Presidentes mentem, e não há nada mais revolucionário do que dizer a verdade
Jorge Ramos - NYT
Os presidentes mentem. Bem, nem todos e não o tempo todo. Mas uma das
principais lições do recém falecido Ben Bradlee, ex-editor do jornal
"The Washington Post", é que nós jornalistas não podemos acreditar nos
que têm poder. Nosso trabalho é questioná-los, sempre.
Bradlee
foi responsável pela cobertura que seu jornal deu ao escândalo de
Watergate --a complexa rede de espionagem e corrupção que culminou com a
renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon em 1974. Foi uma
história que transformou para sempre o ofício do jornalismo, porque
demonstrou como dois repórteres persistentes, Bob Woodward e Carl
Bernstein, puderam ter um papel decisivo para remover um político
mentiroso do cargo mais importante da nação. Depois de Watergate,
escreveu Bradlee, "comecei a buscar a verdade depois de escutar a versão
oficial de uma verdade".
Nixon não foi o primeiro nem o último
presidente a mentir. Há literalmente mil exemplos. Hugo Chávez, da
Venezuela, foi um grande mentiroso. Em 1998, disse que entregaria o
poder em cinco anos e que não nacionalizaria indústrias nem meios de
comunicação. Mentiu. A Venezuela se contorceu com mentiras para o
totalitarismo, primeiro com Chávez e agora com Nicolás Maduro.
No México, temos uma longa tradição de presidentes mentirosos, que
chegaram ao poder com terríveis fraudes eleitorais. Foram escolhidos por
"dedaço" e depois tentaram se vender como democratas. Impossível.
Outro mentiroso, Fidel Castro, depois da vitória da revolução cubana em
1959, disse em várias ocasiões: "Não somos comunistas". Cinquenta e
cinco anos depois, seu irmão Raúl lidera um dos regimes comunistas mais
repressivos do planeta.
Como jornalistas, somos obrigados a não
engolir a história oficial e a duvidar de "quase" tudo o que nos digam
os ditadores, os presidentes e seus funcionários. Isto é o que
ultimamente se chama "jornalismo com um ponto de vista". Esse é um tipo
de jornalismo irreverente, rebelde, com os de baixo enfrentando os de
cima, que prefere ser visto, mais que como amigo, como inimigo dos que
estão no poder, e que exige resultados dos que governam.
Se vale começar uma entrevista ou uma reportagem com uma posição antagônica.
Isso é o que Edward R. Murrow fez há 60 anos, quando decidiu enfrentar
as táticas anticomunistas do senador Joseph McCarthy em seu programa
"See it Now" [Veja agora]. Walter Cronkite fez outro tanto quando
criticou a manipulação governamental da guerra do Vietnã. Christiane
Amanpour, da "CNN", atacou a passividade do governo em relação aos
abusos sérvios na guerra dos Bálcãs na década de 1990. E Anderson Cooper
não hesitou em revelar os fracassos da administração do presidente
George W. Bush depois do desastre do furacão Katrina em Nova Orleans em
2005. E a lista não termina.
Mais que ser objetivos, trata-se de
ser justos. Não se pode tratar por igual um ditador e uma vítima de sua
ditadura. Nossa principal responsabilidade social como jornalistas é
evitar os abusos dos que exercem o poder. Os melhores jornalistas são
sempre um pouco rebeldes, não escravos do sistema.
Mas quando
nós jornalistas nos esquecemos de que nosso trabalho é questionar,
incomodar e evitar o abuso dos governantes, as consequências são
enormes. Mais de 120 mil civis iraquianos e 4.500 soldados americanos
morreram no Iraque, uma guerra desnecessária que começou com mentiras
sobre armas de destruição em massa inexistentes. Essa foi uma triste
época do jornalismo americano. O patriotismo ganhou do jornalismo.
Outro grave exemplo. Dezenas, talvez centenas de estudantes mexicanos
foram massacrados pelo Exército na praça de Tlatelolco em 1968. Os
jornalistas mais conhecidos ficaram calados. Não merecem ser chamados de
jornalistas. Mas essa cumplicidade e covardia não poderia se repetir
hoje no México.
Os recentes massacres de Tlatlaya e Iguala
--realizados pelo Exército e pela polícia, com dezenas de mortos-- estão
sendo cobertos por uma nova geração de jornalistas mexicanos, sobretudo
na mídia digital, sem medo de enfrentar os de cima. Diante dessa nova
onda de críticas de jornalistas com um ponto de vista, a resposta do
governo do presidente Enrique Peña Nieto foi a paralisia e o silêncio.
Mas é preciso perguntar até que se saiba tudo.
Poucas vezes
ocorre que jornalistas derrubem do poder presidentes corruptos e líderes
mentirosos. Mas Ben Bradlee e seus repórteres do "Washington Post" nos
ensinaram que todo político deve temer essa possibilidade. Não há nada
mais revolucionário do que dizer a verdade.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário