Isabel Kershner - NYT
Poucos dias depois da explosão de um míssil, o menino e sua mãe de 34
anos chegaram ao Hospital Western Galilee, aqui em Nahariya, cidade
israelense localizada na costa do Mediterrâneo. O menino, traumatizado,
disse à equipe como vira a cabeça de seu irmão sair voando.
Enquanto delegações sírias adversárias se reuniam cara a cara esta semana na Suíça, as tragédias da guerra civil na Síria reverberavam por aqui, as emoções aguçadas por décadas de inimizade entre Israel e Síria, países que, tecnicamente, ainda estão em estado de guerra.
Depois de quase três anos de conflito interno, que já matou cerca de 130 mil e desalojou milhões de pessoas, alguns sírios dizem que agora temem as forças do presidente Bashar Assad mais do que os soldados israelenses na fronteira, que transferem pacientes feridos e seus familiares para o hospital usando uma ambulância militar.
Israel protege as identidades desses pacientes para evitar expô-los a perigos adicionais quando eles retornarem a suas casas na Síria. "Assad chama aqueles que vêm para cá de colaboradores de Israel", disse um sírio que estava acompanhando sua neta de cinco anos. A menina foi gravemente ferida e chegou a Israel no mês passado.
Quase 200 sírios --cerca de um terço deles formado por mulheres e crianças-- já foram tratados no Hospital Western Galilee desde março de 2013. Mais de 230 foram levados para o Hospital Rebecca Sieff, localizado na cidade da Safed, na Galiléia. Um terço do custo desses tratamentos é coberto pelo Ministério da Defesa de Israel. Outro terço é pago pelo Ministério da Saúde e o restante fica a cargo dos próprios hospitais. O doutor Masad Barhoum, diretor-geral do hospital de Nahariya, disse que até o momento os tratamentos que seu hospital forneceu custaram aproximadamente US$ 2,6 milhões.
Israel deixou claro que não iria tolerar refugiados amontoados ao longo da linha de cessar-fogo entre Israel e a Síria, que existe há décadas. Mas o ministro da Defesa de Israel, Moshe Yaalon, disse esta semana que Israel "não pode ficar indiferente" e também informou que o país está fornecendo alimentos e roupas de inverno para os habitantes das aldeias sírias através da cerca da fronteira. Além disso, os israelenses também estão cuidando de alguns dos feridos, disse o ministro.
O pequeno e discreto esforço humanitário é politicamente arriscado para os pacientes e seus familiares. Alguns disseram que tiveram medo de vir para Israel e que agora temem retornar para a Síria.
Para alguns, a viagem começa com a ajuda do Exército Livre da Síria, uma frouxa coalizão de rebeldes alinhada ao Ocidente, que em geral não está auxiliando nos resgates.
"Quando a paz retornar, eu vou erguer uma bandeira de Israel no telhado da minha casa", disse ele.
A guerra corroeu as barreiras psicológicas outrora impenetráveis de ambos os lados. Este mês, uma iniciativa de ajuda humanitária israelense liderada por voluntários do movimento Working and Studying Youth, da Israeli Flying Aid e de outras organizações locais recolheu cerca de 20 mil itens --principalmente casacos, cobertores e sacos de dormir-- que seriam repassados aos refugiados sírios. Os doadores foram instados a remover todos as etiquetas israelenses dos produtos. Barak Sella, da Working and Studying Youth, disse que há planos para a criação de um site destinado a estabelecer o diálogo entre jovens israelenses e sírios.
Uma mulher ferida, que é mãe de seis filhos e ficou no hospital de Nahariya durante quase seis semanas com duas de suas filhas, que também foram feridas, disse: "eu cresci ouvindo que Israel era um país inimigo e que, se eu encontrasse um israelense na rua ele iria me matar".
Essa mãe, que tem 31 anos, disse que estava no telhado de sua casa com seus filhos e um sobrinho para ver a neve que tinha começado a cair e, em seguida, um míssil os atingiu. Ela disse que não se lembra do que aconteceu depois. Ao acordar no hospital, ela disse: "eu estava com muito, muito medo, mas eu tentei não demonstrar isso à equipe médica".
Sua perna esquerda foi amputada abaixo do joelho. Uma de suas filhas, de 6 anos, estava se recuperando de ferimentos causados por estilhaços. A outra, de 3 anos, perdeu um olho e teve os pulmões feridos e um braço mutilado.
Um de seus filhos, de 5 anos, e o sobrinho, de 12, estavam no hospital em Safed acompanhados pela avó. O menino mais novo perdeu uma perna e o sobrinho, ambas as pernas.
A mulher expressou temor em relação a seu futuro e sobre o que estaria aguardando por ela em seu país. Ela não sabe se os filhos que deixou para trás, na Síria, sobreviveram ao ataque dos mísseis.
Instada a desenhar uma casa em uma sala de aula do hospital, a menina de 6 anos desenhou escombros. A maioria dos vizinhos de sua mãe e muitos parentes partiram para campos de refugiados na Jordânia e no Líbano. Segundo a mãe, ao retornar para a Síria ela só contaria aos mais próximos por onde andou no período em que ficou fora.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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