sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Contradições 

Merval Pereira - O Globo

O caso do jato Cessna que vem dando dor de cabeça à direção do PSB — por ser, ao que tudo indica, produto de uma obscura transação que envolve laranjas e dinheiro não contabilizado — trouxe para a herdeira política Marina Silva uma questão adicional, que reforça as supostas contradições de sua candidatura.
Uma das empresas envolvidas na compra do jato é a Bandeirantes Companhia de Pneus Ltda., que importa pneus usados, negócio considerado como dos mais danosos ao meio ambiente. A autorização de importação de pneus usados, por sinal, foi uma das muitas brigas que Marina travou à frente do Ministério do Meio Ambiente, e perdeu. 
Em 2003, foi convencida pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, a recuar em sua posição contrária à importação de pneus em nome de um “bem maior”, no caso a unidade do Mercosul. Isso porque, apesar de oficialmente proibir a importação de pneus remodelados, o Brasil acata desde 2002 uma decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul que obriga o país a aceitar a entrada de pneus vindos do Uruguai.
Essa posição provocou decisões judiciais que trouxeram para o país pneus usados de EUA e União Europeia. Marina sempre reclamou que a questão dos pneus era tratada como puramente comercial, sem que fosse levado em conta o lado ambiental. Seu objetivo, dizia, era fazer com que o Brasil deixasse de ser “lata de lixo global” de pneus usados em outros países.
Sabe-se agora que a então denominada Bandeirantes Renovação de Pneus foi beneficiada por um decreto assinado em 2011 pelo governador Eduardo Campos, que ampliou seus benefícios fiscais, eliminando limites de importação fixados anteriormente por decreto do ex-governador e hoje deputado federal Mendonça Filho.
Um dos sócios da hoje denominada Bandeirantes Companhia de Pneus Ltda., Apolo Santana Vieira, responde a processos de sonegação fiscal estimados em cerca de R$ 100 milhões, devidos pela importação de pneus pelo porto de Suape, em Pernambuco.
Unindo-se a natureza do empreendimento ao fato de que o uso do avião não fora ainda declarado como doação de campanha, com forte cheiro de caixa 2, tem-se que Marina está em situação no mínimo delicada.
A “nova política” era transportada para cima e para baixo por um jatinho todo irregular, financiado em última instância por atividade comercial que a ambientalista Marina repudia. E que recebeu estímulos fiscais de seu companheiro de luta política anos antes de os dois se juntarem para tentar chegar ao Planalto.
A essa contradição da dupla anterior soma-se a atual, de ter como companheiro de chapa o deputado Beto Albuquerque, que foi um dos líderes da aprovação do uso de transgênicos no Congresso, derrotando a posição da então senadora Marina.
Como a própria Marina explica agora, trabalhar com quem discorda de seus pontos de vista mostra apenas que ela não é uma radical como a acusam, e que sabe conviver com contrários.
No caso de Beto Albuquerque, é uma verdade, pois trata-se de um político correto, que, ao que se sabe, estava em defesa dos agricultores do Rio Grande do Sul no caso dos transgênicos, e não em alguma transação nebulosa.
Mas, no caso da empresa de pneus usados, não há desculpa para receber doações de campanha fora da legislação e de um empreendimento que considera nocivo ao meio ambiente.
Nem mesmo dizer que não fora informada de nada. Ao se juntar à campanha de Eduardo Campos, tinha a obrigação de se informar desses detalhes, justamente para não se ver em uma situação delicada como agora. 
Outra aparente contradição, mas que desta vez trabalha a seu favor, é a nota do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri (Acre), fundado por Chico Mendes, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que não gostou de ver Marina colocá-lo como membro da “elite” brasileira, nem quer vê-lo classificado como um “ambientalista”, mas, sim, como “sindicalista”.
O sindicato também condena a política ambiental “idealizada por Marina como ministra do Meio Ambiente, refém de um modelo santuarista e de grandes ONGs internacionais”.
Ora, os próprios termos do debate mostram que a ex-seringueira Marina Silva saiu do Acre para ganhar uma dimensão modernizadora, com uma visão mais ampla da disputa política e da própria defesa do meio ambiente.

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