quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A pouca compreensão de Trump da situação da imigração
Eduardo Porter - NYT
Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP
Para eleitores de Trump, um país onde 13% da população nasceu no exterior e onde 17% se identificam como latinos é um lugar assustadorPara eleitores de Trump, um país onde 13% da população nasceu no exterior e onde 17% se identificam como latinos é um lugar assustador
Quando Donald Trump chegou à idade adulta em meados dos anos 60, os Estados Unidos eram um país menos diverso. Em 1970, o percentual da população nascida no exterior tinha encolhido para 4,7%, o menor já registrado. Apenas 0,4% da população tinha nascido no México.
O principal eleitorado de Trump, o candidato à frente nas pesquisas das primárias republicanas --eleitores brancos e mais velhos como ele, que apresentam maior probabilidade de acreditar que os imigrantes tiram empregos, moradias e atendimento de saúde dos americanos-– amadureceu em grande parte naquele momento da história, dos anos 50 ao início dos anos 70.
"Foi um período único de rápido crescimento econômico, quando os filhos e netos dos europeus estavam se misturando em uma massa homogênea", disse Douglas S. Massey, um sociólogo de Princeton. "Aquele mundo não existe mais."
Essa transformação fornece a explicação mais convincente para a popularidade da proposta de Trump, de expulsar estimados 11 milhões de imigrantes que hoje vivem ilegalmente nos Estados Unidos e fechar a porta para futuros imigrantes com um muro de fronteira de mais de 3.200 quilômetros.
Para esses eleitores, um país onde 13% da população nasceu no exterior e onde 17% se identificam como latinos é um lugar assustador. Mas o que é mais paradoxal nessa crença é que a afirmação central de Trump –-que a imigração ilegal para os Estados Unidos continua sendo um problema crítico-– está na verdade errada. Trump, como colocou sucintamente Massey, "está chutando cachorro morto".
Desde o estouro da bolha imobiliária e a escassez de empregos no setor de construção, mais imigrantes ilegais deixaram os Estados Unidos do que entraram. Estimativas cuidadosas pelo Centro Pew de Pesquisa mostram que o número de mexicanos ilegais vivendo nos Estados Unidos encolheu em cerca de 1,1 milhão em 2012, em comparação ao pico em 2007.
A imigração ilegal pode voltar à medida que a economia americana se recuperar. Mas Massey e outros argumentam que uma força mais poderosa está puxando em outra direção: a demografia, com uma diminuição significativa da população mexicana interessada em cruzar a fronteira.
"Eu não vejo os mexicanos voltando em grande número", disse Pia M. Orrenius, uma economista do Federal Reserve Bank (o banco central americano) de Dallas, que estuda os padrões da imigração ilegal. "As multidões de homens em idade de trabalho estão muito menores, de modo que não há a pressão."
De fato, a faixa de pessoas entre 15 e 24 anos, aquelas com maior probabilidade de considerarem emigrar para o norte, encolheu de 22%, em 1990, para 18% da população mexicana em 2015. A expectativa é de que caia para 16% da população em 2025.
O grande boom de emigração do México a partir dos anos 1980 até a primeira metade da última década foi consequência de uma "tempestade perfeita", disse Gordon Hanson, um professor de economia da Universidade da Califórnia, em San Diego.
Enquanto os Estados Unidos experimentavam um crescimento sólido durante o que passou a ser conhecido como A Grande Moderação, o México sofreu três crises cambiais em 13 anos. E enquanto o crescimento da oferta de mão-de-obra nascida nos Estados Unidos desacelerou após os últimos dos "baby boomers" (a geração pós-Segunda Guerra Mundial) entrarem na força de trabalho, a população em idade de trabalho do México ainda expandia rapidamente.
"Esse período não se repetirá", disse Hanson. "A grande onda de imigração mexicana já passou."
Talvez o mais estranho a respeito do apelo de Trump seja que sua arma principal –-um muro na fronteira– já está estabelecido. Ele provou, na melhor das hipóteses, ser irrelevante. Na pior, o tiro saiu terrivelmente pela culatra.
O pessoal da Patrulha da Fronteira dobrou desde 2004, para mais de 21 mil. Mais de 1.000 quilômetros de cercas foram construídos, repletas de sensores e apoiadas por drones.
Atualmente, a força para imigração consome metade de todo o orçamento de manutenção da lei do país. O orçamento da patrulha da fronteira aumentou mais de dez vezes desde 1970, para US$ 4 bilhões.
O reforço na fronteira mudou os padrões de imigração, argumentou Massey, mas em grande parte de formas indesejadas. Ele não impediu a entrada de imigrantes no país. Mas o aumento do custo da entrada nos Estados Unidos –-taxas mais altas cobradas pelos contrabandistas, maior chance de morrer no caminho-– assegura que aqueles que chegam aos Estados Unidos permanecem no país.
O que antes era um fluxo pendular de homens mexicanos indo para o norte para trabalho sazonal em um punhado de Estados e retornando ao México no inverno, se transformou em uma comunidade permanente de famílias inteiras se estabelecendo em 48 Estados.
Trump poderia atribuir o escurecimento da pele dos americanos ao menos em parte ao muro. Em uma análise contrafactual um pouco atrevida, os três pesquisadores estimaram que o endurecimento do controle da fronteira a partir de 1986 na verdade adicionou 4 milhões à população de imigrantes vivendo ilegalmente nos Estados Unidos em 2010.
A nostalgia, é claro, não tem lugar em análises. Críticas analíticas dificilmente convencerão Trump ou seus seguidores.
Eles podem até buscar conforto em exemplos na história de muros quase inexpugnáveis. A Alemanha Oriental conseguiu se isolar do Ocidente de 1961 a 1989 com uma eficácia de 95%.
Mas era caro. Eram precisos quase 30 mil guardas para defender uma fronteira com menos da metade da extensão da fronteira entre os Estados Unidos e o México. Os guardas de fronteira usavam minas terrestres e atiravam para matar. Eles tinham ajuda da Stasi, que monitorava cada aspecto da vida dos alemães-orientais.
Este parece ser um preço elevado a pagar para parar um fio de água de imigrantes ilegais, que está diminuindo por conta própria para zero.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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