Roger Cohen - NYT
Yahya Arhab/EFE
Edifícios são atingidos por bombardeio supostamente realizado pela coalizão liderada pela Arábia Saudita contra os houthis, em Sanaa, no Iêmen, em julho
Caso as reviravoltas dos mercados globais o deixem confuso, aqui está um manual atualizado do Oriente Médio que o fará se sentir melhor:
1) A invasão do Iraque pelos EUA em 2003 levou a maioria xiita ao poder, assim acelerando os interesses do Irã xiita, inimigo dos EUA. Ela derrubou os sunitas, perturbando o equilíbrio sunita-xiita no Oriente Médio. Isto enfureceu a Arábia Saudita (sunita), teoricamente aliada dos EUA.
2) A rica
família real saudita adota um islamismo wahabita conservador, cujos
ensinamentos são ferozmente antiamericanos (não pergunte sobre a aliança
saudita-americana). Os sauditas apoiaram os islâmicos sunitas na Síria
devastada pela guerra contra o déspota do país apoiado pelo Irã, Bashar
al-Assad, que é da seita alauíta, quase xiita. Esta manobra deu errado.
Um grupo sunita bárbaro, versado em tecnologia e armado de facas que se
intitula Estado Islâmico invadiu a Síria e o Iraque, decapitando e
violentando pessoas e destruindo grandes tesouros em busca de um
califado medieval que se estenderia pelo território que inclui a Arábia
Saudita atual. Pense em consequências imprevistas! Enquanto isso, os
sauditas financiaram a destruição dos islâmicos sunitas no Egito. Esse
outro tipo ruim de extremistas sunitas, conhecidos como Irmandade
Muçulmana, cometeu a besteira definitiva de acreditar nas urnas como
fonte de autoridade.
3) As tensões sunitas-xiitas tornaram-se regionais. A Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo hoje estão tão convencidas de que os EUA são pró-xiitas (leia-se pró-Irã) e tão convencidas dos desígnios imperiais antissunitas do Irã que embarcaram em uma campanha de bombardeios no - você adivinhou! - Iêmen. O suposto objetivo é deter os houthis, vistos em Riyad como representantes do Irã.
4) Depois da Primavera Árabe (ver abaixo), os principais Estados funcionais e estáveis no Oriente Médio não são árabes: Israel, Turquia e Irã. Israel está em uma guerra intermitente com os árabes desde 1948, mas é mais alarmado sobre o Irã, que não é árabe, nem sunita, nem fica em sua fronteira, nem tem armas nucleares (ver abaixo).
5) A antiga ordem do Oriente Médio está em frangalhos. Os Estados pós-otomanos que não eram nações, com fronteiras traçadas há séculos pelos europeus, dividiram-se segundo linhas sectárias e transformaram essas fronteiras em absurdos. Uma ideologia jihadista em metástase, conduzida pelo ódio à modernidade, o colonialismo e a suposta decadência ocidentais mostrou-se um apelo irresistível. Um Curdistão independente, omitido da ordem pós-otomana, hoje está próximo da realização. Detalhe: os curdos e os israelenses têm tensões.
6) O governo Obama disse que Assad, da Síria, estava frito sem ter os meios para fritá-lo. Foi um enorme erro. Seguiu-se um vazio. Ninguém gosta de um vazio mais que um jihadista. Entra o Estado Islâmico. Os EUA estão hoje em meia guerra com o Estado Islâmico. Meia guerra é como meia gravidez: uma impossibilidade ilusória. Os EUA ainda estão procurando grupos de oposição sírios não fundamentalistas palatáveis - uma tarefa de louco. A Síria acabou, baby, acabou.
7) As opiniões sauditas são cada vez mais idênticas às de Israel (não peça detalhes), especialmente sobre o Irã. O islamismo wahabita, porém, vê o sionismo como seu inimigo implacável. Por isso a identidade de opiniões não se traduz em aproximação diplomática.
8) O Oriente Médio tem uma antiga indústria familiar chamada processo de paz. Os palestinos são representados pela Autoridade Palestina, uma autoridade que não tem autoridade sobre os palestinos em Gaza, nem legitimidade democrática, nem motivo evidente para representar ninguém além de si mesma, nem determinação para mudar a situação atual. Israel tem um governo de direita que não se interessa pela paz e se interessa muito por esmagar qualquer ideia de um Estado palestino - e dos próprios palestinos! A situação é favorável a Israel, embora envolva pequenas guerras intermitentes.
9) Israel tem um dissuasor nuclear. Os EUA e Israel concordaram em nunca falar sobre as supostas armas nucleares do Estado judeu (mais uma vez, não pergunte).
10) Vários déspotas foram varridos pela Primavera Árabe em 2011. Mas, em vez de trazer empoderamento e organização por meio de novas formas de cidadania, as revoluções se transformaram em sectarismo. Sectarismo significa favorecer os seus próximos e brutalizar o resto (ver Egito, Síria, Iraque, Iêmen etc.).
