Tash Aw - TINYT
Em meio a onda de crimes, política de abertura a estudantes e trabalhadores imigrantes da África enfrenta reação xenófoba
Durante a última década, o crescimento econômico – combinado com o estímulo para se tornar líder em educação e tecnologia da informação no sudeste asiático – transformou a Malásia num ímã para estudantes e imigrantes da África. Deveria ser uma história de sucesso de progresso e intercâmbio cultural, mas recentemente, as tensões aumentaram.
Em maio, um estudante nigeriano de 30 anos de idade foi condenado à morte em Kuala Lumpur por traficar 770 gramas de metanfetamina. Foi a segunda sentença de morte contra um cidadão nigeriano na Malásia em dois meses, após a condenação de outro estudante também por tráfico de metanfetamina.
Espremida entre essas manchetes havia uma
história menor de crime – mas ainda assim reveladora. Uma professora
malasiana de 46 anos, que tinha "conhecido" um homem pelo Facebook e se
apaixonado, concordou em emprestar para ele a quantia considerável de
US$ 31 mil. Quando ela finalmente o conheceu pessoalmente, descobriu que
o homem, que ela tinha pensado que era caucasiano, era nigeriano. Ele
se ofereceu para pagar a dívida – mas as notas de banco que deu a ela
eram falsificadas.
A divulgação desses casos de crimes envolvendo africanos (a maioria nigerianos) ajudou a inflamar os preconceitos generalizados num país que até recentemente tinha tido pouco contato com africanos.
De acordo com os números mais recentes disponíveis, 79.352 cidadãos africanos entraram no país em 2013; e em 2012, 25.467 vistos de estudante foram emitidos para africanos. Muitos, como os participantes de um programa de intercâmbio na Universiti Teknologi Malaysia, subsidiado pelo estado de Kano, na Nigéria, são atraídos pelos institutos de educação superior bem equipados e em crescimento da Malásia, que dão a possibilidade de empregos melhores, tanto na Malásia e quanto no continente africano.
Para muitos estudantes muçulmanos africanos, a Malásia também oferece a oportunidade de praticar sua religião em um ambiente moderno e cosmopolita. Um jovem casal nigeriano com quem conversei no aeroporto no ano passado explicou que seus mestrados em engenharia na Malásia tinham levado a um emprego numa companhia respeitada de Lagos, e eles agora viajavam frequentemente a trabalho.
Dados os esforços da Malásia para se transformar em um centro educativo aberto ao talento e à mão de obra estrangeiros, esse tipo de história deveria ser notícia, mas não é. Em vez disso, a narrativa de cooperação entre a Malásia e os países africanos tem cada vez mais se transformado, na imaginação popular, em cenas de pesadelo que envolvem crimes cometidos por africanos.
A infra-estrutura moderna da Malásia, o sistema bancário eficiente e a conexão confiável com a internet, transformaram o país, de acordo com uma matéria da Reuters, num "epicentro" de golpes online – e dizem que os nigerianos, em especial, têm utilizado a Malásia como base operacional. Mulheres norte-americanas têm sido um dos principais alvos dessas fraudes, e a embaixada dos Estados Unidos em Kuala Lumpur informou que, em 2014, as fraudes de internet responderam por 80% das consultas a oficiais em serviço, com uma dúzia de casos novos por semana.
Os golpistas usam histórias convincentes – posando, por exemplo, como cristãos norte-americanos presos num país de maioria muçulmana e que precisam de dinheiro para voltar para casa. As autoridades norte-americanas relatam mais de 600 casos por ano, nos quais a maioria das vítimas perde, em média, "dezenas de milhares" de dólares; duas mulheres perderam mais de US$ 250 mil cada.
Estes golpistas, como muitas das mulas e traficantes de drogas condenados, muitas vezes entram no país com vistos de estudante, que são fáceis de obter e raramente são checados posteriormente. Como resultado, o preconceito local está crescendo contra os africanos em geral.
Os malasianos raramente se preocupam em fazer distinção entre nigerianos, ganenses, quenianos e tanzanianos. A imprensa, os políticos e o público se referem a eles como "Awang Hitam"; a tradução aproximada, "cara negro", não transmite o tom pejorativo da expressão.
