Investimento público cairá ao menor patamar em 15 anos
Com piora do quadro fiscal, obras de infraestrutura estão paradas por falta de recursos
Martha Beck / Manoel Ventura / Geralda Doca - O Globo
O investimento público federal é hoje o retrato da deterioração
fiscal brasileira. Com arrecadação fraca e um Orçamento engessado, o
governo foi obrigado a jogar o investimento — principal alvo dos cortes
de gastos — no chão. Obras importantes de infraestrutura estão paradas
por falta de recursos. Diante disso, o Brasil caminha para fechar o ano
com a pior taxa de investimento dos últimos 15 anos. Segundo
levantamentos feitos por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e pelo pesquisador do Ibre/FGV Manoel Pires, nesse
período, a taxa de investimento do governo federal atingiu seu nível
mais baixo, de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2003. A
expectativa em relação a uma retomada dos investimentos recairia, então,
sobre o setor privado.
O
volume de investimentos subiu para 1,1% do PIB em 2010, mas, desde
então, vem caindo. Em 2015, chegou a 0,7% do PIB. No ano passado, houve
um leve aumento, para 0,8% do PIB, mas isso não significa que a equipe
econômica teve espaço para ampliar os investimentos. De acordo com
Pires, que já foi secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda, essa alta ocorreu porque o governo ampliou a meta fiscal de
2016 para um déficit de R$ 170 bilhões, o que permitiu o acerto de
contas que estavam atrasadas. Para este ano, a meta é de um déficit de
R$ 139 bilhões.
A ampliação da meta de 2016 também se reflete nas estatísticas do
investimento deste ano, quando se observa o dado acumulado nos 12 meses
fechados em maio. Nesse período, o investimento público federal ficou em
0,6% do PIB. No entanto, quando se considera apenas o ano de 2017, em
que o governo já teve de fazer um contingenciamento de R$ 45 bilhões
para assegurar o cumprimento da meta fiscal, o investimento federal está
em apenas 0,39% do PIB.
Segundo
Pires, é arriscado fazer projeções para o ano, uma vez que o governo
sempre pode liberar gastos, e os ministérios têm liberdade para realocar
recursos. Mas o quadro é desanimador.
CONCESSÕES PODERÃO AJUDAR
Um exemplo da
penúria é o programa Avançar, com previsão de R$ 56,6 bilhões de
recursos públicos a serem aplicados entre 2017 e 2018, na conclusão de
10 mil obras paralisadas, em todo o país. O programa seria anunciado com
pompa no fim de junho. Hoje, já não há mais data para seu lançamento.
— Todo o trabalho de seleção de projetos já foi realizado. O problema agora é fiscal — admitiu um integrante do governo.
Uma obra emblemática é a construção da ponte do Rio Guaíba (RS),
orçada em R$ 680 milhões e que já deveria ter sido entregue. Os blocos
das estruturas já foram comprados, mas o governo não tem dinheiro para
fazer a montagem.
Outro
exemplo, é a duplicação de trechos da BR-101 na Bahia. Prevista para
iniciar em 2014, a obra ainda nem começou, porque o Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não tem verba.
Integrantes das pastas ligadas à infraestrutura, onde se concentram
os investimentos, relatam que falta dinheiro hoje até para o custeio,
que inclui o pagamento de prestadores de serviço e aluguéis.
Considerando que o quadro fiscal está longe de ter uma solução de curto
prazo e que o governo passou a combinar um teto para os gastos públicos
com uma meta de resultado primário — o que o obriga a fazer um aperto
maior no Orçamento —, a saída tem sido recorrer ao setor privado como
indutor do crescimento.
O problema da falta de recursos atinge toda a malha federal. Segundo
uma fonte graduada, o Dnit não tem recursos nem para manter as rodovias.
Diante do temor de que o arrocho comprometa as condições das vias,
técnicos do setor estão trabalhando na modelagem de concessões light, para que o setor privado possa se encarregar da manutenção e de pequenas melhorias nas estradas.