11) O Irã é uma teocracia dividida entre linhas-duras e reformistas. Os EUA, a China, a Rússia, o Reino Unido, a França e a Alemanha fizeram um acordo nuclear com o Irã. Isso deteve seu programa nuclear em curso. No balanço, é a maneira mais eficaz de afastar o Irã de uma bomba. Mas todos os congressistas republicanos são contra o acordo. Eles acreditam que a Casa Branca, a China, a Rússia, o Reino Unido, a França e a Alemanha estão todos enganados e eles é que sabem! Sim, sabem. A queda do preço do petróleo e a revolução da energia nos EUA abriram novas possibilidades estratégicas no Oriente Médio. O acordo nuclear também poderá, com o tempo, abrir novas vias para os EUA perseguirem seus interesses no Oriente Médio. Uma região de alianças remanejadas é anátema para potências da situação como Israel e as monarquias sunitas.
12) Entendeu? Se não, não se preocupe. Seja zen. Existe um limite até onde alguém pode se preocupar. Concentre-se na China por enquanto. Meu palpite é que o Oriente Médio (ao contrário de um grande pedaço do seu portfólio) ainda existirá amanhã.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
3) As tensões sunitas-xiitas tornaram-se regionais. A Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo hoje estão tão convencidas de que os EUA são pró-xiitas (leia-se pró-Irã) e tão convencidas dos desígnios imperiais antissunitas do Irã que embarcaram em uma campanha de bombardeios no - você adivinhou! - Iêmen. O suposto objetivo é deter os houthis, vistos em Riyad como representantes do Irã.
4) Depois da Primavera Árabe (ver abaixo), os principais Estados funcionais e estáveis no Oriente Médio não são árabes: Israel, Turquia e Irã. Israel está em uma guerra intermitente com os árabes desde 1948, mas é mais alarmado sobre o Irã, que não é árabe, nem sunita, nem fica em sua fronteira, nem tem armas nucleares (ver abaixo).
5) A antiga ordem do Oriente Médio está em frangalhos. Os Estados pós-otomanos que não eram nações, com fronteiras traçadas há séculos pelos europeus, dividiram-se segundo linhas sectárias e transformaram essas fronteiras em absurdos. Uma ideologia jihadista em metástase, conduzida pelo ódio à modernidade, o colonialismo e a suposta decadência ocidentais mostrou-se um apelo irresistível. Um Curdistão independente, omitido da ordem pós-otomana, hoje está próximo da realização. Detalhe: os curdos e os israelenses têm tensões.
6) O governo Obama disse que Assad, da Síria, estava frito sem ter os meios para fritá-lo. Foi um enorme erro. Seguiu-se um vazio. Ninguém gosta de um vazio mais que um jihadista. Entra o Estado Islâmico. Os EUA estão hoje em meia guerra com o Estado Islâmico. Meia guerra é como meia gravidez: uma impossibilidade ilusória. Os EUA ainda estão procurando grupos de oposição sírios não fundamentalistas palatáveis - uma tarefa de louco. A Síria acabou, baby, acabou.
7) As opiniões sauditas são cada vez mais idênticas às de Israel (não peça detalhes), especialmente sobre o Irã. O islamismo wahabita, porém, vê o sionismo como seu inimigo implacável. Por isso a identidade de opiniões não se traduz em aproximação diplomática.
8) O Oriente Médio tem uma antiga indústria familiar chamada processo de paz. Os palestinos são representados pela Autoridade Palestina, uma autoridade que não tem autoridade sobre os palestinos em Gaza, nem legitimidade democrática, nem motivo evidente para representar ninguém além de si mesma, nem determinação para mudar a situação atual. Israel tem um governo de direita que não se interessa pela paz e se interessa muito por esmagar qualquer ideia de um Estado palestino - e dos próprios palestinos! A situação é favorável a Israel, embora envolva pequenas guerras intermitentes.
9) Israel tem um dissuasor nuclear. Os EUA e Israel concordaram em nunca falar sobre as supostas armas nucleares do Estado judeu (mais uma vez, não pergunte).
10) Vários déspotas foram varridos pela Primavera Árabe em 2011. Mas, em vez de trazer empoderamento e organização por meio de novas formas de cidadania, as revoluções se transformaram em sectarismo. Sectarismo significa favorecer os seus próximos e brutalizar o resto (ver Egito, Síria, Iraque, Iêmen etc.).
11) O Irã é uma teocracia dividida entre linhas-duras e reformistas. Os EUA, a China, a Rússia, o Reino Unido, a França e a Alemanha fizeram um acordo nuclear com o Irã. Isso deteve seu programa nuclear em curso. No balanço, é a maneira mais eficaz de afastar o Irã de uma bomba. Mas todos os congressistas republicanos são contra o acordo. Eles acreditam que a Casa Branca, a China, a Rússia, o Reino Unido, a França e a Alemanha estão todos enganados e eles é que sabem! Sim, sabem. A queda do preço do petróleo e a revolução da energia nos EUA abriram novas possibilidades estratégicas no Oriente Médio. O acordo nuclear também poderá, com o tempo, abrir novas vias para os EUA perseguirem seus interesses no Oriente Médio. Uma região de alianças remanejadas é anátema para potências da situação como Israel e as monarquias sunitas.
12) Entendeu? Se não, não se preocupe. Seja zen. Existe um limite até onde alguém pode se preocupar. Concentre-se na China por enquanto. Meu palpite é que o Oriente Médio (ao contrário de um grande pedaço do seu portfólio) ainda existirá amanhã.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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