Andrew Jacobs - NYT
Jason Lee/Reuters
Críticos questionaram a decisão de Xi Jinping de romper uma tradição que pede por uma parada militar apenas uma vez a cada década
Poucas coisas distraem uma nação ansiosa em dificuldades econômicas como uma parada militar de cair o queixo, com uma cavalgada de armamentos de alta tecnologia reluzentes, 12.000 soldados marchando e caças enchendo os céus com fumaça colorida sincronizada.
A China comemora um novo feriado nacional na quinta-feira (3), em homenagem ao 70º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, com eventos por todo o país, três dias de folga e um espetáculo marcial que retumbará pelo coração cerimonial da capital. O presidente Xi Jinping ordenou as festividades muito antes da mais recente rodada de notícias econômicas, mas o momento não poderia ser melhor para o Partido Comunista, ao lidar com a queda do mercado de ações e os temores de que uma desaceleração possa provocar inquietação social.
O evento permite a Xi promover uma agenda nacionalista mais ousada no momento em que o público chinês está começando a questionar a principal fonte de legitimidade do partido: sua capacidade de proporcionar crescimento econômico.
"À medida em que aumentam os conflitos sociais, o partido precisa
desviar a atenção e, é claro, uma parada é uma boa forma de fazer isso,
ao estimular o fervor nacionalista", disse Zhang Lifan, um historiador
em Pequim.
Apesar de rotulado como uma celebração do final da guerra, o feriado foi cuidadosamente concebido para projetar a visão de Xi de uma China "rejuvenescida": uma potência militar em ascensão capaz de enfrentar seus rivais –-mais notadamente o Japão e seus principais aliados, os Estados Unidos. Mas voltar a atenção ao passado deixou o partido aberto a críticas de que está manipulando a história da guerra, para exagerar o papel comunista no término dos 14 anos de ocupação pelo Japão de partes da China.
A lista de convidados para a parada de quinta-feira também é um embaraço potencial, já que os líderes de muitos dos países que enfrentaram o Japão ou sofreram agressão japonesa recusaram o convite. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, estarão nas tribunas na Praça Tiananmen, mas autoridades dos Estados Unidos, Austrália, Indonésia e de vários outros países na região não estarão.
A ausência rouba de Xi o prestígio internacional para tornar o evento mais crível, e sugere que ele pode ter avaliado mal a ansiedade por toda a Ásia com o crescente nacionalismo chinês. Washington expressou desconforto com a satanização do Japão pela parada, dizendo que preferiria que a China realizasse um evento voltado para o futuro, que promovesse a reconciliação.
Dentro da China, os críticos questionaram a decisão de Xi de romper uma tradição que pede por uma parada militar apenas uma vez a cada década, para celebrar a fundação da República Popular da China. O próximo aniversário, em 2019, marcará os 70 anos desde que os rebeldes de Mao Tsé-tung derrotaram os nacionalistas após uma guerra civil sangrenta, e as autoridades chinesas não disseram se realizarão outra parada apenas quatro anos depois desta.
"Todo imperador tem sua fraqueza, e Xi deseja demonstrar seu poderio e prestígio", disse Hua Jia, um proeminente dissidente chinês. "A parada é uma chance para o Partido Comunista exibir suas facas cintilantes e botas reluzentes, para que o povo se submeta ao medo e encanto", ele acrescentou.
Talvez a crítica mais incisiva tenha vindo dos historiadores na China e no exterior, que acusaram o partido de distorcer a narrativa da luta da China contra o Japão.
De modo geral, os historiadores concordam que os exércitos nacionalistas de Chiang Kai-shek, e não os guerrilheiros comunistas de Mao, realizaram grande parte dos combates contra os japoneses. A maioria dos estimados 3 milhões de soldados chineses que morreram de 1937 a 1945 vestia a farda nacionalista, enquanto os comunistas, quase derrotados por Chiang na época da invasão por Tóquio, passaram grande parte da guerra reconstruindo suas forças atrás das linhas inimigas e apenas ocasionalmente emboscando tropas japonesas.
