A história da Volks no Brasil tem um lado obscuro. ‘Não choramos pelo desaparecimento da democracia’, lembra ex-dirigente do grupo em documentário e programas de rádio
José Casado - O Globo
Na fotografia em preto e branco um homem segura uma placa na altura do peito com a inscrição “5171” — sua nova identidade. Chegara ao camburão, conduzido por agentes à paisana, depois de surpreendido na Ala 4, a Manutenção, da fábrica de automóveis.
Eram 23h30m, lembra o
ferramenteiro: “Estava trabalhando, senti um troço duro nas costas,
olhei para trás, era metralhadora.” Viu dois agentes prontos para
atirar. Reconheceu outros dois, da empresa. Encostado na parede,
revólver na mão, estava o chefe da Segurança Industrial da Volkswagen,
Adhemar Rudge, coronel reformado do Exército.
Conduzido à seção de Recursos Humanos, recebeu mais socos e pontapés do que perguntas. Depois, o levaram para São Paulo.
Era estreita a cela 2 do Departamento de Ordem Política e Social. Do cano incrustado no alto da parede brotava água fria, insuportável no inverno paulistano. Na madrugada, ouviu o giro da tranca de ferro. Foi levado a outra ala. Amarrado e pendurado, recebeu uma ponta de um fio na orelha direita e outra atravessando-lhe a uretra. Roubaram-lhe o corpo pelo mês e meio seguinte, para suplícios.
Nunca mais “5171” voltou a ser Lúcio Antonio Bellentani das noites de sono calmo. Tinha 27 anos de idade, um terço deles trabalhando na Volkswagen de São Bernardo do Campo (SP), quando a empresa o denunciou por “comunismo” e ajudou a polícia política a prendê-lo dentro da fábrica. Lá se foram 45 anos desde aquela quinta-feira de julho de 1972.
Maior empresa privada e líder na produção de carros, a Volks dos anos 70 era alvo óbvio da esquerda. O Partido Comunista Brasileiro fez um “Plano de Construção (de bases) nas Empresas” e seu jornal, “Voz Operária”, chegou a exaltar o êxito na montadora de veículos. Bellentani militava no PCB.
A Volks não foi a única parceira da repressão na ditadura, mas foi muito ativa. Fez listas de “suspeitos” para a polícia política, outras empresas e entidades como Fiesp e Anfavea.
Documentação sobre esse relacionamento foi localizada pelo pesquisador Guaracy Mingardi. Agora, integra uma ação coletiva de ex-empregados contra a empresa, conduzida pelo promotor Pedro Machado. Contratado pela holding alemã, o historiador Christopher Kopper confirma a “contribuição”.
Nesta semana, o caso está sendo exposto na Alemanha pelos repórteres Stefanie Dodt, Thomas Aders e Thilo Guschas, em documentário e programas de rádio da NDR, SWR e do jornal “Süddeutsche Zeitung”.
A cúpula da Volks sabia? Dodt, Aders e Guschas demonstram, com documentos: sim, todos sabiam — da diretoria em São Bernardo, ao conselho de administração em Wolfsburg. Ilustram com lembranças de Friederich Wilhelm Schultz-Wenk, que em 1959 instalou a fábrica no ABC Paulista: “É espantoso como os brasileiros são tão subservientes”. Registram frieza de Carl Heim, ex-presidente do grupo: “Não choramos pelo desaparecimento da democracia”. Em negação fica apenas Jacy Mendonça, ex-diretor brasileiro de Recursos Humanos: “Nunca tivemos ditadura no Brasil. Prisão na fábrica? De jeito nenhum. Nós sempre tratamos nosso pessoal com um carinho muito, mas muito grande.”
A história de sucesso da Volks no Brasil tem um lado obscuro — o modelo "5171", em preto e branco.
Conduzido à seção de Recursos Humanos, recebeu mais socos e pontapés do que perguntas. Depois, o levaram para São Paulo.
Era estreita a cela 2 do Departamento de Ordem Política e Social. Do cano incrustado no alto da parede brotava água fria, insuportável no inverno paulistano. Na madrugada, ouviu o giro da tranca de ferro. Foi levado a outra ala. Amarrado e pendurado, recebeu uma ponta de um fio na orelha direita e outra atravessando-lhe a uretra. Roubaram-lhe o corpo pelo mês e meio seguinte, para suplícios.
Nunca mais “5171” voltou a ser Lúcio Antonio Bellentani das noites de sono calmo. Tinha 27 anos de idade, um terço deles trabalhando na Volkswagen de São Bernardo do Campo (SP), quando a empresa o denunciou por “comunismo” e ajudou a polícia política a prendê-lo dentro da fábrica. Lá se foram 45 anos desde aquela quinta-feira de julho de 1972.
Maior empresa privada e líder na produção de carros, a Volks dos anos 70 era alvo óbvio da esquerda. O Partido Comunista Brasileiro fez um “Plano de Construção (de bases) nas Empresas” e seu jornal, “Voz Operária”, chegou a exaltar o êxito na montadora de veículos. Bellentani militava no PCB.
A Volks não foi a única parceira da repressão na ditadura, mas foi muito ativa. Fez listas de “suspeitos” para a polícia política, outras empresas e entidades como Fiesp e Anfavea.
Documentação sobre esse relacionamento foi localizada pelo pesquisador Guaracy Mingardi. Agora, integra uma ação coletiva de ex-empregados contra a empresa, conduzida pelo promotor Pedro Machado. Contratado pela holding alemã, o historiador Christopher Kopper confirma a “contribuição”.
Nesta semana, o caso está sendo exposto na Alemanha pelos repórteres Stefanie Dodt, Thomas Aders e Thilo Guschas, em documentário e programas de rádio da NDR, SWR e do jornal “Süddeutsche Zeitung”.
A cúpula da Volks sabia? Dodt, Aders e Guschas demonstram, com documentos: sim, todos sabiam — da diretoria em São Bernardo, ao conselho de administração em Wolfsburg. Ilustram com lembranças de Friederich Wilhelm Schultz-Wenk, que em 1959 instalou a fábrica no ABC Paulista: “É espantoso como os brasileiros são tão subservientes”. Registram frieza de Carl Heim, ex-presidente do grupo: “Não choramos pelo desaparecimento da democracia”. Em negação fica apenas Jacy Mendonça, ex-diretor brasileiro de Recursos Humanos: “Nunca tivemos ditadura no Brasil. Prisão na fábrica? De jeito nenhum. Nós sempre tratamos nosso pessoal com um carinho muito, mas muito grande.”
A história de sucesso da Volks no Brasil tem um lado obscuro — o modelo "5171", em preto e branco.
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