segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Ataque contra reduto xiita de Damasco azeda negociações em Genebra
Ana Fonseca Pereira - Público
Staffan de Mistura garantiu estar “optimista e determinado” em não desperdiçar a “ocasião histórica” de ter na mesma cidade representantes dos dois lados daquele que é o mais intricado e desestabilizador conflito da actualidade. Sob pressão dos aliados internacionais – alarmados com a expansão dos jihadistas e a crise dos refugiados –, o regime e oposição aceitaram enviar delegados à Suíça para o início de negociações que deveriam durar seis meses e terminar com um cessar-fogo e a constituição de um governo de transição. Mas no primeiro dia ficou sobretudo visível o fosso de hostilidade e desprezo que os separa e que transforma em miragem a concretização do plano internacional, validado por uma resolução da ONU.
E o atentado em Sayyidah Zaynab, cidade de 130 mil pessoas a Sul da capital, azedou ainda mais a já esperada troca de acusações. “Atingimos o mais importante bastião das milícias xiitas de Damasco”, reivindicou um grupo que difunde habitualmente propaganda do Estado Islâmico (EI), organização jihadista que, aproveitando o caos da guerra síria, se apoderou de um território que se estende até ao Norte do Iraque.
Ao final do dia, o balanço das explosões não era ainda definitivo. O Governo confirmou 45 mortos e mais de uma centena de feridos, adiantando que um carro armadilhado explodiu primeiro e, quando a população acorreu a socorrer as vítimas, dois suicidas detonarem os explosivos que traziam escondidos no corpo. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que recolhe informações de uma rede de activistas locais, fala em pelo menos 60 mortos, entre os quais 25 combatentes xiitas.
A localidade atacada deve o seu nome à mesquita que alberga o mausoléu de Sayyidah Zaynab, neta de Maomé e filha do imã Ali, considerado pelos xiismo como o legítimo sucessor do profeta. É o santuário xiita mais venerado da Síria, local a que milhares de peregrinos vindos de toda a região continuam a acorrer apesar da violência.
No início da guerra, há quase cinco anos, a cidade foi palco de intensos combates, mas o Exército sírio reconquistou a zona com o apoio das milícias xiitas, incluindo o Hezbollah libanês – foi para defender aquele mausoléu que muitos combatentes vindos do Irão, do Líbano ou do Afeganistão se voluntariaram, recorda a Reuters. Uma mobilização que garantiu a sobrevivência de Assad, membro da minoria alauita (um ramo do xiismo), num conflito que se foi tornando cada vez mais sectário – a oposição síria é maioritariamente sunita e milhares de estrangeiros combatem quer nas fileiras do Estado Islâmico quer dos grupos islamistas.
Este atentado “confirma o que Governo sírio tem dito uma e outra vez – existe uma ligação entre o terrorismo, aqueles que o patrocinam, e alguns dos grupos políticos que dizem lutar contra ele”, acusou Bashar al-Jaafari, embaixador da Síria na ONU e representante máximo de Damasco nas negociações, lançando a desconfiança sobre a delegação da oposição. “O povo sírio enfrenta terroristas. Australianos, uzebeques, tchetchenos que chegam de todo o mundo, entram nas nossas fronteiras e transformam-se em ‘oposição moderada’”, denunciou. Do Alto Comité de as Negociações (HCN), formado com o patrocínio da Arábia Saudita, foi excluído o EI e a Frente al-Nusra, braço da Al-Qaeda na Síria, mas fazem parte grupos salafistas e islamistas apoiados pelas monarquias árabes.
Mas mesmo sem as referências ao atentado, nada do que se ouviu em Genebra parece sustentar o optimismo proclamado por Mistura. Riad Hijab, coordenador do HNC, publicou um comunicado explicando que a oposição pode deixar a Suíça se não cessarem os ataques aéreos contra as localidades controladas pelos rebeldes e o regime não autorizar o envio de ajuda às localidades cercadas pelo Exército. Estas eram as duas condições que a oposição impôs para participar nas negociações e insiste que só voltou com a palavra atrás depois de ter recebido garantias da ONU e dos Estados Unidos de que a discussão da situação humanitária teria prioridade. “Não podemos começar a negociação [sobre a transição] política sem que haja progressos nestas áreas”, explicou Bassma Kodmani, delegada da oposição.

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