Estado precisa retomar controle de seus territórios
Quando traficantes decidem fazer a “triagem”
dos pacientes em unidades públicas de saúde, é sinal de que o Estado
está perdendo terreno até onde não se imagina
O Globo
A notícia de que traficantes de drogas mandam e desmandam em Unidades de
Pronto-Atendimento, publicada domingo, no GLOBO, é mais um retrato da
tragédia por que passa a segurança do Rio. De acordo com a reportagem,
na UPA de Costa Barros, só podem ser atendidos os moradores da Favela da
Pedreira; na de Ricardo de Albuquerque, os do Morro do Chapadão. No
Complexo da Maré, bandidos proíbem o atendimento a quem mora do outro
lado da Linha Amarela. Ou seja, cidadãos que vivem numa comunidade
dominada por determinada facção criminosa não podem ser socorridos em
unidade de saúde instalada em território controlado por uma facção
rival.
Por mais surreal que pareça, a frase do traficante de Costa Barros
apontando o fuzil para dentro de uma ambulância, onde estava um rapaz
baleado com três tiros, é perturbadora. “Tu é alemão, tu é alemão”. A
execução só não se consumou porque a enfermeira deu a entender que o
paciente morreria a caminho do hospital. A cena mostra de forma
contundente os caminhos tortos percorridos diariamente por profissionais
de saúde obrigados a lidar com uma rotina que mais parece de guerra.
O problema não se resume à rivalidade entre facções. O risco existe
em qualquer lugar, o tempo todo. As paredes da UPA de Vila Kennedy, na
Zona Oeste, têm 18 perfurações por tiros, nem sempre aparentes porque
são tapadas com esparadrapos. Em março, uma funcionária foi atingida nas
costas por uma bala perdida enquanto trabalhava. Já teve paciente
alvejado quando usava o banheiro da UPA.
Quando traficantes decidem fazer a “triagem” dos pacientes em
unidades públicas de saúde, é sinal de que o Estado está perdendo
terreno até onde não se imagina. Que hoje ele já não controla
determinadas áreas nas favelas — onde a criminalidade impõe suas leis
nefastas — é sabido. Mas não deixa de surpreender o fato de que o
tráfico estende seus tentáculos a serviços que deveriam estar sob poder
do Estado. É mais um passo atrás na segurança.
Esse avanço do tráfico ocorre paralelamente ao enfraquecimento do
programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Implantado em 2008
no Morro Dona Marta (Botafogo) e na Cidade de Deus, e levado depois
para outras 36 comunidades, o projeto teve como um de seus maiores
méritos retomar para o Estado territórios que durante anos permaneceram
sob domínio dos traficantes. Mesmo lugares que pareciam impenetráveis,
como o Complexo do Alemão, foram ocupados pelo poder constituído. Mas
uma série de equívocos, agravados pela grave crise financeira do estado,
levaram ao desmantelamento do programa.
Não resta outra saída ao Estado a não ser retomar o controle de seus
territórios. E um dos caminhos para isso é recuperar o programa das
UPPs. Ceder terreno, como ocorre no caso das UPAs, é uma forma de perder
a guerra para o tráfico.
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