Marc Santora - NYT
Ben Solomon/The New York Times
Abutres comem pedaços de carcaça de animal na reserva de Masai Mara, no Quênia
A morte alimenta a vida na reserva de Mara.
A cada verão, 500 mil gnus morrem durante a traiçoeira migração do Parque Nacional de Serengeti, na Tanzânia, até a Reserva Nacional Masai Mara, no Quênia. E com a morte vêm os carniceiros, nenhum deles mais importante do que o abutre.
Mas as aves que antes se banqueteavam com este infortúnio, os zeladores que limpavam as planícies gramadas da região, estão desaparecendo – a tendência faz parte de uma queda mais ampla nas populações de abutres, que desequilibra os ecossistemas e ilustra o quão extenso é o alcance dos efeitos da caça ilegal, do envenenamento e outras intervenções humanas.
"O quadro geral dos abutres no mundo é péssimo", disse Darcy Ogada, diretor-assistente de programas do Peregrine Fund na África, uma organização dedicada a salvar as aves de rapina.
"Se essa
história é semelhante à do canário na mina de carvão? Sem dúvida."
[Canários usados pelos mineradores para detectar a presença de gases nas
minas, considerados como um indicador sensível do ambiente.]
No primeiro grande estudo sobre a queda de 30 anos nas populações de abutres pan-africanos, Ogada e outros cientistas descobriram que populações de oito espécies de abutres tinham diminuído numa média de 62%.
Sete dessas espécies tinham diminuído a uma taxa de 80% ou mais ao longo de três gerações, de acordo com o estudo, publicado este verão na revista "Conservation Letters".
Em algumas partes da África, os abutres são alvo de caçadores ilegais que envenenam as carcaças na espera de matar os pássaros para que eles não circundem suas presas, denunciando-os aos guarda-parques.
Um abutre pode localizar um elefante morto em menos de 30 minutos, mas pode levar mais de uma hora para que um caçador tire as presas de marfim do animal. Sem abutres, não há aviso.
Aqui em Mara, uma das maiores reservas naturais que restam no planeta, os abutres não são diretamente visados, mas são vítimas involuntárias do envenenamento de carcaças com o objetivo de matar grandes carnívoros, como as hienas, numa tentativa de proteger o gado.
Por toda a África, há uma miríade de ameaças à vida selvagem, mas grande parte da atenção está voltada para os imponentes animais da savana, como os leões e elefantes.
Os abutres não servem para belos cartões postais, e as autoridades locais já estão sobrecarregadas tentando proteger os animais que os turistas vão visitar.
"Todo mundo esquece dos feios neste mundo", disse Munir Z. Virani, que dirige os programas da África e Sul da Ásia no Peregrine Fund. "As autoridades nos dizem o tempo todo que estão muito ocupadas trabalhando para proteger os elefantes e rinocerontes e outros animais e, quando se trata dos abutres, elas estão exaustas."
Anthony Ole Tira, que é Masai, foi criado nessas terras e hoje é sócio do Matira Bush Camp, no coração da reserva, parou em frente a um local de travessia do rio e apontou para um monte de carcaças apodrecendo.
Uma semana antes, 900 mil gnus, animais que têm o focinho longo e muitas vezes a vida curta, mergulharam de cabeça no rio, em pânico. Milhares foram pisoteados até a morte.
Isso é normal. Os restos em decomposição é que não são.
"Dez anos atrás, isso já estaria limpo a esta altura", disse ele. "Há muitos lugares ao longo do rio Mara que não estão mais tão limpos quanto antes porque não há abutres suficientes."
Os pesquisadores dizem ter visto o que acontece em um ecossistema quando os abutres desaparecem.
Em 2000, Virani foi despachado para a Índia, onde os abutres estavam morrendo em grandes números, mas ninguém sabia por quê.
"Em todo lugar que eu ia, havia abutres mortos", disse ele. "Mas em toda parte, os restos mortais deles estavam em boas condições."
A hipótese inicial foi de que algum tipo de doença infecciosa estava por trás das mortes. Logo ficou claro que o assassino era algo feito pelo homem.
Um analgésico amplamente utilizado para tratar o gado estava envenenando as aves que se alimentavam das carcaças.
Uma carcaça contendo o analgésico podia envenenar centenas de aves, disse Virani, e em 2006, quando o analgésico foi oficialmente proibido, a população de abutres já tinha diminuído em 97%.
Durante o mesmo período, houve um aumento drástico nos casos de raiva na Índia, uma vez que os cães selvagens se aproveitaram do declínio dos abutres e muitas vezes espalharam a doença para os seres humanos.
Virani descreveu o que ele chamou de cenas apocalípticas, com hordas que chegavam a milhares de cães selvagens, limpando os restos de gado. As estimativas variam, mas alguns dizem que a população de cães selvagens da Índia agora chega a 25 milhões.
Cerca de 36% das mortes por raiva no mundo – a maioria de crianças – ocorrem na Índia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A batalha contra o vírus está custando bilhões de dólares ao governo.
Ao longo de dezenas de milhões de anos, os abutres evoluíram e se tornaram os faxineiros mais eficientes do mundo natural. Devido ao seu suco gástrico extremamente ácido, eles podem comer carne infectada com uma variedade de doenças sem se contaminarem.
Quando os abutres se alimentam de carne doente, deixando a carcaça limpa, a ameaça de que a infecção se espalhe termina.
Mas uma vez que os abutres forem extintos dos céus, será muito difícil trazê-los de volta.
Virani explicou que os abutres, apesar de seus sistemas digestivos poderosos, são frágeis.
