Fahim Djebara - Le Monde
AFP
18.jan.2013 - Islamitas protestam contra decisão tomada pelo presidente Abdelaziz Bouteflika para permitir que caças franceses possam voar no espaço aéreo da Argélia
No dia 29 de setembro de 2005, a Argélia realizou um referendo sobre uma Carta pela Paz e pela Reconciliação Nacional, que deveria pôr fim a uma década de confrontos entre islamitas armados e forças de segurança, uma onda de violência que custou a vida de mais de 200 mil pessoas.
Com dessa lei de anistia iniciada em 1999, o presidente Abdelaziz Bouteflika conseguiu paz com muita dificuldade, deixando de lado os pedidos de justiça das vítimas e de suas famílias, e o problema trazido pelas vitórias eleitorais da Frente Islâmica da Salvação (FIS) no início dos anos 1990, antes de sua proibição.
Dez anos mais tarde, islamitas anistiados voltaram a ganhar espaço. Vítimas do terrorismo protestaram no dia 13 de setembro, em Batna, leste do país, para denunciar essa visibilidade, sobretudo a do midiático Madani Mezrag.
O ex-emir do Exército Islâmico da Salvação (EIS), que organiza reuniões públicas abertamente, quer criar um partido e foi recebido em junho de 2014 pela presidência, no contexto da revisão constitucional.
"Os
islamitas perderam de fato militarmente, mas eles venceram
ideologicamente", lamenta Anissa Zouani Zenoun. Há anos a jovem de 37
anos vem lutando contra o esquecimento em nome de sua irmã Amel, morta
no dia 26 de janeiro de 1997.
Le Monde: Como você vê a volta de ex-islamitas anistiados para a linha de frente da Argélia?
Anissa Zouani Zenoun: Depois do assassinato de Amel, deixamos nossa casa e fomos para um abrigo. Perdemos tudo, mas nos tornamos uma outra família, nosso modo de vida mudou, mas apesar do choque permanecemos de pé. Continuamos enfrentando o terrorismo e eu tinha muita esperança.
Pensava que depois do sacrifício de minha irmã e de milhares de outros argelinos o futuro pertenceria a nós. Não foi o que aconteceu. O futuro pertence aos islamitas e à máfia que os legitima. Agora não sonho com mais nada, estou psicologicamente esgotada.
Le Monde: Qual foi sua reação à lei de anistia, a chamada "Carta pela Paz e pela Reconciliação Nacional", adotada em 2005?
Zenoun: Não pensei que ela fosse ser aprovada, de tão injusta que era. Estávamos mobilizados com as forças democráticas, éramos muitos nas ruas. Mas o regime fez com que nos dividíssemos. No dia em que a lei foi votada, foi o fim. Eu sabia que os islamitas voltariam ainda mais duros. Nos anos 1990, o povo não estava do lado deles, estava imunizado, mas depois...
Só que esses homens mataram, degolaram homens, mulheres, crianças, estupraram, estriparam, destruíram a Argélia. E esses assassinos enriqueceram às custas do sangue de inocentes: eles construíram mansões, fazem negócios em total impunidade. O pior é a maneira como a sociedade justifica os assassinatos de nossos familiares.
As pessoas me perguntam, "Por que sua irmã foi assassinada? Porquê ela não usava o véu? Porquê ela estudava?" Essas perguntas acabam comigo.
Toda vez que conto como perdi a Amel, explico que ela foi assassinada por terroristas com armas brancas para ressaltar o horror desse período, e as pessoas me respondem: "O que ela fazia? O que seu pai fazia da vida? E sua mãe?" Tudo isso para tentarem encontrar uma razão objetiva para seu assassinato.
Le Monde: Quem lhe faz esse tipo de pergunta?
Zenoun: Todo mundo, às vezes até professores, médicos, intelectuais... É verdade que os islamitas não ganharam militarmente, mas eles venceram ideologicamente. Depois de tantas vítimas do obscurantismo, em 2015 chegaram a ameaçar as mulheres que saem durante o ramadã sem o hijab... Há imames radicais fazendo pregações retrógadas na televisão.
Le Monde: Você está pensando, por exemplo, em Madani Mezrag, o conhecido emir do Exército Islâmico da Salvação.
Zenoun: Sim. Afinal, o que diz a "lei da vergonha", como minha mãe a chamava? Ela diz que serão perdoados os militantes que não tenham as mãos "manchadas de sangue". Esse emir confessou à imprensa que matou um militar. E suas mãos estão manchadas de quê? Mas ele foi recebido como um príncipe pela presidência da República.
Minha mãe, quando viu isso na televisão, ficou doente. Ela me avisou que não sobreviveria a isso [ela morreu em novembro de 2014]. Os terroristas mataram a Amel fisicamente, e depois a lei nos assassinou psicologicamente. Mas minha mãe sempre nos dizia que era preciso preservar a memória, continuar falando dela e não deixar que a História fosse distorcida.
