Reinaldo Azevedo - VEJA
Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público no TCU, lembrou nesta terça uma questão essencial ao debate e que expõe, jamais deixarei de frisar aqui — e fui o primeiro a tocar nesta tecla — a leitura absurda que Rodrigo Janot, procurador-geral da República, faz do Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. E, para não variar, é outra interpretação torta de Janot que colabora com Dilma Rousseff.
Em
depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, afirmou
Oliveira: “O governo deixou livre para execução despesas não
obrigatórias, que teria que cortar [devido à queda na arrecadação].
O que ocorre em 2014 é que o governo federal aumenta programas não
obrigatórios que têm forte impacto eleitoral”. E ele citou um caso
escandaloso, para o qual já chamei a atenção aqui em post do dia 9 de junho.
Oliveira
destacou que o governo gastou R$ 5 bilhões com o Fies, o sistema de
crédito educativo, em 2013. Em 2014, esse gasto saltou para R$ 12
bilhões. Na verdade, ele foi até modesto. Os números são piores: Entre
2010 e 2013 — quatro anos —, o governo federal desembolsou R$ 14,7
bilhões com o Fies. Só em 2014, quando Dilma disputou a reeleição, foram
R$ 13,75 bilhões. Ou seja: torrou em um ano o que havia gastado em
quatro. E depois a gente pergunta por que o país quebrou?
O que
Oliveira está evidenciando é que a lambança fiscal praticada por Dilma,
incluindo as malfadadas pedaladas, tinham claramente um objetivo
eleitoral. Ou por outra: o país quebrou para que ela pudesse se
reeleger. Mais: Oliveira sustenta que Dilma sabia que não teria recursos
para arcar com os gastos que planejava, mas que só esperou para fazer
cortes depois da eleição: “Até agosto, o governo não se comportou de
maneira coerente com a realidade. Viveu uma fantasia. Após a eleição,
veio a realidade.”
Muito
bem, leitores. Voltemos agora a Janot. O que alega o procurador-geral
da República para não denunciar Dilma por crime de responsabilidade e
para nem mesmo pedir um inquérito para ela? O suposto veto
constitucional a tal procedimento. Está escrito no Parágrafo 4º do
Artigo 86 da Constituição:
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
Alegação
de Janot, que vale tanto para as sem-vergonhices na Petrobras como para
as pedaladas: seriam coisas ocorridas no primeiro mandato de Dilma,
logo, estranhas ao exercício de suas atuais funções.
Trata-se
de um absurdo de várias maneiras, distintas e combinadas. Em primeiro
lugar, jurisprudência do Supremo é clara sobre a possibilidade, sim, de
um presidente ser investigado ao menos em inquérito. A dúvida, fácil de
resolver, é se ele pode ou não ser denunciado.
Ora,
esse dispositivo da Constituição é de 1988, anterior, portanto, à
aprovação da reeleição, que se deu em 1997. Oliveira está evidenciando
que Dilma fez lambança fiscal com o propósito de se reeleger. Logo, o
que ela fez no seu primeiro mandato não é, obviamente, estranho à sua
atual função. E, de tal sorte estranho não é, que ela deve parte desses
votos àquelas malandragens fiscais.
Se
Janot estivesse certo, o constituinte de 1988 teria dado a um presidente
da República licença para cometer crimes com o propósito de se
reeleger, sem ter de responder por isso. É claro que se trata de uma
interpretação absurda da Constituição.
Mas
outros entes podem fazer aquilo a que se nega a Procuradoria-Geral da
República. Se o TCU recomendar mesmo a rejeição das contas, como parece
que vai acontecer, e se o Congresso acatar a rejeição, está
caracterizado o crime de responsabilidade, segundo a Lei 1.079. Aí será
preciso apresentar a denúncia à Câmara. Caberá à Casa decidir se é
licito cometer crime fiscal de olho nas urnas. Aí Janot não poderá fazer
mais nada por Dilma Rousseff.
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