Sylvie Kauffmann - Le Monde
Nataliya Gumenyuk voltou para Kiev este domingo (26). Não era algo certo; no início da semana, quando o movimento de protestos de Maidan registrou seus primeiros mortos, ela teve esta séria dúvida: "volto ou não?". Por fim, seus amigos, e sobretudo seus colegas com os quais ela criara no ano passado um canal de televisão independente online, a Hromadske.TV, a convenceram de que ela era mais útil na Ucrânia do que fora dela.
Na quinta-feira (23) à noite, em um desses jantares típicos de Davos que tinha por tema o futuro da Europa, ela se viu por acaso na mesa de José Manuel Barroso, o presidente da Comissão Europeia. Ele a ouviu atentamente. "Não sei se sua vida mudou desde o último domingo", ela lhe disse, "mas a minha virou de cabeça para baixo. O país que vou encontrar depois de Davos não é o mesmo de onde eu saí."
Nataliya Gumenyuk nasceu no Birobidjão, no extremo oriente russo, onde seu pai, um militar soviético, estava estacionado. Ela tinha oito anos de idade quando a Ucrânia se tornou independente. O que também mudou sua vida, em 2005, foi uma bolsa do governo sueco, que lhe permitiu fazer um mestrado em jornalismo na Universidade de Örebro, na Suécia. Quando ela voltou para a Ucrânia, ela era europeia. A seguir, seu depoimento:
"Fui contratada pela televisão pública ucraniana, onde eu trabalhei por vários anos como repórter internacional. Mas eu achava a estrutura pesada demais. Junto com alguns colegas, decidimos criar uma televisão pela internet. Por acaso, o lançamento foi no dia 22 de novembro de 2013, dia das primeiras manifestações em Maidan a favor da União Europeia. Logo, nós nos tornamos a principal fonte de informação sobre o movimento. É jornalismo cidadão feito por profissionais.
A maior parte de meus colegas que trabalham com mídia, cultura, ciências sociais, estudaram na Europa. Eles têm uma consciência europeia. Não vemos a Europa como algo que esteja além de nossas fronteiras. Existe um laço muito forte.
"Adotar o Estado de direito"
Para nós, o acordo de associação com a UE não era uma escolha entre a Europa e a Rússia. Era um meio de nos levar, aos poucos, a nos parecer com a Europa, a adotar o Estado de direito, a responsabilidade governamental. A questão não é a Rússia, a questão é quebrar um sistema onde a justiça é corrupta, onde se torturam pessoas nas delegacias. Sair dessa zona cinzenta que é a da injustiça, da corrupção, do nepotismo e da intolerância.Quando o governo rejeitou o acordo de associação, entendemos que se não nos revoltássemos, isso andaria muito rápido. Então nos revoltamos.
No dia 30 de novembro, o primeiro da repressão, pensamos se a Ucrânia ia ser mais um Belarus. Mas não: à noite, as pessoas saíram às ruas. Foi então que entendemos que não éramos nós que devíamos sair da União Europeia, mas sim que o governo deveria sair.
"Para nós, a prioridade é informar as pessoas"
Não concordo com essa interpretação que divide duas partes do país, o leste russófono e o oeste pró-europeu. Quando você fala de corrupção com as pessoas, no leste, ou sobre a brutalidade dos policiais, você vê que eles pensam como a gente. Mas muitas vezes eles não sabem o que está acontecendo. Então, para nós, a prioridade é informar as pessoas.No início, os manifestantes não confiavam na oposição, não havia líderes. Já a oposição não tinha nenhuma ideia da força que todas essas pessoas representavam. Sua única visão era: Ok, não haverá acordo com a UE, agora vamos pensar na eleição presidencial de 2015. Ao longo desses dois últimos meses, os líderes da oposição aprenderam muito com o povo de Maidan. Mas eles ainda não tinham um plano.
O papel desencadeador das leis do 16 de janeiro
Depois, no dia 16 de janeiro, houve essa estranha votação no parlamento de uma lei orçamentária na qual foram penduradas 28 emendas repletas de medidas repressivas. Disseram que era uma adaptação da legislação russa e não seria aplicada. Mas alguns manifestantes estavam furiosos, eles lançaram coquetéis molotov e a polícia reagiu de forma muito dura. Agora tivemos os primeiros mortos. E violência gera violência. Todo mundo está com medo, mas as pessoas continuam protestando. Eu cobri as primaveras árabes, sei o que é a violência. Mas na Ucrânia nunca tínhamos visto isso. Não tínhamos experiência nem em tumultos de rua, como na França ou na Grécia. Eu nunca teria imaginado que o governo ucraniano pudesse matar seus próprios cidadãos, no meio da rua.Existe uma parte da oposição que é de extrema-direita, neonazista, em torno do [partido] Svoboda, é uma questão que deve ser levantada. Essas pessoas não partilham dos valores europeus, eles não têm nada a ver com a UE. Estou pensando no contexto das primaveras árabes, quando os islamitas se apropriaram da revolução.
"Yanukovitch só está tentando salvar seu governo"
Yanukovitch, o presidente não tem uma lógica política de verdade, ele só está tentando salvar seu governo. Não consigo ver o que os dirigentes estrangeiros podem tirar dele. É preciso pensar de forma estratégica. Podemos conseguir a demissão de figuras importantes, governadores de regiões, ministros, deputados. Há empresários muito importantes, como Rinat Akhmetov, Dmytro Firtash, que têm uma influência determinante sobre as dezenas de deputados do Partido das Regiões (governista). Eles têm muitos bens na Europa, não têm interesse em que a Ucrânia fique estagnada. São alavancas que devem ser consideradas. Muito depende também do que está acontecendo nas regiões onde as pessoas estão se revoltando, no oeste do país.Aqui em Davos não senti uma grande preocupação com a Ucrânia. Há quem sinta simpatia por nós, mas também há uma boa dose de cinismo. Claro, tem a questão da Síria, o resto do mundo. Mas quando a União Europeia se abstém de agir, ficamos tão decepcionados! Atingimos um momento decisivo nessa questão da Ucrânia. Os representantes da UE precisam falar com as pessoas em torno de Yanukovitch, com os governantes das regiões, os deputados, é preciso envolvê-los, é responsabilidade deles. Existe uma chance de conter a violência."
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