele queria disputar.
Maduro ganhou por uma maioria mínima e López nunca aceitou o resultado da eleição. Ele rompeu com Capriles e deu seu apoio ao movimento de protesto estudantil. Depois que três manifestantes foram mortos durante choques violentos em Caracas em 12 de fevereiro, López foi responsabilizado, com a promotoria acusando-o de incitamento ao homicídio. Com o processo já iniciado, o judiciário reduziu as acusações para destruição de propriedade pública.
López escondeu-se durante cinco dias mas se entregou em uma manobra digna de Hollywood: acenando uma bandeira venezuelana durante uma manifestação em massa, ele subiu em um veículo militar e foi dirigido em comboio até cadeia, escoltado por seus seguidores. Tornou-se um mártir da noite para o dia e hoje é a figura mais conhecida da oposição no país.
Os riscos que López está assumindo são significativos. Ele está polarizando o país e desafia abertamente o regime. "Não queremos esperar seis anos até a próxima eleição. Então o país estará em ruínas", disse sua aliada, Corina Machado. "Maduro deve renunciar assim que possível."
"Destruindo o setor privado"
Mas os atos de López são calculados? Ou são fruto do desespero? Durante 12 anos a oposição vem fazendo de tudo para derrubar o governo. Ativistas encenaram uma tentativa de golpe, organizaram referendos e apresentaram candidatos nas eleições, mas Chávez sempre ganhou. O "caudilho" era considerado invencível.Isso não pode ser dito de Maduro, porém. Sua vitória na eleição do ano passado foi tudo menos uma avalanche, e mesmo nas favelas - que já foram a fonte de poder de Chávez - suas políticas econômicas não são bem recebidas. Para combater a inflação maciça do país, de mais de 50%, Maduro adotou o controle de preços. As lojas que pedem preços que ele considera altos demais simplesmente são ocupadas. "Vamos garantir que todos tenham uma televisão a plasma", disse o presidente e obrigou as lojas a vendê-las barato.
"Isso é saque sob a égide do Estado", diz Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU. "Maduro está destruindo o setor privado."
A produção de petróleo é responsável por aproximadamente um terço do PIB do país e mais de 70% dos produtos de consumo são importados. Mas o rendimento dos poços de petróleo da Venezuela vem caindo há anos e a gasolina e os alimentos são fortemente subsidiados. Hoje o governo está ficando sem caixa. A taxa de câmbio oficial é de cerca de 6,3 bolívares por dólar, mas no mercado negro pode chegar a 84 bolívares por dólar.
Muitas lojas estão vazias, e até farinha de milho, e papel higiênico estão sujeitos a escassez. Filas como as vistas em Cuba tornaram-se comuns e as pessoas tentam desesperadamente conseguir dólares. "Uma tempestade perfeita está se formando na Venezuela", diz Arria.
O governo tem dificuldade até para fornecer o básico às favelas de Caracas. No vasto bairro de 23 de Enero, as pessoas fazem longas filas na frente do supermercado estatal; senhas são feitas em tiras de papelão. Chavistas controlam a entrada da loja e glorificam Maduro e a revolução para os compradores. A maioria dos que esperam permanecem em silêncio. A cada três dias, eles murmuram silenciosamente quando os guardas não estão prestando atenção, seus cupons alimentares vão lhes conseguir frango do Brasil, dois quilos de farinha e nada mais.
Tela preta
Os militares da Venezuela têm mais poder sobre Maduro, um civil, do que com o ex-oficial Chávez. Maduro distribuiu cargos importantes para cerca de 2.000 soldados e os militares hoje ocupam posições chaves nas empresas, controlam companhias inteiras. No fim da semana passada Maduro enviou um batalhão de paraquedistas a Táchira para conter os protestos.Mas mesmo entre os militares a insatisfação está se espalhando. "Os soldados só não tiveram coragem de abrir a boca ainda", diz um funcionário administrativo que trabalha em Fuerte Tiuna, uma base militar nos arredores de Caracas.
Até Chávez tinha começado a perceber que o inimigo estava do lado de dentro. Ele mandou prender oficiais e um ex-ministro da Defesa que o criticaram, sob a acusação de corrupção. Alguns deles permanecem trancados na prisão militar de Ramo Verde, próxima a Caracas --a apenas algumas celas de distância de Leopoldo López.
Na frente da prisão, um grupo de mulheres se reúne - as mães de dezenas de estudantes universitários que foram detidos durante os protestos. Alguns prisioneiros são menores, outros estão feridos. "Eles bateram na cabeça do meu filho", diz Beatriz Munga, uma mãe desesperadamente preocupada. "Só quero saber como ele está."
Ela tira seu celular e mostra um vídeo feito pelos companheiros de protesto de seu filho. Podem-se ouvir tiros e golpes, motores de motocicleta e alguns gritos. E então a tela fica preta.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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