quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Plano de desafiar Congresso deve limitar ação de Obama
No discurso do Estado da União, ele prometeu medidas sem aval legislativo
Decisões de caráter mais ambicioso vão precisar passar pelo Congresso, onde oposição deve ser dura 
ISABEL FLECK - FSP
No discurso em que apresentou seus planos para fazer de 2014 um "ano de ação", o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, demonstrou segurança em seguir trabalhando sem o Congresso, se for preciso, para fazer o país avançar.
No entanto, a decisão de privilegiar as chamadas "ordens executivas" (semelhantes às medidas provisórias no Brasil) foi vista como uma manobra que limitará sua atuação e evidencia a inaptidão de Obama em trabalhar com o Congresso.
Durante todo o discurso do Estado da União, anteontem, o presidente convocou os republicanos a se "juntarem" a ele em seus projetos, mas deixou claro que "onde pudesse dar passos sem o Legislativo", o faria.
Em 2013, após um discurso considerado bem mais ambicioso que o de ontem, Obama viu várias de suas propostas serem engavetadas no Congresso, como a de um maior controle da venda de armas no país.
Apesar de "driblar o Congresso" ser um caminho viável diante de uma Câmara com maioria republicana hostil, pouco pode ser feito apenas com a assinatura de Obama.
O aumento do salário mínimo defendido por ele, por exemplo, só poderá ser feito, com ordem executiva, para prestadores de serviço do governo. Reordenar gastos, aprovar uma reforma migratória ou mesmo fazer ajustes necessários no seu plano de saúde só será possível com o apoio do Legislativo.
Parte da oposição recebeu a intenção de "driblar" o Congresso como "ameaça". "É, certamente, uma posição arrogante", disse o senador republicano Rand Paul, do Estado do Kentucky --um dos nomes cotados para disputar a Casa Branca em 2016.
"É evidente que o presidente está querendo culpar antecipadamente o Congresso pela inação", observou à Folha o estrategista republicano Ron Bonjean.
O discurso foi avaliado como positivo por 76% dos americanos que o acompanharam, segundo pesquisa da CNN. O resultado foi o mesmo do ano anterior.
Um dos únicos pontos defendidos por Obama em que especialistas acreditam que possa haver avanços é a reforma migratória.
"Obama reconheceu as preocupações republicanas sobre a reforma de uma maneira bipartidária e respeitosa", avalia Alex Nowrasteh, do Instituto Cato.
Ontem, Obama já deu início a um tour de dois dias, por quatro Estados, para começar a promover a agenda defendida no Estado da União.
No interior de Maryland, ele defendeu o aumento do salário mínimo.
"Se você trabalha duro, tem que ter condições de pagar seu aluguel, fazer compras, cuidar de seus filhos", disse Obama. 

Estratégia do presidente de governar sem Legislativo tem grandes problemas 
MICHAEL KEPP ESPECIAL PARA A FOLHA 
O discurso do presidente Obama sobre o Estado da União prometeu iniciativas, a serem promulgadas sem a aprovação do Congresso, para reduzir a desigualdade econômica. Mas as medidas concretas que ele anunciou revelam os limites de seu poder.
Obama prometeu agir unilateralmente porque "o salário médio mal mudou, a desigualdade se aprofundou e a ascensão social se paralisou" --e os republicanos, que controlam a Câmara, bloquearam sua agenda legislativa em 2013 e prometem permanecer intransigentes.
O presidente disse que vai emitir uma ordem executiva --medida que não precisa de aval legislativo-- para elevar o salário mínimo de empregados de empresas que prestam serviços ao governo federal de US$ 7,25 (R$ 17,60) para US$ 10,10 (R$ 24,50) por hora.
Isso beneficiará centenas de milhares de pessoas. Mas não vai impelir o Congresso a elevar o mínimo para todos os trabalhadores, o que afetaria 17 milhões de americanos.
Em 2013, os republicanos na Câmara votaram por unanimidade contra a concessão da mesma elevação de salário, alegando que a medida alimentaria o desemprego.
Obama também anunciou a criação de um título governamental de poupança para trabalhadores sem acesso a planos de aposentadoria. É outra medida mais simbólica do que substantiva.
Ele ainda pediu ao Congresso que restaure os recém-expirados benefícios-desemprego a 1,6 milhão de americanos que não estão trabalhando. Mas muitos republicanos argumentam que isso tiraria os incentivos para a procura por trabalho.
Obama também pode fazer pouco para ajudar a estagnada classe média, porque a tecnologia e a globalização permitiram às empresas reduzir os empregos manufatureiros ou transferi-los para fora do país.
Mas ele já obteve algum progresso para reduzir a desigualdade. No início de 2013, assinou uma lei para reter impostos mais altos dos mais ricos após o fim da vigência dos cortes promovidos por Bush.
E em 2016, quando tiverem entrado em vigor os principais dispositivos da lei de saúde de Obama, a imensa maioria dos beneficiários de seus subsídios integrará os 33% da população de renda mais baixa.
Mas, mesmo que tente contornar os obstáculos colocados pela Câmara a suas tentativas de reduzir a disparidade de renda, Obama sabe dos limites de seu poder.
Como declarou em entrevista recente, "em última análise, nós [os presidentes americanos] fazemos parte de uma narrativa longa. Apenas tentamos fazer com que o nosso parágrafo fique certo."

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