Nem vítimas nem algozes
Merval Pereira - O Globo
Muito embora o plenário do Supremo tribunal Federal (STF) tenha reformado a decisão monocrática do ministro Joaquim Barbosa com
relação à exigência de cumprimento de 1/6 da pena para que o condenado
no regime semiaberto possa ter um trabalho externo, não aconteceu o que
os militantes petistas tanto queriam, uma desmoralização do presidente
demissionário, identificado por eles como um perseguidor dos mensaleiros
condenados.
A começar pela manutenção da negativa de prisão domiciliar para o ex-presidente do PT José Genoino, o plenário do STF analisou
as decisões de Barbosa referentes à execução das penas do processo do
mensalão dando-lhe razão em alguns casos e discordando em outros, sempre
ressaltando, por praticamente todos os membros, que a lei de execuções
penais compreende diversas interpretações, não sendo nenhuma das
decisões de Joaquim Barbosa questionável por ilegal ou despropositada.
Não há no caso nem vítimas nem algozes, como ressaltou o decano do Supremo, o ministro Celso de Mello, que fez questão de ressaltar a justeza das condenações e o caráter antidemocrático dos atos praticados pelos réus do mensalão.
O caso de Genoino se
transformou em emblemática questão política, já que petistas utilizaram
todos os meios para espalhar a ideia de que o ex-presidente do PT,
contra o que dizem diversos laudos médicos, corre risco de vida se não
for liberada sua prisão domiciliar.
O ministro Luís Roberto Barroso,
que assumiu a relatoria das execuções penais com a demissão de Barbosa,
desde o primeiro momento que participou do julgamento do mensalão
parece constrangido em condenar Genoino, e ontem voltou a elogiá-lo. No
primeiro momento, lamentou condenar um homem que participou da
resistência à ditadura no Brasil, em um tempo em que isso exigia
abnegação e envolvia muitos riscos.
Esse discurso elogioso provocou a reação de diversos ministros na ocasião. A Ministra Cármen Lúcia disse
que o juiz, infelizmente, não julga histórias, porque as histórias às
vezes são feitas de desvios que seriam impensáveis de serem praticados
em outra circunstância.
Ontem, Barroso
classificou Genoino de símbolo do republicanismo e do igualitarismo
antes de negar o pedido para que a prisão fosse transformada em
domiciliar. Mas, sem que a questão estivesse em pauta, lembrou que
Genoino cumpre 1/6 da pena em dois meses, dando a entender que a partir
daí poderá ir para casa.
A questão do cumprimento
de 1/6 das penas para a autorização de trabalho externo suscitou uma
boa discussão sobre o sistema penitenciário e demonstrou que Barbosa não
estava exagerando ao interpretar ao pé da letra a exigência do Código
Penal.
Celso de Mello foi o único voto a apoiar Barbosa, mas não é o único a considerar que a jurisprudência do STF deve prevalecer sobre a do STJ,
que desde 1999 vem admitindo o trabalho externo sem o cumprimento
mínimo da pena. Mesmo os que votaram contra a posição de Barbosa, a
começar pelo relator Barroso, admitiram que a situação do sistema
penitenciário é um descalabro, e que a flexibilização da lei é
necessária para conviver com nossa triste realidade.
A tese vencedora foi que
a razoabilidade exige interpretação mais generosa da legislação, sendo
lembrado que o Rio Grande do Sul já definiu que os presos em semiaberto
devem ir para prisão domiciliar por falta de vagas compatíveis com o
tipo de condenação. Esse assunto será levado ao plenário do STF pelo ministro Gilmar Mendes para que haja deliberação sobre essa decisão da justiça gaúcha.
Ficou claro que o estilo centralizador e autoritário do presidente demissionário Joaquim Barbosa não
é o da preferência do plenário, tanto que a execução das penas será
transferida para Vara de Execuções Penais de Brasília, e não
centralizada pelo novo relator.
Mas ficou evidenciado
que Barbosa não abusou de seu poder nem tomou decisões sem o apoio da
lei. E certamente há um pensamento majoritário na sociedade, já
detectado por pesquisas: o mensalão petista só levou poderosos para a
cadeia e os manteve lá pelo estilo centralizador e autoritário de
Barbosa, amplamente aprovado pela população, a ponto de uma parcela
representativa querê-lo como candidato à Presidência.
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