Recentemente, um condomínio de luxo em Petaling Jaya, uma cidade perto de Kuala Lumpur, tentou proibir africanos de alugar apartamentos no complexo. Depois da má publicidade que isso gerou, os empreendedores recuaram, mas é um indício do quanto a aversão se tornou intensa em alguns lugares.
A natureza cada vez mais enraizada do sentimento anti-africano foi capturada no ano passado em um editorial bastante lido em um dos mais influentes jornais diários em malaio do país, o Utusan Malaysia. Intitulado "A Malásia não precisa dos 'Pak Hitam'"(uma variação de "Awang Hitam"), ele resumia a visão predominante sobre os africanos na Malásia: a de que todas as histórias eram as mesmas, e todas as histórias eram ruins. O editorial continuava, listando os problemas sociais causados pelos africanos, desde crimes graves, como o tráfico de drogas e fraudes online, à sua aglomeração em grandes grupos e "colonização de áreas residenciais".
Foi nesta última queixa que ficou claro o choque de culturas: os africanos são acusados de desordem, bebedeiras e assédio de meninas locais – tudo isso representa a antítese do comportamento esperado num país asiático conservador. Com medo de desafiar os imigrantes africanos por causa do seu porte físico, dos seus grandes números e do seu "caráter grosseiro" – de acordo com o editorial –, os malasianos apenas observam à medida que seus bairros são invadidos pelos "Pak Hitam".
Muitos malasianos alegam que o grande número de delitos cometidos pelos nigerianos e outros africanos justifica sua opinião preconceituosa – embora seja difícil de encontrar os números exatos. De acordo com uma organização sem fins lucrativos com sede na Nigéria, o Projeto de Assistência e Defesa Legal, existem 132 nigerianos cumprindo penas de prisão na Malásia, vários deles no corredor da morte – mas o projeto conseguiu reunir dados de apenas duas das sete prisões de segurança máxima do país.
Se existe ou não uma onda de criminalidade causada pelos africanos, muitos malasianos definitivamente têm a percepção de que isso está acontecendo. E isso alimenta o preconceito arraigado. Uma vez, testemunhei uma mulher local num trem, prendendo o nariz ao lado de um passageiro de aparência africana.
À medida que companhias malasianas como a multinacional industrial Sime Darby começam a investir fortemente nas economias em crescimento da África, e universidades da Malásia continuam com seus programas pagos para estudantes estrangeiros, é improvável que diminua o fluxo de pessoas entre a Malásia e a África. E que tampouco, e tão cedo, diminua o clima de xenofobia.
Tradução: Eloise De Vylder
A divulgação desses casos de crimes envolvendo africanos (a maioria nigerianos) ajudou a inflamar os preconceitos generalizados num país que até recentemente tinha tido pouco contato com africanos.
De acordo com os números mais recentes disponíveis, 79.352 cidadãos africanos entraram no país em 2013; e em 2012, 25.467 vistos de estudante foram emitidos para africanos. Muitos, como os participantes de um programa de intercâmbio na Universiti Teknologi Malaysia, subsidiado pelo estado de Kano, na Nigéria, são atraídos pelos institutos de educação superior bem equipados e em crescimento da Malásia, que dão a possibilidade de empregos melhores, tanto na Malásia e quanto no continente africano.
Para muitos estudantes muçulmanos africanos, a Malásia também oferece a oportunidade de praticar sua religião em um ambiente moderno e cosmopolita. Um jovem casal nigeriano com quem conversei no aeroporto no ano passado explicou que seus mestrados em engenharia na Malásia tinham levado a um emprego numa companhia respeitada de Lagos, e eles agora viajavam frequentemente a trabalho.
Dados os esforços da Malásia para se transformar em um centro educativo aberto ao talento e à mão de obra estrangeiros, esse tipo de história deveria ser notícia, mas não é. Em vez disso, a narrativa de cooperação entre a Malásia e os países africanos tem cada vez mais se transformado, na imaginação popular, em cenas de pesadelo que envolvem crimes cometidos por africanos.