A decisão de apresentar o Japão como um inimigo impenitente do povo chinês foi tomada depois de 1989, quando a repressão violenta pelo partido das manifestações lideradas pelos estudantes na Praça Tiananmen provocou uma crise de fé entre a elite educada. Nos anos que se seguiram, os líderes chineses introduziram uma campanha de ensino patriótico que enfatizava as atrocidades de guerra dos japoneses e as indignidades provocadas por um século de invasões estrangeiras.
Zheng Wang, diretor do Centro para a Paz e Estudo de Conflitos da Universidade Seton Hall, disse que a campanha de reeducação ideológica foi em grande parte bem-sucedida em forjar uma identidade nacional baseada em uma narrativa que é parte mito, parte trauma.
Xi levou a narrativa mais longe, ao promover o "Sonho Chinês", um apelo emocional ao rejuvenescimento nacional e grandeza militar.
"A narrativa da humilhação é uma parte muito importante da formação da identidade da China, mas eu não esperava que o presidente Xi continuaria na mesma trilha, já que sua China já ascendeu a uma grande potência mundial", disse Wang. "Na verdade, o atual governo vem dando ainda mais ênfase a essa narrativa."
Durante uma recente visita ao Salão Memorial da Guerra Anti-Japão do Povo Chinês, um museu nos arredores do sul de Pequim, os jovens expressavam revolta diante do que descreviam como a relutância do Japão em reconhecer seu comportamento durante a guerra, enquanto outros tiravam selfies sobre bandeiras japonesas e outras relíquias do exército imperial exibidas sob um chão de vidro.
"Eu derramaria meu sangue diante da agressão japonesa", declarou Feng Hao, 19, um estudante universitário da província de Shanxi, que passou a tarde no museu com dezenas de colegas de classe que vestiam blusões vermelhos.
Hao, um estudante de jornalismo, recitou com entusiasmo os detalhes da luta de Mao contra os japoneses, que predomina nas exposições no museu. Mas ele ficou sem resposta quando perguntado sobre o episódio em 1989, quando tropas chinesas abriram fogo contra manifestantes desarmados, ou sobre a fome, caos social e três décadas de estagnação econômica resultantes das políticas equivocadas de Mao.
"Nós não aprendemos muito sobre essas coisas na escola", ele disse, se desculpando. Mas então ele se animou com outro pensamento. "Nós estudamos principalmente história antiga", ele explicou. "A China tem uma longa história e as coisas que você mencionou são apenas uma parte minúscula de nosso passado."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Apesar de rotulado como uma celebração do final da guerra, o feriado foi cuidadosamente concebido para projetar a visão de Xi de uma China "rejuvenescida": uma potência militar em ascensão capaz de enfrentar seus rivais –-mais notadamente o Japão e seus principais aliados, os Estados Unidos. Mas voltar a atenção ao passado deixou o partido aberto a críticas de que está manipulando a história da guerra, para exagerar o papel comunista no término dos 14 anos de ocupação pelo Japão de partes da China.
A lista de convidados para a parada de quinta-feira também é um embaraço potencial, já que os líderes de muitos dos países que enfrentaram o Japão ou sofreram agressão japonesa recusaram o convite. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, estarão nas tribunas na Praça Tiananmen, mas autoridades dos Estados Unidos, Austrália, Indonésia e de vários outros países na região não estarão.
A ausência rouba de Xi o prestígio internacional para tornar o evento mais crível, e sugere que ele pode ter avaliado mal a ansiedade por toda a Ásia com o crescente nacionalismo chinês. Washington expressou desconforto com a satanização do Japão pela parada, dizendo que preferiria que a China realizasse um evento voltado para o futuro, que promovesse a reconciliação.
