Mattea Battaglia e Séverin Graveleau - Le Monde
Jacky Naegelen/Reuters
Após dois inícios de ano letivo marcados por mudanças nas cargas horárias de aulas, o que começa neste mês de setembro decididamente foi dedicado a dois conceitos intimamente ligados: cidadania e laicidade, que podem acabar irritando parte do corpo docente e da sociedade devido a um excesso de zelo.
O sistema educacional francês havia sido criticado após os atentados de janeiro, condenado quando os "Eu não sou Charlie" ressoaram em 200 colégios. Oito meses depois, é nas salas de aula, de todas as séries, que o Ministério da Educação está dando sua resposta: a volta do ensino de educação moral e cívica, "reserva cidadã" (ensino voluntário de valores republicanos), prevenção da radicalização, "comemorações patrióticas", Jornada da Laicidade. Essas medidas listadas por Najat Vallaud-Belkacem para voltar a posicionar a escola "no centro da República" surgiram com a "grande mobilização da escola pela defesa dos valores republicanos" iniciada pelo presidente francês, François Hollande, no dia 21 de janeiro.
A referência à laicidade também é forte no perímetro imediato da escola. Como parte de atividades extracurriculares em Paris, por exemplo, têm surgido oficinas para conscientizar as crianças sobre a convivência. O ensino superior não ficou para trás, uma vez que em 17 de setembro será reeditado o guia "Laicidade e ensino superior" publicado em 2004, ano em que foi criada a lei que proíbe o uso de véu nas escolas.
Esse
tema tem sido onipresente neste início do ano letivo, mas talvez até
demais. É preciso dizer que o cenário escolar não foi transformado
drasticamente por outras novidades. É verdade que a reforma das zonas de
educação prioritárias (ZEP) foi generalizada, mas foi em 2014 que ela
causou polêmica, quando foi preciso selecionar as mil redes a serem
certificadas. Quanto ao ensino médio e seus novos programas esperados
para 2016, será ao longo de setembro, ou até mesmo de outubro, que
saberemos se os opositores voltarão a se mobilizar.
Professores e diretores elogiam "o princípio" desse novo ano letivo marcado pela cidadania, ainda que os grandes pronunciamentos políticos sobre o assunto os irritem um pouco. "Cuidado com o excesso de iniciativas", alerta Hubert Tison, da Associação dos Professores de História e Geografia. "Entre os alunos, e mesmo entre os professores, nem todos se mostram dispostos a obedecer. Sabemos muito bem que surgem disputas com os excessos de zelo em matéria de laicidade, sobre as comemorações patrióticas. O importante é deixar uma margem de autonomia para os professores", ele pede. "Uma boa equipe sempre consegue mobilizar sua classe."
Mas as polêmicas voltaram à tona nas redes sociais. O motivo? A assinatura agora obrigatória da Carta da Laicidade para as Famílias, documento de 15 artigos que nunca realmente havia sido discutido desde que passou a ser pregado em todas as escolas e estabelecimentos públicos, dois anos atrás. Sua apresentação, em 2013, havia sido elogiada pela maioria do corpo docente, ao mesmo tempo em que foi considerada discriminatória por algumas vozes, entre elas instituições religiosas como o Conselho Francês do Culto Muçulmano.
"Se alguém se recusar a assinar, o que podemos fazer? Processar?", perguntam professores em comentários na internet. "É tão engraçado ler por aí que querem 'promover os valores da República' nas escolas", comentou pelo Twitter Sihame Assbague, porta-voz do coletivo Stop le contrôle au faciès, zombando da volta às aulas "pós-Charlie".
"Será que o fato de essa carta não se aplicar aos 2 milhões de alunos do ensino privado não é a prova de que essa é uma laicidade de dois pesos e duas medidas?", questiona Béatrice Mabilon-Bonfils. Para essa socióloga, autor de "La Laicité au risque de l'Autre" (2014), as ordens que têm chovido sobre a comunidade educacional desde janeiro estão indo na direção errada. "Esse discurso moralizador que paira sobre o aluno e as famílias, que parecem vir de cima enquanto eles mesmos vivenciam no dia a dia um sistema educacional desigual, não consegue atingir o jovem", observa a professora da Universidade de Cergy-Pontoise. "Vangloriam-se de que há uma fabricação do 'comum', e, na prática, as diferenças de sucesso se perpetuam em todos os níveis do sistema educacional!"
A lei da reforma do ensino (julho de 2013), no entanto, definiu a redução das desigualdades como uma prioridade, mas esta quase não tem sido vista pelos observadores da educação, mesmo depois de três reformulações da escola preparadas pela esquerda. Em compensação, o que hoje eles observam é a pressa empregada na parte da "cidadania", uma "precipitação" criticada pelo SNES-FSU, maioritário no ensino secundário, que vê na volta do ensino de educação moral e cívica uma "bricolagem absurda". Mas essas críticas têm recebido ainda mais repercussão pelo fato de que a parte de treinamento prometida pelo governo atrasou.
"Para a laicidade de fato tem havido um apressamento, mas essa é a filiação exata do projeto defendido desde 2012 por Vincent Peillon", relativiza o historiador Claude Lelièvre. "Não se devem confundir as laicidades. Nesse caso procuramos uma laicidade de consciência, de convicção, e não uma regulamentação ou prescrição, na linha de Jules Ferry, para quem a principal missão da escola republicana, antes mesmo de ler, escrever e contar, era formar pequenos republicanos."
