Divisão perigosa
Merval Pereira - O Globo
O plano de demissão voluntária do serviço público, anunciado como
decisão de governo, foi rebaixado a uma simples proposta em estudo, e
não seria surpresa se não saísse do papel, fortalecendo a posição de
Meirelles, que vê nesse instrumento uma medida paliativa sem grande
futuro.
Paradoxalmente, para um governo que precisa reduzir o gasto, o
presidente Michel Temer está à frente de barganhas nos bastidores para
obter votos suficientes para matar a denúncia da Procuradoria-Geral da
República. Essas barganhas aumentam os gastos, e podem significar a
derrota do projeto da equipe econômica.
O presidente Temer se manteria num governo à deriva, sem objetivo
maior do que simplesmente resistir até o final. Dentro de seu objetivo
primordial que é salvar a própria pele, o presidente Temer está bem, na
medida em que a oposição não tem 342 votos para tirá-lo do lugar, ele
está garantido.
O problema é que ele não tem a maioria que já teve para comandar a
votação e derrotar o pedido de investigação da Procuradoria-Geral da
República. Bastam 175 votos para salvá-lo, mas ele precisa do quorum
para iniciar a votação, e para isso ele depende de a oposição não
obstruir. Pode ser que a oposição, convencida da derrota, acabe
decidindo participar da votação apenas para fazer política, criticar o
presidente.
Se puser para votar, o Palácio do Planalto ganha, mas o tamanho de
sua vitória é que importa nesse momento. Se tiver por volta de 200, 250
votos fica muito exposto, é um presidente fraco que não tem mais
condições políticas de aprovar reforma constitucional, só pode pensar em
sobreviver até o fim do mandato. E cada vez mais na mão de uma minoria
da Câmara, aumentando as chances de os aproveitadores quererem tirar
cada vez mais vantagens em cima do governo, colocando a meta fiscal, que
já está ameaçada, em risco.
Uma meta que, diga-se, é de um déficit grandioso. Se não houver
condição de votar agora, pode ser que o governo considere mais prudente
aguardar a próxima denúncia, e tentar resolver as duas votações mais
adiante, ganhando tempo para convencer os indecisos.
O próprio presidente Temer está ligando para esse grupo de cerca de
80 deputados para pedir pessoalmente o apoio, num trabalho de corpo a
corpo que pode render resultados para ele, e mais déficit.
Mas aí há um perigo para Temer: ele agora tem número suficiente para
derrotar a Procuradoria-Geral, mas na próxima denúncia já não se sabe em
que condições se encontrará. Com todo esse esforço, se ele tiver entre
200 e 250 votos, uma segunda rodada pode ser fatal.
Ele tem praticamente a metade da base aliada que já teve. Tudo vai
influir na avaliação dos deputados, não apenas os benefícios que poderão
auferir. Um presidente cada vez mais impopular, especialmente depois do
aumento dos combustíveis, não é um bom aliado a longo prazo. O recesso
parlamentar que termina semana que vem pode ter como conseqüência uma
pressão grande das bases eleitorais, o que pode mudar o quadro.
O teor da nova denúncia do Procurador-Geral da República Rodrigo
Janot, versando sobre obstrução da Justiça e atuação do PMDB como uma
quadrilha comandada pelo próprio presidente, reforçada pelas revelações
de Eduardo Cunha e do doleiro Lucio Funaro, pode criar fatos novos que
mexam nessa base que o presidente ainda mantém.
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