Ai de ti Argentina!
SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
Onde vai dar a Argentina? A economia do país emagrece,
desmorona e a cada dia o precipício fica mais fundo: a inflação dispara;
a desvalorização cambial rouba valor e confiança do peso; o jovem
ministro da Economia é desaprovado por 61% da população; a presidente
Cristina Kirchner some e só reaparece em Davos e Havana; dólares e
investimentos fogem do país; o crédito externo desaparece; o fantasma da
moratória ressurge; os sindicatos não aceitam aumento salarial abaixo
de 30%; e as prateleiras dos supermercados se esvaziam. Assustada, a
população procura se defender e busca refúgio estocando dólares debaixo
do colchão e alimentos em suas casas. O país e a população empobrecem. O
que trará o futuro para os argentinos?
É difícil, a esta altura, mudar o rumo da economia. Primeiro, porque a
presidente Cristina e sua equipe galopam na perda de confiança e não
têm credibilidade para pilotar mudanças. Depois, essa alternativa nem
cogitada é. Tudo indica que ela vá empurrar com a barriga até a eleição
presidencial em 2015. Mas isso demora (falta um ano e meio) e a sensação
é de que o precipício se aproxima, a economia pode entrar em colapso e a
expectativa do terror da moratória novamente desaba sobre a Argentina,
trazendo um rastro de empobrecimento, desemprego, destruição, convulsão
social e aumento da criminalidade, como aconteceu na moratória do
corralito, em 2001.
A vida traz surpresas irônicas. Ao assumir o governo, em março de
2003, o ex-presidente Néstor Kirchner encontrou a economia devastada.
Sentou-se para negociar com credores, reduziu a dívida pública de US$
190 bilhões para US$ 140 bilhões, suspendeu a moratória (decretada em
2001 por Fernando de La Rúa), recuperou a economia e recolocou o país no
caminho do crescimento. E agora é justamente sua viúva, Cristina, que
ele fez sucessora, quem desfaz o que ele construiu e pode levar a
Argentina ao abismo. Pela segunda vez em pouco mais de dez anos.
Fazendo justiça, a trajetória que fez recuar o sucesso Kirchner não
começou com ela, mas com ele. Na gestão Néstor a política seguiu o
modelo populista autoritário e, na economia, a expansão do consumo
produziu aumentos de preços em profusão, que ele tentou controlar na
marra: interveio no Indec (o IBGE de lá) e passou a falsificar os
índices de inflação, hoje desmoralizados mundo afora, contestados pelo
FMI e desprezados por empresas na definição de seus preços e por
trabalhadores em suas lutas salariais. O mesmo descrédito carregam os
números de desemprego, crescimento econômico e desempenho social. Foi
também com Néstor que a dívida pública recomeçou a crescer.
Mas tudo piorou com Cristina, sobretudo após a morte do marido, em
outubro de 2010. Em litígio com credores externos, o acesso do país a
empréstimos no exterior foi minguando e a crise cambial, que ela
enfrenta com guerra ao dólar, se agravou a tal ponto que nos últimos
dois anos o banco central reduziu as divisas do país de US$ 52 bilhões
para US$ 28,8 bilhões para socorrer o peso. Ainda assim, não conseguiu
evitar a desvalorização da semana passada, quando a cotação do dólar
subiu de 6,84 para 8,015 pesos. Para conter a escalada da inflação, ela
tem recorrido a seguidos congelamentos de preços em supermercados, que
não funcionam. E a recente desvalorização do peso elevou os custos das
empresas, que passaram a reajustar ainda mais seus preços. O jovem
ministro da Economia, Axel Kicillof, se recusa a corrigir seus erros e
definir nova estratégia para a economia e responde com ameaças de multas
e frases de efeito: "O comerciante que aumentar preços rouba a
população". Já empresas, economistas e trabalhadores, que vivem a vida
real, já projetam inflação de 40% em 2014.
Diante de tantos desacertos, caos e incertezas - com o presente e o
futuro -, há mais de um ano os investimentos fogem da Argentina.
Empresas estrangeiras, inclusive Vale e Petrobrás, fazem suas malas para
deixar o país, gerando desemprego. Onde vai dar isso?
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