domingo, 2 de fevereiro de 2014

O incêndio de ônibus
O Estado de S.Paulo
A queima de ônibus na capital paulista atingiu tais proporções - foram 32 em apenas um mês - que justifica plenamente a preocupação demonstrada a respeito pelo secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, assim como as medidas anunciadas para enfrentar o problema. E se deve investigar seriamente também a suspeita por ele levantada de que o crime organizado - mais especificamente o Primeiro Comando da Capital (PCC), embora seu nome não tenha sido citado - estaria por trás desses atos criminosos.
Por causa do clima de insegurança criado pelos incêndios, um total de 22 linhas de ônibus teve sua circulação interrompida total ou parcialmente durante a noite nos últimos dias, em vários bairros afastados do centro - M'Boi Mirim, Jardim Ângela e Jardim João XXIII -, prejudicando cerca de 200 mil pessoas. O espetáculo assustador do incêndio desses veículos e o medo de que algum passageiro seja atingido, deliberadamente - como aconteceu com uma menina em São Luís, no Maranhão - ou não, ameaçam semear o pânico nas regiões mais afetadas.
Segundo um líder comunitário do Jardim João XXIII, "tivemos toque de recolher, mas as coisas ainda não estão muito claras. Há muitos boatos por aqui e as pessoas ficam com medo". Isso dá uma ideia da situação que os incêndios de ônibus estão criando e deixa no ar uma pergunta que a polícia deve responder o mais rapidamente possível - quem determinou, e por que, esse toque de recolher?
O reconhecimento por Grella Vieira, sem rodeios, de que esta "não é uma situação normal" é um passo indispensável para tentar resolver o problema. Sobre a presença de integrantes do PCC em pontos finais de linhas no Jardim João XXIII, declarou "ainda não ter clareza se é crime organizado, não descartamos isso, ou se são meramente movimentos sociais. E por qual razão? Porque as motivações confirmadas pelas próprias empresas (de ônibus) são as mais distintas. Ora em razão da morte de uma pessoa, ora em razão de enchente, ora em razão de outros problemas".
As decisões anunciadas, enquanto se aguarda o esclarecimento dessas questões, vão na direção certa. A primeira, como já seria de esperar, é o reforço do policiamento nas regiões mais afetadas, do qual participarão policiais de unidades especiais como a Rota e o 2.º Batalhão de Choque. Os ônibus, garante o secretário, poderão circular "com certeza. Nós vamos dar essa proteção". Esse é um ponto fundamental, porque basta a interrupção de funcionamento de uma só linha para que isso seja visto como um sinal de fraqueza pelos que estão por trás dos incêndios e um incentivo a novos atos criminosos.
Duas outras decisões são intensificar as investigações - o que não está sendo fácil, porque muitos não querem falar por medo de represálias - e atuar com maior empenho na prevenção. Entre os primeiros resultados obtidos está a detenção de 16 suspeitos de participar dos ataques. O secretário também incluiu as empresas de ônibus nas discussões sobre as medidas mais adequadas para atacar o problema dos incêndios.
É perfeitamente compreensível que Grella Vieira levante a suspeita de participação do crime organizado nos incêndios. É muito estranho que estejam sendo incendiados quase exclusivamente ônibus grandes. Os de menor porte estariam sendo poupados, porque há muito existem fortes suspeitas de que ocorreriam ligações entre o PCC e as empresas que os exploram.
É preciso esclarecer isso o mais rapidamente possível, porque, caso se comprove o envolvimento do PCC nesses crimes, o governo precisa agir com todo o rigor possível para desatar esse nó. A interferência do PCC no serviço de ônibus, ainda mais dessa maneira violenta, é intolerável. E o pior é que poder para isso essa organização criminosa tem, a julgar pela investigação minuciosa feita sobre ela pelo Ministério Público Estadual, cujos resultados foram divulgados em outubro do ano passado. Além de controlar 90% dos presídios paulistas, o PCC está sempre buscando aumentar sua ação criminosa também fora deles, como já ocorre com o tráfico de drogas.

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