Por: Michael Munger*
Nosso problema é que temos que lutar contra unicórnios.
Unicórnios, é claro, são criaturas mitológicas que tem a forma de um cavalo com um chifre em espiral na cabeça. Eles se alimentam de arco-íris, contudo, podem permanecer sem se alimentar por anos, se necessário. Eles podem carregar grandes quantidades de carga. E sua flatulência tem aroma de morangos silvestres, o que torna agradável estar em uma carruagem com tração a unicórnios.
Por todas essas razões, os unicórnios são os animais de carga perfeitos, chave para o progresso da sociedade humana e distribuição da prosperidade.
Agora, você quer apontar uma falha no meu argumento, já que, na verdade, unicórnios não existem. Se eu estivesse falando sério, seria uma falha fatal no meu plano de usar unicórnios, não é?
Claro que não. A existência de unicórnios é facilmente provada. Feche os olhos. Imagine um unicórnio. Aquele que eu vejo é branco, com um chifre laranja. O unicórnio está cercado por arcos-íris (talvez seja a hora do almoço). Sua visão pode ser um pouco diferente, mas não há duvida de que quando eu digo “unicórnio”, a figura na sua mente corresponde bem ao que eu imagino. Então, os unicórnios existem e nós temos uma concepção semelhante sobre sua forma.
Problema: “o estado” é um unicórnio
Quando discuto sobre o estado com meus colegas na Duke University, em pouco tempo percebo que, para eles, quase sem exceção, o estado é um unicórnio. Venho da tradição da Escolha Pública, a qual tende a enfatizar os argumentos consequencialistas mais do que os direitos naturais, então, a distinção é particularmente importante para mim. Normalmente, meus amigos não gostam de políticos, pensam que a democracia é confusa e desagradável, e se opõem à brutalidade e aosexcessos coercivos das guerras externas, da guerra às drogas, e da espionagem da NSA.
Mas a solução deles é, sem exceção, expandir o poder do estado. Isso parece literalmente insano para mim – uma conclusão falsa de proporções tão monstruosas que tive problemas para levar a sério.
Então, percebi que eles querem um tipo de unicórnio, um estado que tenha prioridades, motivações, conhecimento e habilidades que imaginam para ele. Quando finalmente percebi que estávamos falando de coisas diferentes (pensando estar falando das mesmas coisas), eu me senti um pouco bobo. Já que, essencialmente, essa constatação – de que as pessoas que defendem a expansão do governo imaginam um estado diferente daquele possível no mundo real – tem sido parte central do argumento feito pelos liberais clássicos por, pelo menos, 300 anos.
Alguns exemplos ajudam a esclarecer a situação.
Edmund Burke esclarece, perfeitamente, a falácia do unicórnio. O problema não são pessoas ruins, ou sistemas que precisam de reforma. Na próxima eleição, teremos um Salvador! A próxima reforma levará à Utopia! Não, não teremos nenhuma das duas coisas.
Em vão você me diz que o [governo] é bom, mas disso só me sobra o abuso. A coisa! a própria coisa é o abuso! Observe, meu senhor, imploro-lhe, esse grande erro sobre o qual todo o poder legislativo é fundado. Observou-se que os homens têm paixões ingovernáveis, o que tornou necessária a proteção contra a violência que puderem oferecer. Eles mesmos apontaram governadores por esta razão; mas uma dificuldade pior e mais perplexa surge: como se defender dos governantes?Na Riqueza das Nações, Adam Smith comenta:
É o sistema de governo – a situação na qual (as pessoas) são colocadas – que condeno; não o caráter daquelas que nela agiram. Elas agiram como a sua situação naturalmente indicava, e outras pessoas que protestaram contra elas provavelmente não teriam agido melhor.Nessa passagem, Smith estava falando dos funcionários da Companhia das Índias Orientais. No entanto, o insight é geral: o fracasso de um sistema organizacional frequentemente advém dos incentivos, da lógica da ação, ou das inconsistências inerentes àquele sistema. As pessoas que trabalham naquele sistema provavelmente agem da mesma maneira que outras pessoas agiriam se estivessem naquele sistema. Então, embora seja verdade que é possível imaginar um estado que funciona de forma diferente, não existem seres humanos reais que possam trabalhar naquele sistema e entregar o que os estatistas imaginam.