Também não é uma falta de preparo, na opinião de Jean Baubérot, autor de "La Laicité falsifiée" (2014), que diz concordar com essa concepção da laicidade "como liberdade de pensamento e de crença". Mas "é preciso que a instituição esteja disposta a envolver os pais, a ouvir suas dúvidas e suas perguntas, e levá-los em consideração de qualquer maneira", ele avisa. "Se não houver um movimento dialético entre o Ministério da Educação e as famílias, entre a educação nacional e os jovens que ela instrui, há o risco de despertar as tensões."
Professores e diretores elogiam "o princípio" desse novo ano letivo marcado pela cidadania, ainda que os grandes pronunciamentos políticos sobre o assunto os irritem um pouco. "Cuidado com o excesso de iniciativas", alerta Hubert Tison, da Associação dos Professores de História e Geografia. "Entre os alunos, e mesmo entre os professores, nem todos se mostram dispostos a obedecer. Sabemos muito bem que surgem disputas com os excessos de zelo em matéria de laicidade, sobre as comemorações patrióticas. O importante é deixar uma margem de autonomia para os professores", ele pede. "Uma boa equipe sempre consegue mobilizar sua classe."
"Laicidade de dois pesos e duas medidas"
Os diretores de colégios também demonstram a mesma cautela. "Ainda temos a sorte de não termos esquecido tudo depois do que aconteceu em janeiro", diz Philippe Tournier, porta-voz do sindicato SNPDEN-UNSA. "Mas o Estado continua ambíguo quanto à laicidade: ele fala sobre os princípios gerais ao mesmo tempo em que, na prática, nos manda demonstrar 'discernimento' diante das dificuldades." "Só que é ilusório pensar que exista um consenso nesse domínio", conclui o diretor de escola parisiense, "ou acreditar que as polêmicas podem ser evitadas."Mas as polêmicas voltaram à tona nas redes sociais. O motivo? A assinatura agora obrigatória da Carta da Laicidade para as Famílias, documento de 15 artigos que nunca realmente havia sido discutido desde que passou a ser pregado em todas as escolas e estabelecimentos públicos, dois anos atrás. Sua apresentação, em 2013, havia sido elogiada pela maioria do corpo docente, ao mesmo tempo em que foi considerada discriminatória por algumas vozes, entre elas instituições religiosas como o Conselho Francês do Culto Muçulmano.
"Se alguém se recusar a assinar, o que podemos fazer? Processar?", perguntam professores em comentários na internet. "É tão engraçado ler por aí que querem 'promover os valores da República' nas escolas", comentou pelo Twitter Sihame Assbague, porta-voz do coletivo Stop le contrôle au faciès, zombando da volta às aulas "pós-Charlie".
"Será que o fato de essa carta não se aplicar aos 2 milhões de alunos do ensino privado não é a prova de que essa é uma laicidade de dois pesos e duas medidas?", questiona Béatrice Mabilon-Bonfils. Para essa socióloga, autor de "La Laicité au risque de l'Autre" (2014), as ordens que têm chovido sobre a comunidade educacional desde janeiro estão indo na direção errada. "Esse discurso moralizador que paira sobre o aluno e as famílias, que parecem vir de cima enquanto eles mesmos vivenciam no dia a dia um sistema educacional desigual, não consegue atingir o jovem", observa a professora da Universidade de Cergy-Pontoise. "Vangloriam-se de que há uma fabricação do 'comum', e, na prática, as diferenças de sucesso se perpetuam em todos os níveis do sistema educacional!"
A lei da reforma do ensino (julho de 2013), no entanto, definiu a redução das desigualdades como uma prioridade, mas esta quase não tem sido vista pelos observadores da educação, mesmo depois de três reformulações da escola preparadas pela esquerda. Em compensação, o que hoje eles observam é a pressa empregada na parte da "cidadania", uma "precipitação" criticada pelo SNES-FSU, maioritário no ensino secundário, que vê na volta do ensino de educação moral e cívica uma "bricolagem absurda". Mas essas críticas têm recebido ainda mais repercussão pelo fato de que a parte de treinamento prometida pelo governo atrasou.
"Para a laicidade de fato tem havido um apressamento, mas essa é a filiação exata do projeto defendido desde 2012 por Vincent Peillon", relativiza o historiador Claude Lelièvre. "Não se devem confundir as laicidades. Nesse caso procuramos uma laicidade de consciência, de convicção, e não uma regulamentação ou prescrição, na linha de Jules Ferry, para quem a principal missão da escola republicana, antes mesmo de ler, escrever e contar, era formar pequenos republicanos."
Também não é uma falta de preparo, na opinião de Jean Baubérot, autor de "La Laicité falsifiée" (2014), que diz concordar com essa concepção da laicidade "como liberdade de pensamento e de crença". Mas "é preciso que a instituição esteja disposta a envolver os pais, a ouvir suas dúvidas e suas perguntas, e levá-los em consideração de qualquer maneira", ele avisa. "Se não houver um movimento dialético entre o Ministério da Educação e as famílias, entre a educação nacional e os jovens que ela instrui, há o risco de despertar as tensões."
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