Absolutamente inútil
O Estado de S.Paulo
Dos 83 parágrafos da declaração final da 2.ª Cúpula da
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), não há
rigorosamente nenhum que justifique a realização do encontro - salvo,
talvez, o 80.º, em que se anuncia a data do próximo. Poucos documentos
resumem com tanta clareza a inutilidade de mais esse ajuntado de letras
que representa, no discurso grandiloquente de seus líderes, "o espaço
adequado para reafirmar a identidade da América Latina e do Caribe, sua
história comum e suas lutas contínuas pela justiça e pela liberdade".
O caminho até a Celac foi palmilhado, nesta década, por siglas
criadas para dar forma à ideia de integração latino-americana sem a
presença dos Estados Unidos, o grande inimigo ideológico a ser
combatido. Temos, assim, a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa),
que foi rebatizada de União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e a
Alternativa Bolivariana para as Américas, que depois se tornou a Aliança
Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba).
A Celac é, ela mesma, uma espécie de antípoda da Organização dos
Estados Americanos (OEA), que, na visão dos bolivarianos, é submissa aos
interesses dos Estados Unidos. Tanto é assim que o falecido caudilho
Hugo Chávez, idealizador da Celac, queria que ela se chamasse
Organização dos Estados Latino-Americanos.
Embora a verborragia vazia das declarações oficiais aborde uma ampla
série de temas, como o "reconhecimento do papel dos povos indígenas no
desenvolvimento econômico" e o "risco do aquecimento global para os
países pobres", a Celac existe apenas para incluir Cuba - que, como se
sabe, só poderá voltar à OEA se deixar de ser uma ditadura.
O isolamento cubano, que inspirou a formação da Celac, já nem é tão
grande. A aproximação não se resume à relação calorosa de Cuba com a
Venezuela, que substituiu a União Soviética como financiadora oficial do
regime castrista. Diversos outros países fazem atualmente bons negócios
em Cuba, a começar pelo Brasil, e a União Europeia vem há tempos
negociando com Havana. O bloqueio americano à ilha, usado como pretexto
pela linha-dura cubana para se manter no poder, é, de fato, anacrônico.
Mas o que se pretende com a Celac, e isso ficou claro nessa última
cúpula, realizada justamente em Havana, é legitimar a ditadura cubana.
Não é à toa que a declaração final principia enfatizando que deve haver
respeito "ao direito soberano de cada um de nossos povos para escolher
sua forma de organização política e econômica". É uma clara renúncia à
imposição de qualquer forma de cláusula democrática, como a que aparece
no conjunto de normas da OEA e que pune países nos quais não vigora o
"respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais" e o "acesso
ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito", além do
"regime pluralista de partidos e organizações políticas" e a "separação e
independência dos poderes públicos". É a descrição de tudo o que não há
em Cuba - cujo regime mandou prender uma centena de dissidentes às
vésperas da realização da cúpula da Celac.
Para não dizer que foi totalmente improdutivo, o desfile das
guayaberas teve alguma utilidade ao menos para a Venezuela. O presidente
venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou que a Celac vai ajudar o país a
enfrentar a escassez de diversos produtos, fruto da política econômica
suicida praticada pelo chavismo. "Não vão nos chantagear. Estamos
rompendo amarras com todos e estamos criando novos fornecedores em
países aliados estratégicos", discursou Maduro.
A presidente Dilma Rousseff prestigiou essa farsa, com direito ao
manjado beija-mão com Fidel Castro e a um discurso em que elevou Cuba à
categoria de grande parceiro comercial - apesar dos apagões, da
infraestrutura arruinada e da escassez de quase tudo. Dá-se preferência,
assim, apenas à satisfação de compromissos ideológicos, destituídos de
qualquer resultado positivo - enquanto iniciativas regionais com
verdadeiro potencial, como o Mercosul, padecem há anos de picuinhas e
desinteresse.
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