Cenas de política explícita
Merval Pereira - O Globo
O ministro Luis Roberto Barroso foi colocado no Supremo Tribunal
Federal para livrar os mensaleiros do regime fechado, como insinuou o
ministro Joaquim Barbosa, ou o plenário anterior do STF exacerbou
seletivamente as penas no caso de formação de quadrilha para deixar os
condenados mais tempo em regime fechado, especialmente José Dirceu, como
insinuou o ministro Luis Roberto Barroso em seu voto?
Centro dos
debates políticos nos últimos meses, desde agosto de 2008 quando
começou, o julgamento do mensalão viu ontem chegar ao plenário do
Supremo Tribunal Federal a explicitação de acusações políticas que
estiveram implícitas em todo o seu desenrolar, especialmente nos embates
entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski.Ao afirmar que houve uma “exacerbação seletiva das penas” no caso do crime de formação de quadrilha para evitar a sua prescrição, o ministro Luiz Roberto Barroso não estava apenas chamando a atenção para o fato de que, em sua opinião e na do ministro Teori Zavascki a dosimetria nesse caso foi definida “em patamar discrepante da jurisprudência do Tribunal e dos parâmetros utilizados para outros delitos no mesmo processo”.
Estava, na verdade, dizendo que o plenário anterior à sua chegada havia decidido punir os réus por mais esse crime apenas para deixá-los mais tempo na cadeia em regime fechado e, sobretudo, para confirmar o enredo em que se baseara o Procurador-Geral da República para montar a acusação do mensalão.
O presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, rebelou-se contra essa acusação, dizendo que Barroso fazia um discurso meramente político sob uma capa de tecnicalidade. Aproveitando que Barroso, ao explicar sua expressão “ponto fora da curva”, disse que ela significava também – além da exacerbação das penas - “o rompimento com uma tradição de leniência e impunidade em relação a certo tipo de criminalidade política e financeira”, Joaquim Barbosa aparteou-o dizendo que na prática, defendendo a prescrição do crime de quadrilha, Barroso estava sendo leniente com os crimes que parecia condenar em seu discurso político.
"O discurso foi puramente político para infirmar a decisão tomada por um colegiado e confirmada após os embargos de declaração. Isso me parece inapropriado”. Barroso, sabendo que seu voto seria criticado, quis enfatizar que embora compreendesse a indignação contra a histórica impunidade das classes dirigentes no Brasil, considera que “o discurso jurídico não se confunde com o discurso político. E o dia em que o fizer, perderá sua autonomia e autoridade. O STF é um espaço da razão pública, e não das paixões inflamadas. Antes de ser exemplar e simbólica, a Justiça precisa ser justa, sob pena de não poder ser nem um bom exemplo nem um bom símbolo”.
Esse trecho de seu voto pode também ser entendido como uma crítica à atuação do presidente Joaquim Barbosa, apontado por muitos como candidato a entrar na política partidária aproveitando a popularidade que o julgamento lhe trouxe. Barroso também foi contundente na reprovação política aos mensaleiros: “A condenação maior que recairá sobre alguns dos réus não é prevista no Código Penal: a de não haverem sequer tentado mudar o modo como se faz política no Brasil. Por não terem procurado viver o que pregavam. Por haverem se transformado nas pessoas contra quem nos advertiam”.
A criticar no voto de Barroso a tentativa de levar a decisão para a prescrição da pena, sem que o mérito fosse julgado. Ele só admitiu assumir como preliminar a absolvição de todos os condenados no caso de quadrilha quando a ministra Carmem Lucia chamou a atenção para a incongruência da sua proposta.
Embora tivesse afirmado no final de seu voto que se o mérito chegasse a ser discutido votaria pela absolvição, pois considerava inexistentes as características da formação de quadrilha no caso, Barroso deu a sensação de que gostaria de resolver a questão com a prescrição, sem precisar entrar no mérito.
O problema de Barroso, e também do ministro Teori Zavascki que votará hoje pela manha tudo indica que no mesmo sentido do companheiro, é que ao substituírem os ministros que faziam parte do plenário durante a primeira parte do julgamento e mudarem a tendência majoritária do Supremo em meio a ele, dão ares de verdade à teoria da conspiração de que foram colocados lá justamente para ajudar os mensaleiros, especialmente os petistas.
Como insinuou ontem o presidente do STF e relator da primeira parte do julgamento do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa: “O senhor já veio com o voto pronto? Parece que sim”.
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