O incêndio de ônibus
O Estado de S.Paulo
A queima de ônibus na capital paulista atingiu tais
proporções - foram 32 em apenas um mês - que justifica plenamente a
preocupação demonstrada a respeito pelo secretário de Segurança Pública,
Fernando Grella Vieira, assim como as medidas anunciadas para enfrentar
o problema. E se deve investigar seriamente também a suspeita por ele
levantada de que o crime organizado - mais especificamente o Primeiro
Comando da Capital (PCC), embora seu nome não tenha sido citado -
estaria por trás desses atos criminosos.
Por causa do clima de insegurança criado pelos incêndios, um total de
22 linhas de ônibus teve sua circulação interrompida total ou
parcialmente durante a noite nos últimos dias, em vários bairros
afastados do centro - M'Boi Mirim, Jardim Ângela e Jardim João XXIII -,
prejudicando cerca de 200 mil pessoas. O espetáculo assustador do
incêndio desses veículos e o medo de que algum passageiro seja atingido,
deliberadamente - como aconteceu com uma menina em São Luís, no
Maranhão - ou não, ameaçam semear o pânico nas regiões mais afetadas.
Segundo um líder comunitário do Jardim João XXIII, "tivemos toque de
recolher, mas as coisas ainda não estão muito claras. Há muitos boatos
por aqui e as pessoas ficam com medo". Isso dá uma ideia da situação que
os incêndios de ônibus estão criando e deixa no ar uma pergunta que a
polícia deve responder o mais rapidamente possível - quem determinou, e
por que, esse toque de recolher?
O reconhecimento por Grella Vieira, sem rodeios, de que esta "não é
uma situação normal" é um passo indispensável para tentar resolver o
problema. Sobre a presença de integrantes do PCC em pontos finais de
linhas no Jardim João XXIII, declarou "ainda não ter clareza se é crime
organizado, não descartamos isso, ou se são meramente movimentos
sociais. E por qual razão? Porque as motivações confirmadas pelas
próprias empresas (de ônibus) são as mais distintas. Ora em razão da
morte de uma pessoa, ora em razão de enchente, ora em razão de outros
problemas".
As decisões anunciadas, enquanto se aguarda o esclarecimento dessas
questões, vão na direção certa. A primeira, como já seria de esperar, é o
reforço do policiamento nas regiões mais afetadas, do qual participarão
policiais de unidades especiais como a Rota e o 2.º Batalhão de Choque.
Os ônibus, garante o secretário, poderão circular "com certeza. Nós
vamos dar essa proteção". Esse é um ponto fundamental, porque basta a
interrupção de funcionamento de uma só linha para que isso seja visto
como um sinal de fraqueza pelos que estão por trás dos incêndios e um
incentivo a novos atos criminosos.
Duas outras decisões são intensificar as investigações - o que não
está sendo fácil, porque muitos não querem falar por medo de represálias
- e atuar com maior empenho na prevenção. Entre os primeiros resultados
obtidos está a detenção de 16 suspeitos de participar dos ataques. O
secretário também incluiu as empresas de ônibus nas discussões sobre as
medidas mais adequadas para atacar o problema dos incêndios.
É perfeitamente compreensível que Grella Vieira levante a suspeita de
participação do crime organizado nos incêndios. É muito estranho que
estejam sendo incendiados quase exclusivamente ônibus grandes. Os de
menor porte estariam sendo poupados, porque há muito existem fortes
suspeitas de que ocorreriam ligações entre o PCC e as empresas que os
exploram.
É preciso esclarecer isso o mais rapidamente possível, porque, caso
se comprove o envolvimento do PCC nesses crimes, o governo precisa agir
com todo o rigor possível para desatar esse nó. A interferência do PCC
no serviço de ônibus, ainda mais dessa maneira violenta, é intolerável. E
o pior é que poder para isso essa organização criminosa tem, a julgar
pela investigação minuciosa feita sobre ela pelo Ministério Público
Estadual, cujos resultados foram divulgados em outubro do ano passado.
Além de controlar 90% dos presídios paulistas, o PCC está sempre
buscando aumentar sua ação criminosa também fora deles, como já ocorre
com o tráfico de drogas.
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