Disputa de espaço
Merval Pereira - O Globo
A disputa entre a Polícia Federal e Ministério
Público pelas investigações da Operação Lava-Jato voltou à tona com o
episódio da inclusão do ex-presidente Lula na lista dos que devem ser
ouvidos no inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal, iniciado
naquela Corte em razão de sua competência originária.
Noticiado
inicialmente como tendo partido do delegado Josélio Souza pedido de
autorização ao STF para que Lula e outros fossem ouvidos, o que
estranhei em coluna do último domingo por nenhum dos citados ter fórum
privilegiado, na verdade fontes da Polícia Federal esclarecem que o que
houve foi um pedido de prorrogação do prazo da investigação por 80 dias.
Este
inquérito é presidido por um ministro do STF, o ministro Teori
Zavascki, e segue as regras específicas do Regimento Interno do STF.
Segundo a explicação oficial, a Polícia Federal atua nestes casos como
"longa manus" do ministro-presidente do inquérito, realizando as
diligências investigativas.
Mesmo que fosse o caso, e há
discordâncias sobre essa função da Polícia Federal, não há nada que
indique que o Procurador-Geral da República tenha autoridade para
definir o status em que Lula será ouvido, segundo Rodrigo Janot como
“testemunha” e não como “investigado”.
A competência do STF está
firmada nos artigos 101 a 103 – A, da Constituição Federal, e entre
estes dispositivos não há um sequer que o autorize a investigar crimes.
Qual a razão? Resguardar a imparcialidade do julgador. Se ele investiga,
não terá isenção para julgar.
O ministro que preside o inquérito
deveria funcionar como juiz das garantias, cabendo a ele, tão somente,
decidir sobre matérias como reserva da jurisdição, ou que toquem nos
direitos fundamentais, tais como prisão preventiva e temporária, quebra
de sigilo bancário e fiscal, sequestro de bens, etc.
Nessa
interpretação do papel da Polícia Federal nos inquéritos sob a
presidência do Supremo, diferentemente do que ocorre em um inquérito
policial, no qual o delegado de polícia possui ampla discricionariedade
para realizar as diligências que entende necessárias, sem rito ou ordem
cronológica previamente estabelecidas, esta discricionariedade é muito
mitigada, já que a priori a investigação não é sua, mas ele colabora com
as diligências e quem preside o feito é um ministro da Corte.
Como
se trata de um inquérito do STF, presidido por um ministro, o regimento
interno estipula, no seu artigo 230-C: “Instaurado o inquérito, a
autoridade policial deverá em sessenta dias reunir os elementos
necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e
realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos,
apresentando, ao final, peça informativa. § 1º O Relator poderá deferir a
prorrogação do prazo sob requerimento fundamentado da autoridade
policial ou do Procurador-Geral da República, que deverão indicar as
diligências que faltam ser concluídas."
O delegado de Polícia Federal
Josélio Souza apresentou justamente o seu requerimento de prorrogação
de prazo, e por força desta norma, ficou obrigado a indicar as
diligências faltantes - dentre elas, as audiências a serem marcadas com
Lula e outros.
Esta norma não fala nada com relação à
obrigatoriedade de opinião do Procurador-Geral da República sobre estas
diligências complementares necessárias, indicadas pela autoridade
policial. Nestes casos decorrentes da Lava Jato, porém, tem sido
interpretado que o PGR deve se manifestar sobre as diligências indicadas
pelo delegado de Polícia Federal, e já houve conflitos anteriores entre
as duas áreas.
Mesmo que o Procurador-Geral Rodrigo Janot tenha
extrapolado suas prerrogativas segundo alguns especialistas, por excesso
de zelo ou outras razões, o fato de definir o papel de Lula no
inquérito como de testemunha, e não investigado, não facilitará a vida
do ex-presidente.
Ele terá que assumir o compromisso de dizer a
verdade. Não poderá, por exemplo, ficar em silêncio, um direito do
investigado. A mentira, se constatada pela Autoridade Policial, ou pelo
Ministério Público, ou pelo Juiz, seja no momento do depoimento ou após,
implicará infração prevista no Código Penal.
* Esta coluna, assim
como a de domingo, contou com a assessoria jurídica de Cosmo Ferreira,
advogado criminal, ex-promotor de Justiça do Rio e procurador regional
da República.
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