Reinaldo Azevedo - VEJA
Há
alguém que me lê aí com vontade de defender a política econômica de
Dilma Rousseff? Pois é… O PT não tem nenhuma! No dia em que a presidente
discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU e faz uma defesa
candente das medidas adotadas para minorar os desastres que ela própria
provocou no primeiro mandato, a Fundação Perseu Abramo, o principal
centro de, digamos assim, produção intelectual do petismo, divulgou dois
documentos. Um deles — “Mudar para sair da crise” — é explícito, arreganhado, com críticas duríssimas à política econômica. O outro — “O Brasil que queremos” —
é um trololó neodesenvolvimentista, que já nasce com cara de
pré-programa de partido que vai disputar a eleição. Em comum, os dois
nascem da má-fé. E vou explicar por quê. Além da Fundação Perseu Abramo,
assinam os estudos as seguintes entidades (ou sei lá o que sejam…):
Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o
Desenvolvimento, Fórum 21, Le Monde Diplomatique Brasil, Plataforma
Política Social e Rede Desenvolvimentista.
O texto sobre a política econômica, o primeiro a que me refiro acima, não economiza já no primeiro parágrafo. Leiam:
“A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social. Para alcançar estes objetivos restringem as demandas por direitos e a capacidade de pressão dos trabalhadores.”
“A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social. Para alcançar estes objetivos restringem as demandas por direitos e a capacidade de pressão dos trabalhadores.”
Eita! Eu
sempre achei que os petistas pensassem essas coisas sobre tucanos, não?
Será que Dilma é uma quinta-coluna? Então ela não passa hoje de um
pau-mandado de grandes brancos e fundos de investimento? Então ela é o
instrumento de malvados que querem capturar o Estado? Por que diabos
esse partido apoia Dilma?
O texto é de tal sorte aloprado — e meio analfabeto também — que chega a fazer esta afirmação:
“Este documento sublinha que a opção macroeconômica adotada em 2015 tem sua origem em uma disputa ideológica travada no período pré-eleitoral onde o ‘terrorismo’ econômico (representado pela equivocada interpretação liberal da ‘crise’) foi vitorioso na narrativa dos fatos, promovendo as bases para a adoção de um ajuste recessivo que caminha na direção oposta da construção de um país menos desigual.”
“Este documento sublinha que a opção macroeconômica adotada em 2015 tem sua origem em uma disputa ideológica travada no período pré-eleitoral onde o ‘terrorismo’ econômico (representado pela equivocada interpretação liberal da ‘crise’) foi vitorioso na narrativa dos fatos, promovendo as bases para a adoção de um ajuste recessivo que caminha na direção oposta da construção de um país menos desigual.”
Gente
alfabetizada e supostamente “culta” que emprega “onde” como pronome
relativo que não indica lugar deveria levar chicotadas. Mas deixo isso
pra lá. O trecho acima revela a qualidade intelectual de quem o
produziu. Suponho que, na versão dos malucos, o tal “terrorismo
econômico” era representado pela candidatura tucana, certo? Ora, mas
quem venceu a eleição foi Dilma, que prometeu o contrário do que está
fazendo — aliás, Aécio não anunciou nenhuma das medidas em curso; Dilma,
ela sim, é que as atribuiu ao adversário.
Não é
possível que esses sedizentes intelectuais não se envergonhem nem um
pouquinho, especialmente quando escrevem “crise” assim, entre aspas,
como se ela não existisse. Bem, a ser assim, quem é, então, Dilma
Rousseff? Por que o PT não vai para as ruas pedir o impeachment?
Dilma é
tratada no documento como mero títere de banqueiros. Pior do que isso:
os petistas a acusam de farsante, embora não empreguem essa palavra.
Leiam isto:
“Os defensores do ajuste vendem a ilusão de que ele é parte de uma estratégia de ‘retomada do crescimento econômico’. A recuperação do superávit primário contribuiria para reduzir os juros de longo prazo, promovendo uma retomada da ‘confiança empresarial’, incentivando o investimento e, por consequência, o crescimento. Na verdade, a racionalidade do ajuste é preservar a riqueza financeira e promover mudanças na correlação de forças entre capital e trabalho, em detrimento dos assalariados.”
“Os defensores do ajuste vendem a ilusão de que ele é parte de uma estratégia de ‘retomada do crescimento econômico’. A recuperação do superávit primário contribuiria para reduzir os juros de longo prazo, promovendo uma retomada da ‘confiança empresarial’, incentivando o investimento e, por consequência, o crescimento. Na verdade, a racionalidade do ajuste é preservar a riqueza financeira e promover mudanças na correlação de forças entre capital e trabalho, em detrimento dos assalariados.”
O texto faz o
elenco de medidas que Dilma deveria adotar para sair da crise.
Curiosamente, o conjunto delas é justamente aquele que conduziu o país
à… crise! Ocorre que os petistas não a reconhecem. Supõe-se, pois, que
tudo vinha muito bem. E por que Dilma está a fazer essas escolhas? Ora,
ou é doida ou tem um coração neoliberal, não é mesmo?
O texto é um
requinte de má-fé porque até seus signatários devem saber que não passa
de uma fraude intelectual. Imaginem se Dilma decidisse, como eles
querem, retirar os investimentos da meta de superávit primário,
estabelecer metas de inflação a cada biênio, calcular a inflação pelo
núcleo dos preços e regular o mercado de câmbio… O dólar, no paralelo,
iria para a estratosfera, as agências de classificação de risco
mandariam o país para o diabo; começaríamos uma nova fase da economia
flertando com a Argentina e terminaríamos na Grécia, depois de passar
pela Venezuela.
As esquerdas
são intrinsecamente imorais. Tivessem um mínimo de decência, fariam a
defesa do governo que as representa e não teriam o topete de propor o
que sabem que não vai acontecer porque a matemática não deixa.
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