EUA já foram um país que investia pensando no futuro
Paul Krugman - NYT
Os EUA costumavam ser um país que fazia obras pensando no futuro. Às
vezes, o governo construía diretamente: projetos públicos, desde o Canal
Erie até o Sistema Rodoviário Interestadual, forneceram a espinha
dorsal para o crescimento econômico. Às vezes, fornecia incentivos para o
setor privado, como a concessão de terras para estimular a construção
de ferrovias. De qualquer forma, havia um amplo apoio para os gastos que
nos tornariam mais ricos.
Hoje em dia, porém, nós simplesmente
não investimos, mesmo quando a necessidade é óbvia e o momento não
poderia ser melhor. E não me diga que o problema é a "disfunção
política" ou alguma outra frase evasiva para distribuir a culpa. Nossa
incapacidade de investir não reflete algo de errado com "Washington";
ela reflete a ideologia destrutiva que passou a dominar o Partido
Republicano.
Alguns antecedentes: já se passaram mais de sete
anos do estouro da bolha da habitação e, desde então, os EUA foram
inundados de poupança --ou, mais precisamente, de poupança desejada--
sem nenhum destino. Os empréstimos para comprar casas se recuperaram um
pouco, mas continuam baixos. As empresas estão tendo lucros enormes, mas
relutam em investir face à fraca demanda dos consumidores, de modo que
estão acumulando dinheiro ou comprando de volta suas próprias ações. Os
bancos estão segurando quase US$ 2,7 trilhões em reservas excedentes
--fundos que poderiam emprestar, mas preferem deixar ociosos.
E o
descompasso entre a poupança desejada e a vontade de investir manteve a
economia deprimida. Lembre-se, o seu gasto é a minha renda e os meus
gastos são a sua renda, por isso, se todo mundo tenta gastar menos ao
mesmo tempo, a renda de todo mundo cai.
Há uma resposta política
evidente para esta situação: o investimento público. Temos enormes
necessidades de infraestrutura, especialmente em água e transporte, e o
governo federal pode conceder empréstimos incrivelmente baratos --na
verdade, as taxas de juros sobre os bônus protegidos contra a inflação
têm sido negativas na maior parte do tempo (atualmente estão em apenas
0,4%).
Assim, parece óbvia a concessão de empréstimos para
construir estradas, reparar esgotos etc. Mas o que realmente aconteceu
foi o inverso. Depois de subir brevemente após o estímulo de Obama
entrar em vigor, a despesa com obras públicas caiu. Por quê?
De
forma direta, grande parte da queda do investimento público reflete os
problemas fiscais dos governos estaduais e locais, que representam a
grande maioria dos investimentos públicos.
Esses governos em
geral devem, por lei, equilibrar seus orçamentos, mas viram as receitas
mergulharem e algumas despesas subirem em uma economia deprimida. Então,
eles atrasaram ou cancelaram uma série de projetos para economizar
dinheiro.
No entanto, isso não precisava ter acontecido. O
governo federal poderia facilmente ter fornecido ajuda aos Estados para
ajudá-los a gastar --na verdade, o pacote de estímulo incluía essa
ajuda, que foi uma das principais razões para o breve aumento no
investimento público. Mas quando o Partido Republicano assumiu o
controle da Câmara, qualquer chance de destinar verbas para a
infraestrutura desapareceu. De vez em quando, os republicanos diziam que
queriam gastar mais, mas bloqueavam todas as iniciativas vindas do
governo Obama.
E tudo isso por causa de ideologia, uma
hostilidade esmagadora para os gastos do governo de qualquer tipo. Esta
hostilidade começou como um ataque aos programas sociais, especialmente
aqueles que ajudam os pobres, mas com o tempo tornou-se uma oposição a
qualquer tipo de despesa, não importa o quão necessária e não importa o
estado da economia.
É possível ver essa ideologia em
funcionamento em alguns documentos produzidos pelos republicanos da
Câmara, sob a liderança de Paul Ryan, presidente da Comissão de
Orçamento. Por exemplo, um manifesto de 2011 chamado "Spend Less, Owe
Less, Grow the Economy" (em tradução livre, "gaste menos, deva menos,
faça crescer a economia") pedia grandes cortes nos gastos, mesmo em face
da elevada taxa de desemprego, e classificava como "keynesiana" a noção
de que "diminuir os gastos públicos para a infraestrutura diminui o
investimento do governo". (Eu achava que era apenas aritmética, mas o
que eu sei?) Há também um editorial do "Wall Street Journal" do mesmo
ano, chamado "The Great Misallocators" (em tradução livre, algo como "os
grandes responsáveis pelo mau destino de verbas"), afirmando que todo o
dinheiro que o governo gasta desvia recursos do setor privado, que
sempre faria melhor uso desses recursos.
Não importa que, na
prática, os modelos econômicos que dão base a tais afirmações tenham
falhado drasticamente ou que as pessoas que dizem essas coisas vêm
prevendo inflação galopante e aumento das taxas de juros e ano após ano
continuam erradas; estas não são do tipo de pessoa que reconsidera seus
pontos de vista à luz das evidências. Não importa o ponto óbvio que o
setor privado não fornece e nem vai fornecer a maioria dos tipos de
obras de infraestrutura, desde estradas locais até sistemas de esgoto;
esse tipo de distinção se perdeu em meio aos gritos de "setor privado
bom, governo mau".
E o resultado, como eu disse, é que os EUA
viraram as costas para sua própria história. Precisamos de investimento
público; em um momento de taxas de juro muito baixas, poderíamos pagá-lo
facilmente. Mas não vamos construir.
Tradutor: Deborah Weinberg
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