Dentro da China, os críticos questionaram a decisão de Xi de romper uma tradição que pede por uma parada militar apenas uma vez a cada década, para celebrar a fundação da República Popular da China. O próximo aniversário, em 2019, marcará os 70 anos desde que os rebeldes de Mao Tsé-tung derrotaram os nacionalistas após uma guerra civil sangrenta, e as autoridades chinesas não disseram se realizarão outra parada apenas quatro anos depois desta.
"Todo imperador tem sua fraqueza, e Xi deseja demonstrar seu poderio e prestígio", disse Hua Jia, um proeminente dissidente chinês. "A parada é uma chance para o Partido Comunista exibir suas facas cintilantes e botas reluzentes, para que o povo se submeta ao medo e encanto", ele acrescentou.
Talvez a crítica mais incisiva tenha vindo dos historiadores na China e no exterior, que acusaram o partido de distorcer a narrativa da luta da China contra o Japão.
De modo geral, os historiadores concordam que os exércitos nacionalistas de Chiang Kai-shek, e não os guerrilheiros comunistas de Mao, realizaram grande parte dos combates contra os japoneses. A maioria dos estimados 3 milhões de soldados chineses que morreram de 1937 a 1945 vestia a farda nacionalista, enquanto os comunistas, quase derrotados por Chiang na época da invasão por Tóquio, passaram grande parte da guerra reconstruindo suas forças atrás das linhas inimigas e apenas ocasionalmente emboscando tropas japonesas.
A decisão de apresentar o Japão como um inimigo impenitente do povo chinês foi tomada depois de 1989, quando a repressão violenta pelo partido das manifestações lideradas pelos estudantes na Praça Tiananmen provocou uma crise de fé entre a elite educada. Nos anos que se seguiram, os líderes chineses introduziram uma campanha de ensino patriótico que enfatizava as atrocidades de guerra dos japoneses e as indignidades provocadas por um século de invasões estrangeiras.
Zheng Wang, diretor do Centro para a Paz e Estudo de Conflitos da Universidade Seton Hall, disse que a campanha de reeducação ideológica foi em grande parte bem-sucedida em forjar uma identidade nacional baseada em uma narrativa que é parte mito, parte trauma.
Xi levou a narrativa mais longe, ao promover o "Sonho Chinês", um apelo emocional ao rejuvenescimento nacional e grandeza militar.
"A narrativa da humilhação é uma parte muito importante da formação da identidade da China, mas eu não esperava que o presidente Xi continuaria na mesma trilha, já que sua China já ascendeu a uma grande potência mundial", disse Wang. "Na verdade, o atual governo vem dando ainda mais ênfase a essa narrativa."
Durante uma recente visita ao Salão Memorial da Guerra Anti-Japão do Povo Chinês, um museu nos arredores do sul de Pequim, os jovens expressavam revolta diante do que descreviam como a relutância do Japão em reconhecer seu comportamento durante a guerra, enquanto outros tiravam selfies sobre bandeiras japonesas e outras relíquias do exército imperial exibidas sob um chão de vidro.
"Eu derramaria meu sangue diante da agressão japonesa", declarou Feng Hao, 19, um estudante universitário da província de Shanxi, que passou a tarde no museu com dezenas de colegas de classe que vestiam blusões vermelhos.
Hao, um estudante de jornalismo, recitou com entusiasmo os detalhes da luta de Mao contra os japoneses, que predomina nas exposições no museu. Mas ele ficou sem resposta quando perguntado sobre o episódio em 1989, quando tropas chinesas abriram fogo contra manifestantes desarmados, ou sobre a fome, caos social e três décadas de estagnação econômica resultantes das políticas equivocadas de Mao.
"Nós não aprendemos muito sobre essas coisas na escola", ele disse, se desculpando. Mas então ele se animou com outro pensamento. "Nós estudamos principalmente história antiga", ele explicou. "A China tem uma longa história e as coisas que você mencionou são apenas uma parte minúscula de nosso passado."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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