Mídia perde espaço para 'jornalismo' cuja função é gerar 'narrativas'
Joel Pinheiro da Fonseca - FSP
Quando a repórter da CBN noticiou, na quarta (19) de manhã, que "moradores de rua em São Paulo são acordados com jatos de água fria", a imagem na mente do público foi instantânea: prefeito higienista expulsando mendigos indefesos do centro a canhão d'água.
Mas não era bem isso. Conforme a própria matéria relatava, funcionários
terceirizados da limpeza teriam sido negligentes e molhado pertences
–sobretudo cobertores– de mendigos em vez de pedir que eles os
retirassem antes de ligarem as mangueiras. O prefeito João Doria se
prontificou a trabalhar com os funcionários da empresa para que esse
tipo de descuido não mais ocorra.
Nenhuma pessoa foi alvo de jato d'água. Então a manchete mentiu? Não
exatamente. Mesmo sem ter recebido o jato, pessoas foram acordadas por
ele quando a água escorreu pelo chão e molhou seus pertences.
A manchete é verdadeira, mas a situação que ela descreve é diferente daquela que a maioria dos leitores imaginou quando a leu.
O veículo, tecnicamente, não mentiu; ou seja, não afirmou algo que se
soubesse (ou julgasse) ser falso. Ele apresentou a informação verdadeira
com aquilo que na mídia americana é chamado de "spin", que traduzo como
"viés".
Havia um claro viés na manchete, motivado talvez pela preferência
ideológica da jornalista ou pelo simples desejo de gerar reações
indignadas e, portanto, cliques.
Gerou. Em poucas horas, a lenda do prefeito ordenando jatos d'água em
mendigos já corria a internet, confirmada por cada nova formulação de
site de esquerda ou formadores de opinião, como o vereador Eduardo
Suplicy ou Guilherme Boulos, que tuitou "Num dos dias mais frios do ano,
agentes da gestão Doria jogam jatos de água no povo de rua. Não é
apenas higienismo, é barbárie!". Para fechar o ciclo, o site Brasil 247
reproduziu a frase do Boulos, se eximindo assim da responsabilidade
sobre a verdade de seu conteúdo ao mesmo tempo em que disseminava a
história falsa.
Do outro lado, o viés da notícia irritou os leitores de direita,
reforçando a impressão de que a grande mídia esteja sistematicamente
contra sua visão de mundo e produzindo "fake news". Correram, assim, para sua própria mídia, como o Jornalivre.
O Jornalivre, supostamente ligado ao MBL, não está no ramo da
informação, e sim no da propaganda, buscando humilhar desafetos
políticos e fanatizar o público leitor em sua visão maniqueísta e
enraivecida do mundo. Seu trabalho se limita a comentar notícias ou
posts de redes sociais que reforcem sua narrativa.
Em vez de apurar qualquer coisa relacionada à história, a ação deste
site limitou-se a descobrir a identidade da jornalista da CBN, bem como
suas preferências políticas, e oferecê-la aos leitores para que a
hostilizassem, o que fizeram com gosto.
A mídia, imperfeita, perde espaço para um tipo de "jornalismo" que nem
mais informa, cuja função é apenas torcer e gerar "narrativas" e
assassinar reputações. Só que ela não é parte inocente nisso.
O viés estava lá na publicação original, pronto para ser explorado por
veículos menores de esquerda e direita, cuja sobrevivência depende de
desqualificar os órgãos dos quais chupam informação e audiência. Está na
hora de reforçar o valor da imparcialidade? Isso pode significar menos
cliques no curto prazo, mas é o que pode relegitimá-la no longo.
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