Le Monde: Mas muitas famílias de vítimas apoiaram a lei. Você as entende?
Zenoun: A maior parte das vítimas do terrorismo defendem o Bouteflika e a reconciliação, pois dizem que não querem mais mortes. Quem pode ser contra a paz? Nunca pedimos por mais mortes, mas sim por justiça. Fiquei mais rancorosa desde a reconciliação. Detesto toda essa sociedade que não tem reação...
Conheço uma mulher cujos filhos foram mortos em Bentalha (um dos piores massacres, cometido em setembro de 1997, que resultou em 200 a 400 vítimas). Depois eles lhe deram uma pequena pensão. Ela não entende que isso é um direito. Há muitas como ela.
Le Monde: Como você vê a volta de ex-islamitas anistiados para a linha de frente da Argélia?
Anissa Zouani Zenoun: Depois do assassinato de Amel, deixamos nossa casa e fomos para um abrigo. Perdemos tudo, mas nos tornamos uma outra família, nosso modo de vida mudou, mas apesar do choque permanecemos de pé. Continuamos enfrentando o terrorismo e eu tinha muita esperança.
Pensava que depois do sacrifício de minha irmã e de milhares de outros argelinos o futuro pertenceria a nós. Não foi o que aconteceu. O futuro pertence aos islamitas e à máfia que os legitima. Agora não sonho com mais nada, estou psicologicamente esgotada.
Le Monde: Qual foi sua reação à lei de anistia, a chamada "Carta pela Paz e pela Reconciliação Nacional", adotada em 2005?
Zenoun: Não pensei que ela fosse ser aprovada, de tão injusta que era. Estávamos mobilizados com as forças democráticas, éramos muitos nas ruas. Mas o regime fez com que nos dividíssemos. No dia em que a lei foi votada, foi o fim. Eu sabia que os islamitas voltariam ainda mais duros. Nos anos 1990, o povo não estava do lado deles, estava imunizado, mas depois...
Só que esses homens mataram, degolaram homens, mulheres, crianças, estupraram, estriparam, destruíram a Argélia. E esses assassinos enriqueceram às custas do sangue de inocentes: eles construíram mansões, fazem negócios em total impunidade. O pior é a maneira como a sociedade justifica os assassinatos de nossos familiares.
As pessoas me perguntam, "Por que sua irmã foi assassinada? Porquê ela não usava o véu? Porquê ela estudava?" Essas perguntas acabam comigo.
Toda vez que conto como perdi a Amel, explico que ela foi assassinada por terroristas com armas brancas para ressaltar o horror desse período, e as pessoas me respondem: "O que ela fazia? O que seu pai fazia da vida? E sua mãe?" Tudo isso para tentarem encontrar uma razão objetiva para seu assassinato.
Le Monde: Quem lhe faz esse tipo de pergunta?
Zenoun: Todo mundo, às vezes até professores, médicos, intelectuais... É verdade que os islamitas não ganharam militarmente, mas eles venceram ideologicamente. Depois de tantas vítimas do obscurantismo, em 2015 chegaram a ameaçar as mulheres que saem durante o ramadã sem o hijab... Há imames radicais fazendo pregações retrógadas na televisão.
Le Monde: Você está pensando, por exemplo, em Madani Mezrag, o conhecido emir do Exército Islâmico da Salvação.
Zenoun: Sim. Afinal, o que diz a "lei da vergonha", como minha mãe a chamava? Ela diz que serão perdoados os militantes que não tenham as mãos "manchadas de sangue". Esse emir confessou à imprensa que matou um militar. E suas mãos estão manchadas de quê? Mas ele foi recebido como um príncipe pela presidência da República.
Minha mãe, quando viu isso na televisão, ficou doente. Ela me avisou que não sobreviveria a isso [ela morreu em novembro de 2014]. Os terroristas mataram a Amel fisicamente, e depois a lei nos assassinou psicologicamente. Mas minha mãe sempre nos dizia que era preciso preservar a memória, continuar falando dela e não deixar que a História fosse distorcida.
Le Monde: Mas muitas famílias de vítimas apoiaram a lei. Você as entende?
Zenoun: A maior parte das vítimas do terrorismo defendem o Bouteflika e a reconciliação, pois dizem que não querem mais mortes. Quem pode ser contra a paz? Nunca pedimos por mais mortes, mas sim por justiça. Fiquei mais rancorosa desde a reconciliação. Detesto toda essa sociedade que não tem reação...
Conheço uma mulher cujos filhos foram mortos em Bentalha (um dos piores massacres, cometido em setembro de 1997, que resultou em 200 a 400 vítimas). Depois eles lhe deram uma pequena pensão. Ela não entende que isso é um direito. Há muitas como ela.
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