Mais recentemente, Ludwig von Mises e F. A. Hayek trataram o problema dos unicórnios de forma primorosa. Em Epistemological Problems of Economics, Mises disse:
Raramente alguém se interessa por problemas sociais sem ser levado a fazê-lo pelo desejo de ver reformas aprovadas. Em quase todos os casos, antes de começar a estudar a ciência, ele já decidiu quais reformas que deseja ver aprovadas. Somente alguns têm a força de aceitar o fato (conhecimento) de que essas reformas são impraticáveis, inferindo suas consequências lógicas. A maioria das pessoas tolera o sacrifício do intelecto mais facilmente do que o sacrifício dos que sonham acordado. Eles não conseguem suportar que suas utopias encalhem nas imutáveis necessidades humanas. Eles aspiram à outra realidade, diferente daquela do mundo real… Eles desejam ser livres de um universo cuja ordem não aprovam.Talvez a versão mais famosa e devastadora de “atacar o unicórnio” é a de Hayek, quando disse noArrogância Fatal, que “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem sobre aquilo que imaginam poder planejar.”
O Teste Munger
Nos debates, percebi que é útil descrever o problema como o “problema do unicórnio”, precisamente porque expõe um ponto fraco fatal no argumento em prol do Estatismo. Se você quer defender o uso de unicórnios como meios de transporte público, é importante que os unicórnios existam no mundo real, em vez de somente na imaginação. As pessoas imediatamente compreendem porque confiar em criaturas imaginárias pode gerar problemas graves no trânsito.Contudo, a compreensão de que “o estado” que imaginam é um unicórnio pode não ser instantânea. Então, para ajudá-los, eu proponho o que (sem modéstia alguma) chamo de “Teste Munger”.
- Vá em frente, diga o que você quer que o estado faça – quais as responsabilidades que você quer que ele tenha.
- Então, volte atrás e analise a sua frase. Onde você disse “O estado”, delete essa expressão e a substitua por “políticos que conheço, que participam de sistemas eleitorais onde eleitores e grupos de interesse que realmente existem”.
- Se você ainda acreditar na veracidade de sua frase, então teremos que conversar.
Se alguém disser: “O estado deveria ser capaz de escolher subsídios e tributos para mudar os incentivos com os quais as pessoas se deparam na decisão de quais fontes de energia utilizar”, peça que removam “O estado” e substituam por “senadores de estados que dependem do carvão, petróleo, ou etanol de milho como fonte de receitas”. Ainda parece uma boa ideia?
E o que você acha dessa? “O estado deveria regulamentar as vendas de carros elétricos de alto desempenho”. Agora, substitua “O estado” pelo seguinte: “Políticos de Michigan e outros estados que produzem partes para motores de combustão interna deveriam ser responsáveis pela regulamentação da Tesla Motors”. Bom, talvez não…
Em minha experiência, gastamos muito tempo lutando contra nossos oponentes e seus unicórnios. Isto é, afirmamos que o estado/unicórnio é mau, e não pode ser domado de forma consistente com os valores da liberdade. A própria existência mental do unicórnio é o alvo de nossos argumentos.
O problema, obviamente, é que o unicórnio que eles imaginam é sábio, benevolente e onipotente. Dizer que suas imaginações estão erradas é inútil. Enquanto insistirmos que nossos oponentes estão errados sobre as propriedades do “estado” – que não existe na realidade, pelo menos não da forma que os estatistas imaginam – então, perderemos a atenção de muitas pessoas simpáticas que estão mais interessadas nas consequências.
Parafraseando Hayek, a curiosa tarefa do movimento da liberdade é persuadir os cidadãos que nossos oponentes são os idealistas, já que acreditam em unicórnios. Eles entendem muito pouco do estado que imaginam poder planejar.
(*) Michael Munger é um economista, cientista político, ex-candidato americano a governador da carolina do norte e ex-presidente do departamento de ciência política na Duke University , onde ele continua a ensinar a ciência política, a política pública e economia. Um escritor prolífico, ja publicou papers na “American Political Science Review”, “American Political Science Review”, “American Journal of Political Science”, e no “Journal of Politics”, além de ser autor do livro “Analyzing Policy: Choices, Conflicts, and Practices” que é agora um padrão de trabalho no campo da análise política.
Originalmente publicado, em português, pelo Portal do Libertarianismo. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro. | Artigo Original em inglês
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