Com a atual crise, a Argentina tornou-se laboratório avançado do que não se deve fazer
Marcos Troyjo - FSP
Nenhum objeto é tão representativo da Argentina quanto o bandoneón. Seu som é a trilha sonora do país. Vaivém que musicaliza diferentes estados de alma. Útil metáfora da Argentina, sua economia e potencialidade. Expansão e contração que há 200 anos pontuam sua história.
A segunda metade do século 19 foi de grande arrancada argentina. O
centro cíclico da economia mundial era Londres. Subia a renda na
Inglaterra pela produtividade industrial, elevava-se a demanda por bens
em que a nação platina dispunha de vantagens comparativas.
Nenhum objeto é tão representativo da Argentina quanto o bandoneón. Seu som é a trilha sonora do país. Vaivém que musicaliza diferentes estados de alma. Útil metáfora da Argentina, sua economia e potencialidade. Expansão e contração que há 200 anos pontuam sua história.
A Argentina deliciava-se nas trocas ricardianas. Exportar commodities bastava. Em 1910, nossos vizinhos ostentavam a 10ª renda per capita mundial "" equivalente à da França. Hoje, isso significaria riqueza por habitante igual à dos EUA.
Converse com um portenho de mais idade. Ele dirá que cresceu na certeza de que seu país seria potência tão robusta quanto os EUA. Atingira na década de 1890 acesso à educação fundamental que o Brasil só alcançou 100 anos depois.
Na imponente Buenos Aires, arquitetos europeus traçavam suntuosos "hôtels particuliers". Contavam-se tantos teatros quanto em Londres; livrarias de fazer inveja a Paris.
Até 1930, Deus era argentino. Desde então, a decadência singulariza o país. É a única nação que, com indicadores socioeconômicos comparáveis aos das mais avançadas, deixou de ser "desenvolvida".
Por que isso aconteceu?
Nos 1940, Prebisch alertava compatriotas de que o mundo mudaria. Os EUA fortaleciam-se na condição de protagonista industrial --e, ao mesmo tempo, de principal potência agrícola. Elites latino-americanas não conseguiriam manter padrão de vida e engrossar fileiras de classe média apenas com renda exportadora de commodities eternamente valorizadas.
Era "industrialização ou morte". Daí a política de substituição de importações. Em seu nome, novas e crescentes intervenções em toda economia. Se hoje o Ministro da Fazenda ameaça fechar lojas que ajustam preços, decreto peronista de 1947 determinava quanto valeria os itens no cardápio dos restaurantes.
É toda uma história de distorções. Apoio a indústrias nascentes descambando para protecionismo setorial. Patriotismo confundido com nacionalismo. Classe política que não é de esquerda ou direita, apenas fisiológica. Desperdício de extraordinários recursos físicos e humanos. Sociedade cara demais para o que produz.
Equívocos recentes somam-se às disfuncionalidades estruturais. Estranhamento com a banca internacional. Imaginada parceria com a China. Bolivarianismo como visão de mundo. Regras do jogo instáveis. Ecossistema público-privado adverso à inovação. Em suma, receita segura de uma potência estacionária.
Com a atual crise, a Argentina tornou-se laboratório avançado do que não se deve fazer. Aprendamos com as valiosas lições do vizinho. Sem correção de rumo, em futuro não distante o Brasil também corre risco de transformar-se num "país-sanfona" --expandindo e contraindo à mercê da conjuntura internacional e da indefinição de estratégias.
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