A infra-estrutura moderna da Malásia, o sistema bancário eficiente e a conexão confiável com a internet, transformaram o país, de acordo com uma matéria da Reuters, num "epicentro" de golpes online – e dizem que os nigerianos, em especial, têm utilizado a Malásia como base operacional. Mulheres norte-americanas têm sido um dos principais alvos dessas fraudes, e a embaixada dos Estados Unidos em Kuala Lumpur informou que, em 2014, as fraudes de internet responderam por 80% das consultas a oficiais em serviço, com uma dúzia de casos novos por semana.
Os golpistas usam histórias convincentes – posando, por exemplo, como cristãos norte-americanos presos num país de maioria muçulmana e que precisam de dinheiro para voltar para casa. As autoridades norte-americanas relatam mais de 600 casos por ano, nos quais a maioria das vítimas perde, em média, "dezenas de milhares" de dólares; duas mulheres perderam mais de US$ 250 mil cada.
Estes golpistas, como muitas das mulas e traficantes de drogas condenados, muitas vezes entram no país com vistos de estudante, que são fáceis de obter e raramente são checados posteriormente. Como resultado, o preconceito local está crescendo contra os africanos em geral.
Os malasianos raramente se preocupam em fazer distinção entre nigerianos, ganenses, quenianos e tanzanianos. A imprensa, os políticos e o público se referem a eles como "Awang Hitam"; a tradução aproximada, "cara negro", não transmite o tom pejorativo da expressão.
Recentemente, um condomínio de luxo em Petaling Jaya, uma cidade perto de Kuala Lumpur, tentou proibir africanos de alugar apartamentos no complexo. Depois da má publicidade que isso gerou, os empreendedores recuaram, mas é um indício do quanto a aversão se tornou intensa em alguns lugares.
A natureza cada vez mais enraizada do sentimento anti-africano foi capturada no ano passado em um editorial bastante lido em um dos mais influentes jornais diários em malaio do país, o Utusan Malaysia. Intitulado "A Malásia não precisa dos 'Pak Hitam'"(uma variação de "Awang Hitam"), ele resumia a visão predominante sobre os africanos na Malásia: a de que todas as histórias eram as mesmas, e todas as histórias eram ruins. O editorial continuava, listando os problemas sociais causados pelos africanos, desde crimes graves, como o tráfico de drogas e fraudes online, à sua aglomeração em grandes grupos e "colonização de áreas residenciais".
Foi nesta última queixa que ficou claro o choque de culturas: os africanos são acusados de desordem, bebedeiras e assédio de meninas locais – tudo isso representa a antítese do comportamento esperado num país asiático conservador. Com medo de desafiar os imigrantes africanos por causa do seu porte físico, dos seus grandes números e do seu "caráter grosseiro" – de acordo com o editorial –, os malasianos apenas observam à medida que seus bairros são invadidos pelos "Pak Hitam".
Muitos malasianos alegam que o grande número de delitos cometidos pelos nigerianos e outros africanos justifica sua opinião preconceituosa – embora seja difícil de encontrar os números exatos. De acordo com uma organização sem fins lucrativos com sede na Nigéria, o Projeto de Assistência e Defesa Legal, existem 132 nigerianos cumprindo penas de prisão na Malásia, vários deles no corredor da morte – mas o projeto conseguiu reunir dados de apenas duas das sete prisões de segurança máxima do país.
Se existe ou não uma onda de criminalidade causada pelos africanos, muitos malasianos definitivamente têm a percepção de que isso está acontecendo. E isso alimenta o preconceito arraigado. Uma vez, testemunhei uma mulher local num trem, prendendo o nariz ao lado de um passageiro de aparência africana.
À medida que companhias malasianas como a multinacional industrial Sime Darby começam a investir fortemente nas economias em crescimento da África, e universidades da Malásia continuam com seus programas pagos para estudantes estrangeiros, é improvável que diminua o fluxo de pessoas entre a Malásia e a África. E que tampouco, e tão cedo, diminua o clima de xenofobia.
Tradução: Eloise De Vylder
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