quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Bélgica aumenta vagas para refugiados e se adapta à chegada massiva de imigrantes
O reino teve um disparo no número de solicitantes de asilo vindos do Iraque e da Síria
Matthieu Demeestere - Le Monde
Stephanie Lecocq/Efe
21.ago.2015 - Criança brinca com o pai em frente ao escritório de Relações Exteriores da Bélgica, em Bruxelas21.ago.2015 - Criança brinca com o pai em frente ao escritório de Relações Exteriores da Bélgica, em Bruxelas
Ultimamente, para se conseguir a entrega de centenas de leitos e cobertores, é melhor ser um cliente conhecido, uma vez que "os fornecedores estão sendo chamados pela Europa inteira", conta Laurent Banneux, especialista em logística da Cruz Vermelha, ao observar a obra de ampliação do centro de refugiados de Rocourt, perto de Liège.
A Bélgica, assim como a maior parte de seus vizinhos europeus, em agosto teve um disparo no número de candidatos ao status de refugiado (+40% em relação a julho). Para tentar encontrar uma solução, a presidência do Conselho da União Europeia, atualmente exercida por Luxemburgo, convocou no domingo (30), a pedido da França, da Alemanha e do Reino Unido, uma reunião de emergência de ministros do Interior para o dia 14 de setembro.
Enquanto certos países como a Hungria relutam em fazer mais esforços, o governo belga anunciou, na sexta-feira (28), que pretendia elevar para 28.200 o número de vagas em centros de acolhimento até o final de novembro, ante as cerca de 16.200 existentes antes das primeiras medidas de urgência tomadas no início de agosto.
O centro de Rocourt, aberto em 2011 nas instalações de um antigo quartel, é um dos maiores do reino, e consegue abrigar em boas condições 300 refugiados. Na última semana de agosto havia 314 deles.
Mas a direção está se preparando para receber mais 200 no dia 1º de setembro, somente homens sozinhos, que ela deverá abrigar em um armazém de 800 metros quadrados convertido em um dormitório gigante, por enquanto sem aquecimento. Uma vez entregues os materiais, o objetivo é formar pequenas celas de quatro leitos delimitadas por grades recobertas de cortinas, explica Pascale Moreau, diretora do centro. "Isso lembra mais um acampamento", ela reconhece, "e os que chegam na primeira semana de setembro certamente ficarão por mais de três meses."
Situação inédita
Em um armazém vizinho, os candidatos ao asilo, voluntários nos chamados pequenos trabalhos comunitários, ajudam nos trabalhos. Em meio a pallets e cheiro de cola, oito jovens somalis de macacão branco e máscara no rosto reformam as portas das cabines móveis que contêm duchas e vasos sanitários. Eles trabalham supervisionados por um robusto gambiano de 53 anos que, assim como eles, fugiu de seu país, onde gerenciava uma oficina mecânica.
Os pedidos de asilo, que têm sido feitos a um ritmo de 1.200 a 1.600 por mês desde meados de 2014 na Bélgica, começaram a aumentar em maio, e desde então não param de acelerar... foram 2.289 em junho, 2.975 em julho e provavelmente cerca de 4.300 em agosto, segundo a secretaria dos Estrangeiros. Esse fenômeno é primeiramente ligado ao exílio maciço de iraquianos, sírios e afegãos, as três nacionalidades que mais têm procurado a Bélgica. A questão do acolhimento deles dominou o debate político durante todo o mês de agosto, colocando em evidência o secretário de Estado para o Asilo Theo Francken, da Nova Aliança Flamenga (N-VA).
Embora esse partido nacionalista costume dar declarações duras e às vezes bem controversas sobre a imigração, Francken mostrou uma face mais humana. Entre outras coisas, ele enfrentou a prefeitura socialista de Tournai, que no início de agosto protestou contra a abertura de 700 leitos em uma caserna da comuna, uma polêmica bastante repercutida pela mídia, na qual os representantes da antiga maioria de centro-esquerda deram a impressão de não terem ideia da extensão dessa crise humanitária.
Na sexta-feira, durante o conselho ministerial, Theo Francken anunciou uma nova série de medidas, entre elas a contratação de funcionários para processar os pedidos. Para atender a falta de alojamentos, a Médicos Sem Fronteiras fornecerá 400 barracas, e o exército belga continua disponibilizando 900 delas. E, pela primeira vez, recorrerão ao setor privado, através de uma licitação, para que o Estado possa ter 10 mil vagas a mais em abril de 2016 caso seja necessário.
A urgência se tornou claramente palpável no dia 24 de agosto, quando a secretaria de Estrangeiros em Bruxelas, ponto de passagem obrigatório para os solicitantes de asilo, recebeu 540 deles, um número recorde. Metade deles não puderam ser registrados e alojados e, em uma situação inédita na Bélgica, muitos imigrantes tiveram de passar a noite ao relento. Isso tem acontecido diariamente, com registros atípicos, o que acaba gerando tensões.
O alvoroço é grande no centro de Rocourt com a expectativa das chegadas de terça-feira, uma vez que 200 novos residentes já haviam chegado há um mês. Mazama Sediqi, uma mãe de família afegã de 41 anos, teve sorte. Ela foi separada à força de seu marido e de dois de seus filhos por coiotes na Sérvia, mas por milagre, todos voltaram a se encontrar em Rocourt, após um mês sem notícias. Quando perguntamos se está tudo bem a seu esposo Ezatullah Azizi, um funcionário público que fugiu por estar sendo perseguido pelos talibãs, ele mostra os hematomas e as cicatrizes nas pernas, marcas de uma difícil jornada de quatro meses. "Precisamos principalmente de um médico para a cabeça, porque ainda estamos muito chocados", ele diz.

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