Para não ver a situação das estradas federais ainda mais
deterioradas, o governo também estuda um novo modelo de rodovias. O
projeto, em gestação no Ministério dos Transportes, prevê a concessão de
trechos a empresas privadas sem necessidade de duplicação ou realização
de melhorias, como é exigido atualmente. Por esse novo modelo, o
pedágio pago pelos motoristas seria usado para bancar apenas os custos
de manutenção e operação das vias — função que deveria ser do Dnit.
Segundo um interlocutor do Planalto, se as concessões programadas
para setembro e outubro forem bem-sucedidas, ajudarão na retomada dos
investimentos. A expectativa é que as receitas previstas no Orçamento se
concretizem com os leilões das quatro usinas da Cemig (Volta Grande,
Miranda, Jaguara e São Simão) e de três certames na área de petróleo e
gás.
Também há mudanças previstas no projeto de transposição do Rio São
Francisco. Quando o acordo para a realização da obra foi firmado, em
2005, ficou acertado que a operação do projeto, cujo custo anual é de
cerca de R$ 500 milhões, seria bancada pela União no primeiro ano. Já no
segundo ano, caberia aos estados beneficiados pela obra criarem taxas
extras nas contas de água dos consumidores.
Até agora, no entanto, nenhum governador fez isso. Dessa forma, o
BNDES estuda a viabilidade de que a operação seja feita por meio de uma
parceria público-privada (PPP).
Especialistas em infraestrutura e integrantes do setor produtivo
(bens de capital, máquinas pesadas e construção civil) afirmam que os
investimentos privados devem andar ao lado dos públicos. Na avaliação de
agentes do setor, o ajuste fiscal focado no corte de gastos do governo
federal, que diminui investimentos públicos, inibe o potencial de
geração de empregos e dificulta a retomada do crescimento da economia.
O especialista em infraestrutura Cláudio Frischtak, da Inter.B
Consultoria, diz que, no setor privado, não faltam recursos para
investir no Brasil, mas é necessário mitigar riscos legais, contratuais,
regulatórios e relativos ao ambiente de negócios. Um quadro legal que
proporcione segurança jurídica e um ambiente de negócios que gere
confiança na estabilidade das regras do jogo são essenciais, afirma
Frischtak:
— Os recursos existem. Faltam bons projetos, há incertezas
regulatórias, e tem uma questão macro, uma incerteza que afeta a
percepção dos investidores. É preciso ter regras claras, agências
reguladoras com credibilidade e modelos sustentáveis. Isso atrai gente.
As agências precisam de autonomia financeira e decisória, precisam ser
despolitizadas.
‘PÚBLICO E PRIVADO SÃO COMPLEMENTARES’
O
presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de
Base (Abdib), Venilton Tadini, afirma que o setor privado não consegue,
sozinho, tocar grandes projetos de infraestrutura, e, por isso, quando
caem os investimentos públicos, todos ficam prejudicados:
— O público e o privado são complementares. É importante que haja o
aumento da participação do setor privado e que o ambiente regulatório e
jurídico esteja certo. Uma coisa é fazer ajuste fiscal, outra coisa é
cortar investimentos em 40%. A situação é muito grave.
Sem recursos no Orçamento e com necessidade de realizar obras nas
cidades, o governo anunciou, no início deste mês, a liberação de R$ 11,7
bilhões para prefeituras tocarem projetos de infraestrutura em parceria
com o setor privado. Esses recursos são do FGTS e de bancos públicos
(Caixa e Banco do Brasil), e a maior parte será emprestada para as
empresas que farão as obras, em vez de para as prefeituras.
— Não tem forma diferente que não seja a parceria do setor público
com o setor privado. Que o Estado se restrinja a fazer o que tem que
fazer, que é planejar e regular. E deixe a iniciativa privada fazer.
Quando a dívida não é do setor público, é do setor privado, tem o
dinheiro. O setor público precisa dar mais regulação — diz o presidente
da Cbic, José Carlos Rodrigues Martins.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos (Abimaq), José Velloso, disse entender a necessidade de
ajuste, mas lamentou o quadro atual:
— A retomada do crescimento deve ser feita pelo investimento, mas o governo está cortando isso.
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