No Arizona, Califórnia e Utah, o Peregrine Fund e parceiros têm trabalhado há anos para recuperar o condor da Califórnia, criticamente ameaçado, que em 1987 foi quase completamente dizimado pelo envenenamento por chumbo, com menos de duas dezenas de pássaros restantes. Quase três décadas depois, existem cerca de 400 animais, quase metade deles em cativeiro.
Na África, Virani espera que a queda na população possa ser contida e revertida antes que atinja o tipo de situação crítica encontrada na Índia e em outras partes do mundo.
"Não é tarde demais", disse ele.
No primeiro grande estudo sobre a queda de 30 anos nas populações de abutres pan-africanos, Ogada e outros cientistas descobriram que populações de oito espécies de abutres tinham diminuído numa média de 62%.
Sete dessas espécies tinham diminuído a uma taxa de 80% ou mais ao longo de três gerações, de acordo com o estudo, publicado este verão na revista "Conservation Letters".
Em algumas partes da África, os abutres são alvo de caçadores ilegais que envenenam as carcaças na espera de matar os pássaros para que eles não circundem suas presas, denunciando-os aos guarda-parques.
Um abutre pode localizar um elefante morto em menos de 30 minutos, mas pode levar mais de uma hora para que um caçador tire as presas de marfim do animal. Sem abutres, não há aviso.
Aqui em Mara, uma das maiores reservas naturais que restam no planeta, os abutres não são diretamente visados, mas são vítimas involuntárias do envenenamento de carcaças com o objetivo de matar grandes carnívoros, como as hienas, numa tentativa de proteger o gado.
Por toda a África, há uma miríade de ameaças à vida selvagem, mas grande parte da atenção está voltada para os imponentes animais da savana, como os leões e elefantes.
Os abutres não servem para belos cartões postais, e as autoridades locais já estão sobrecarregadas tentando proteger os animais que os turistas vão visitar.
"Todo mundo esquece dos feios neste mundo", disse Munir Z. Virani, que dirige os programas da África e Sul da Ásia no Peregrine Fund. "As autoridades nos dizem o tempo todo que estão muito ocupadas trabalhando para proteger os elefantes e rinocerontes e outros animais e, quando se trata dos abutres, elas estão exaustas."
Anthony Ole Tira, que é Masai, foi criado nessas terras e hoje é sócio do Matira Bush Camp, no coração da reserva, parou em frente a um local de travessia do rio e apontou para um monte de carcaças apodrecendo.
Uma semana antes, 900 mil gnus, animais que têm o focinho longo e muitas vezes a vida curta, mergulharam de cabeça no rio, em pânico. Milhares foram pisoteados até a morte.
Isso é normal. Os restos em decomposição é que não são.
"Dez anos atrás, isso já estaria limpo a esta altura", disse ele. "Há muitos lugares ao longo do rio Mara que não estão mais tão limpos quanto antes porque não há abutres suficientes."
Os pesquisadores dizem ter visto o que acontece em um ecossistema quando os abutres desaparecem.
Em 2000, Virani foi despachado para a Índia, onde os abutres estavam morrendo em grandes números, mas ninguém sabia por quê.
"Em todo lugar que eu ia, havia abutres mortos", disse ele. "Mas em toda parte, os restos mortais deles estavam em boas condições."
A hipótese inicial foi de que algum tipo de doença infecciosa estava por trás das mortes. Logo ficou claro que o assassino era algo feito pelo homem.
Um analgésico amplamente utilizado para tratar o gado estava envenenando as aves que se alimentavam das carcaças.
Uma carcaça contendo o analgésico podia envenenar centenas de aves, disse Virani, e em 2006, quando o analgésico foi oficialmente proibido, a população de abutres já tinha diminuído em 97%.
Durante o mesmo período, houve um aumento drástico nos casos de raiva na Índia, uma vez que os cães selvagens se aproveitaram do declínio dos abutres e muitas vezes espalharam a doença para os seres humanos.
Virani descreveu o que ele chamou de cenas apocalípticas, com hordas que chegavam a milhares de cães selvagens, limpando os restos de gado. As estimativas variam, mas alguns dizem que a população de cães selvagens da Índia agora chega a 25 milhões.
Cerca de 36% das mortes por raiva no mundo – a maioria de crianças – ocorrem na Índia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A batalha contra o vírus está custando bilhões de dólares ao governo.
Ao longo de dezenas de milhões de anos, os abutres evoluíram e se tornaram os faxineiros mais eficientes do mundo natural. Devido ao seu suco gástrico extremamente ácido, eles podem comer carne infectada com uma variedade de doenças sem se contaminarem.
Quando os abutres se alimentam de carne doente, deixando a carcaça limpa, a ameaça de que a infecção se espalhe termina.
Mas uma vez que os abutres forem extintos dos céus, será muito difícil trazê-los de volta.
Virani explicou que os abutres, apesar de seus sistemas digestivos poderosos, são frágeis.
No Arizona, Califórnia e Utah, o Peregrine Fund e parceiros têm trabalhado há anos para recuperar o condor da Califórnia, criticamente ameaçado, que em 1987 foi quase completamente dizimado pelo envenenamento por chumbo, com menos de duas dezenas de pássaros restantes. Quase três décadas depois, existem cerca de 400 animais, quase metade deles em cativeiro.
Na África, Virani espera que a queda na população possa ser contida e revertida antes que atinja o tipo de situação crítica encontrada na Índia e em outras partes do mundo.
"Não é tarde demais", disse ele.
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